domingo, 18 de abril de 2010

UMA LIÇÃO DE AMOR


Esta é uma história que fala da importância das relações humanas, da amizade, do respeito pelos outros e da necessidade da educação ser afirmada em sua integralidade e não apenas em seus níveis técnicos. Aponta também para aquilo que Paulo Freire dizia: que nos educamos conjuntamente, em uma relação de reciprocidade.
Claro, é também uma história de amor (verdadeiro)
O professor se preparava para iniciar sua aula na turma que mais estimava. Era uma turma de graduação que conhecia desde o primeiro período e, portanto, tinha certo conhecimento de cada um dos alunos. Ao iniciar o assunto sobre educação e políticas públicas, percebera que um dos seus estudantes aparentava um ar de tristeza. Ao término da aula, o professor, propositadamente, retardara a saída, demorando um pouco mais para arrumar seu material, buscando justamente ter a oportunidade de poder conversar com aquele aluno.
- Posso ter um instante com você? É que percebi que você estava triste durante toda a aula. Houve algum problema? - Indagou o professor.
- Sim, acho que sim.
Então o professor, sabendo que não haveria aula em seguida naquela sala, acomodou-se melhor de modo que os dois pudessem se sentar frente a frente.
- Eu estou triste. Quer dizer, mais do que triste. Sinto também um aperto no peito - Disse o aluno.
- Olhe, eu estou disponível e pode contar com a minha discrição, você sabe disso - Assegurou o professor com toda a sua disponibilidade e atenção que habitualmente dedicava aos alunos.
- Na verdade, professor, eu me apaixonei por uma garota. Ficamos juntos alguns dias. Foi imensamente lindo, mas também tivemos alguns momentos não muito bons.
- Sim, eu estou acompanhando - Afirmou o professor transmitindo seu genuíno interesse.
- Mesmo que o casal se goste, às vezes não é tão fácil como aparenta. No nosso caso, professor, temos os nossos medos, as nossas diferenças e há outros envolvimentos.
- Sei... - acenou empaticamente o professor.
- Nos despedimos de maneira difícil. Houve desentendimento e não conseguimos conversar o suficiente. Eu fiquei magoado e me parece que ela também. E agora está tão difícil de suportar toda a ebulição de sentimentos.
A essa altura o professor já estava tocado pela história do seu aluno. Tudo aquilo, curiosamente, o havia levado ao seu passado. Em fração de segundos recordara sua própria história de amor. Lembrara de uma antiga namorada de faculdade. Era ela linda. Cabelos aloirados e ondulados, olhos bem azuis, pele macia, um sorriso contagiante, de inteligência fina, com um senso de humor sempre aposto e seu jeito de ser profundo. Sim, tinha nela algo que chamava atenção mais do que a beleza do seu corpo. Era sua alma profunda. Sabia que ela era uma garota de profundidade... Ao ouvir novamente o aluno, de sobressalto, redirecionou sua atenção para ele.
- Sabe professor, hoje, além da tristeza sinto também uma angústia, uma dor. A respiração fica pesada... Sinto tanta falta dela, mas é uma falta diferente. Não é aquela falta da saudade gostosa, da certeza do reencontro. É uma falta da dúvida de não saber se haverá o reencontro e mesmo que ocorra, de quando acontecerá.
O professor olhava para o seu aluno com grande interesse, mas também com perplexidade. Havia nele um reflexo de sua própria história.
- Eu fiquei muito mal. Não quero também ficar em uma situação que me deixe mal. Coloquei como meta levar uma vida mais tranqüila e estabelecer relações leves. Disse para ela que não iria mais procurá-la. Até porque fico totalmente sem saber como lidar com ela e não queria estar forçando nada ou ser inconveniente. Apesar disso tudo, não paro de pensar nela. Ela está tão presente na minha vida... A minha vontade mesmo era estar ao lado dela agora e poder beijá-la e abraçá-la fortemente.
O professor, quase que não se contendo, indagou ao seu aluno:
- Sim, mas o que você vai fazer?
- Eu não sei professor. Sinceramente eu não sei. Talvez eu espere ela dar algum sinal. Além de não querer ser inconveniente, tenho também meu orgulho. Mas uma coisa eu tenho certeza: essa garota é muito importante para a minha vida.
- Olhe filho – retornou o professor – tudo isso que você está dizendo me fez lembrar algo da minha própria história. Eu também vivi um amor assim. Ela era tão linda quanto deve ser a sua amada. Até hoje me lembro do cheiro dela, do toque sutil quando me acariciava, do beijo doce e suave, da voz dengosa que me deixava todo derretido, do sorriso lindo... Não dá nem para falar tanto porque depois de todos esses anos tomo consciência que ela ainda está em mim e dói a sua ausência. Acontece que acho importante você criar alguma condição para comunicar para ela tudo isso que está sentindo. Sabe, filho, o importante na vida não é necessariamente sorrir ou não chorar, chatear-se ou não. Até porque essas são coisas não podemos controlar. O importante na vida é saber viver. E isso, saber viver, está muito relacionado com a capacidade da gente se entregar ao vivido, a própria vida e também com a capacidade da gente se comunicar. Comunicar com a gente mesmo e com o outro.
- Como assim, professor?
- A vida é uma só e esse amor que você vive é algo raro. É como se fosse um presente da própria vida, do destino. Não desperdice os presentes do destino. Tente fazer contato com ela e passe tudo isso que está a me dizer. Caso ela não responda ou não tenha mais nenhuma ressonância com tudo isso, tudo bem. Você fez a sua parte, você viveu, você assumiu os riscos.
- Está bem professor. Muito obrigado. Eu acho que vou fazer isso mesmo. Eu vou tentar entrar em contato com ela e dizer o quanto a amo, o quanto sinto a sua falta e o quanto ela é importante para mim.
- Ok. Vá. Boa sorte. E caso precise de alguém para conversar, saiba que estou a sua disposição.
O professor ainda tomado por todo aquele assunto, arrumava, impactado, o seu material para sair da sala. Seus pensamentos, impregnados de lembranças sentidas, pairavam algures.
A conversa com o aluno havia revolvido nele uma história soterrada pelo tempo. Algo que havia decretado como coisa do passado e mera lembrança de uma época juvenil, voltara à tona trazendo incômodos. Ele sabia que o tempo deveras havia passado e pouco ou quase nada poderia ser feito, ao contrário do jovem estudante. Na conversa com aquele, atestara o arrependimento de não ter voltado a procurar sua antiga namorada. Agora teria que conviver com aquilo que Fernando Pessoa dizia em versos:
quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou
quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim

O amor perdido no passado deixava marcas como uma fina dor que insiste lembrar-se de algo bom que se perdeu.
Restaria apenas para o professor tomar toda aquela experiência como uma lição. E na humildade do aprender, saber que quando se ensina, aprende-se; quando se deixa, fala o profundo que existe em nós. E, finalmente, que o amor é por demais valioso para se deixar passar sem lutar por ele.
De repente, em um caminhar vagaroso, porém firme, o professor ergue a cabeça, respira fundo e sorri para vida, na certeza de que não adianta o amargor do arrependimento quando se pode ainda aprender.

Brasília, 18 de abril de 2010.

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