sexta-feira, 19 de julho de 2019

PSICOLOGIA E CIÊNCIA EM DISCUSSÃO - 2 Inquisições em nome da ciência?



Se por um lado a ciência sofreu toda a sorte de perseguições / inquisições e também vem sendo tripudiada nesse momento de pós-verdades, “terraplanismos” e “olavismos”, parece ser de igual importância estabelecer a auto crítica no sentido de que a ciência, ou pelo menos em nome da ciência, outras tantas perseguições e novas inquisições já foram feitas ou estão na ordem do dia.
Assim como em nome de Deus guerras e atrocidades já foram (e são) feitas, em nome da ciência não parece ser distinto. Contudo é importante ressaltar que a diferença talvez não esteja na ciência propriamente dita (assim também em relação a Deus), mas no modo de se fazer ciência e no pensamento científico em ação. Afinal é isto que Edgar Morin (2000) vem apontar em seu livro “Ciência com consciência” ao aumentar o tom para a necessidade de uma ciência que reflita sobre seus próprios gestos e consequências. A ideia de verdade (científica) já havia sido “martelada” por Nietzsche no sentido de não cair na ilusão de uma verdade verdadeira (por ser objetiva) e, portanto, arrogante sobre outras (consideradas então não verdades). 
Um importante marco sobre a necessidade de pensar a ciência criticamente (não seria essa a própria base canônica da ciência?) passa pela obra de Thomas Kuhn (1996), “A estrutura das revoluções científicas”, onde argumenta que o conhecimento científico se compõe, na verdade, de organizações e de estruturações em termos de ideias, de pensamentos e de compreensões que são compartilhadas ou não por uma dada comunidade situada num tempo. Sobre isso Kuhn chamou de paradigmas. É claro que tal entendimento não vai de encontro a importância do conhecimento científico, mas o faz relativizar - algo que o próprio Karl Popper realiza ao atualizar a ideia de ciência positiva, objetiva e verdadeira (algo nunca alcançável plenamente, mas não por isso não factível de ser permanentemente ensaiado).
De modo semelhante, autores como Fourez (2009), Andery et al (2004) e Chalmers (1994) chamavam atenção para o aspecto inventivo, maquínico e histórico da ciência e do conhecimento científico. Isso parece ser particularmente fundamental quando se trata do campo da Psicologia e da prática psicológica, justamente por sua característica fronteiriça e híbrida (constitui as chamadas ciências humanas mas flerta fortemente, por exemplo, com a biologia) e por se valer de outras dimensões apropriativas da realidade que não somente a científica (como a ética, estética, artística e política, por exemplo). Sobre isso há um interessante artigo de Borges (2013) que toca essa discussão.
Por fim, sendo a ciência de ordem histórica e também enviesada ideologicamente, que críticas (construtivas e responsáveis) poderiam ser feitas em nome da ciência à ciência? O que há a mais por traz das narrativas das evidências científicas?


Obs.Trata-se de um segundo texto, de uma série, que visa abordar a o papel e o lugar da ciência hoje e suas relações com a Psicologia. O primeiro texto pode ser acessado em: https://mribeiro27.blogspot.com/2019/07/psicologia-e-ciencia-em-discussao-1.html



Referências
ANDERY, M. A. P. et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. Rio de Janeiro: Garamond; São Paulo: Educ, 2004
BORGES, Abel Silva. CrítiCa da Constituição da PsiCologia Como CiênCia: Contribuições da teoria CrítiCa da sociedade. Revista Pedagógica - UNOCHAPECÓ- Ano -17 - n. 30 vol. 01 – 127- 142. jan./jun. 2013 
CHALMERS, A.. A fabricação da ciência. São Paulo: Unesp, 1994.
FOUREZ, Gerard. A Construção das Ciências: As Lógicas das Invenções Científicas. Porto Alegre, RS: Instituto Piaget Brasil, 2009, 405p. 
KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. 4.ed. São Paulo: Perspectiva, 1996. 
MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.




Prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro
Colegiado de Psicologia – Univasf.

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