domingo, 28 de março de 2010

O PRIMEIRO ANO E O PODER


O que foi o primeiro ano de Pro - Reitoria de Ensino - PROEN para mim? Quais as aprendizagens significativas eu vivenciei? Que experiências eu tive? O que posso dizer hoje a respeito da gestão de graduação da universidade?
Sem duvida, inúmeras coisas foram vividas e aprendidas, mas há algo que me causou perplexidade e grande aprendizagem. Trata-se da questão do poder. Estar em uma esfera administrativa universitária, da gestão pública, mesmo se tratando de uma instituição de ensino superior, parece reproduzir as mesmas tramas e disposições comportamentais que outras “instâncias mais altas” da hierarquia da administração pública.
É certo que o poder é inerente as relações, constituindo-as, tal como abordada pelo pensador francês, Michel Foucault. Entretanto, queremos abordar a questão do poder de um modo específico, destacando o status quo condicionado pela função administrativa. O lugar social ocupado pelo sujeito, seja na sociedade em geral ou em uma organização, condiciona (ao menos parcialmente) a qualidade das suas relações estabelecidas, sobretudo no círculo de influência. Além disso, da repercussão nas relações interpessoais que são estabelecidas, há influência direta no modo do sujeito ser, de portar, de conduzir sua vida. É claro que esses condicionamentos e influências são parciais porque uma série de outros fatores vai estar em jogo. Assim, por exemplo, ao assumir a pro - reitoria de ensino pude sentir o "peso" da função. Senti uma diferença no modo como era tratado como professor e como passei a ser tratado como pro - reitor. Logo percebi que há um jeito esperado no que diz respeito a minha postura, aos meus posicionamentos, etc. E isto vai moldar e balizar as relações que são estabelecidas.
Essa particularidade do poder que estamos nos referindo traz também outra faceta que é o modo como cada um poderá absorver toda a sorte de efeitos que o poder pode provocar. É verdade que o poder tem poder, quer dizer, ele pode suscitar coisas. E uma delas tem a ver com a sedução. O poder seduz, o poder reluz e encanta. Ele agrada porque cria uma ilusão de engrandecimento, massageia o ego, gera uma necessidade de importância e desencadeia uma fome e um querer mais de afirmação da importância de si mesmo. Bem, apesar do poder do poder de provocar tudo isso, não significa necessariamente que tudo o que acabamos de dizer seja desencadeado. Vai depender do modo de como cada um vai lidar com os efeitos do poder. É certo também que esse "lidar" tem a ver com uma série de outros aspectos e que atravessam a história dos sujeitos, suas personalidades e até situações circunstâncias (momentos na vida dos sujeitos). Quem nunca viu uma pessoa que depois de assumir alguma posição de elevado status quo muda completamente seu jeito de ser ao ponto de provocar em várias pessoas a constatação de que se tornou arrogante, intransigente e esnobe? Às vezes a mudança se dá de maneira mais sutil e quase que imperceptível. Nesse caso, se dá na intencionalidade das relações estabelecidas. O Buber (filósofo judeu que trabalhou a questão da relação), por exemplo, abordou as duas dimensões do humano. A primeira dimensão ou possibilidade de relação é EU-ISSO (uma relação de uso, entre coisas) e a segunda, EU-TU (relação, que chama, de dialógica). O humano não viveria sem as duas, mas alerta o filósofo para o humano que vive muito mais a primeira dimensão.
A relação com o poder desmesuradamente se desdobra em relações coisificadoras, pois há apenas uso nas relações. Este tipo de relação, quando cronificado, é perversamente deseducador porque não ajudam a potencializar as pessoas. De modo inverso, faz com que as pessoas se estratifiquem nas relações de uso, de submissão, de subserviência, de medo, de arrogância e de dominação.
É fundamental se valer de alguns cuidados, sobretudo quando estamos nos referindo aos ambientes educadores e a professores. Um desses cuidados, creio, é buscar modelos de gestão mais participativos, interativos e dialógicos. Outra coisa também importante é o constante desenvolvimento pessoal.
Espero desenvolver, futuramente, esses dois pontos em relação ao cuidado com o poder na dimensão da gestão (do docente).        

Juazeiro, março – 2010.

A QUESTÃO DO PODER


O jeito de ser de cada um marca, inevitavelmente, o desempenho profissional. A docência, muito particularmente, é bastante impregnada deste aspecto. A dimensão pessoal não só está presente no momento em que o professor age como profissional, mas também o constitui enquanto docente.
Em alguns textos estamos explorando a discussão sobre os vários aspectos que compõem a docência, dando um destaque a questão da gestão. Assim, ao falar que a dimensão pessoal constitui o docente e está presente na ação do professor, estamos também dizendo que o jeito de ser se imbrica ao modo como ele assume e lida com a gestão. Ao assumir uma função de gestão, o professor (e qualquer outro profissional) vai imprimir uma marca que terá muito a ver com o seu jeito de ser.
Qualquer um que entrar no espaço que eu ocupo, lá na pró-reitoria de ensino, poderá notar alguns quadros e pequenos cartazes afixados na parede. Em um deles há uma frase que aprecio muito. Diz ela: “o oposto do amor não é o ódio, mas sim o poder”. Acho que essa frase diz um pouco sobre o meu jeito de ser e como eu lido com a questão do poder, sobretudo na função de pró-reitor de ensino.
Não consigo concordar com a visão de gestão (de gestão de pessoas, principalmente) que toma como princípio o “chicote”, o medo e a intimidação. Acredito em um tipo de gestão onde haja participação, respeito ao outro, valorização das competências de cada um, sensibilidade para compreender as necessidades dos parceiros e crença no potencial de crescimento. Este tipo de gestão, que tem tudo a ver com o modo de lidar com o poder, está em consonância com A QUESTÃO EDUCATIVA.
A relação que vejo entre certo modo de lidar com o poder e a questão educativa tem a ver com o modo aonde o poder (a força) é colocado e para quem ele estará servido. Por exemplo: uma forma deseducativa (Autoritária, portanto. Todo ato educativo é libertador, não autoritário) é colocar o poder a serviço próprio, simplesmente como força para a auto-afirmação. O contrário seria colocar o poder como afirmador do outro. Seria a força delegada que se direciona para empoderar o outro.
Assim, tenho observado que o modo como cada um desenvolve a gestão tem a ver com o modo de como cada um lida com a questão do poder. Mas não apenas isso. Também tenho observado que o contato com o poder (refiro-me aqui a questão de funções de comando em uma organização, posições de prestígios sociais, possibilidades de tomar decisões) pode modificar o modo como as pessoas conduzem suas ações e suas relações.
O acontece, portanto, no ambiente universitário, que é obviamente um ambiente educacional, é que as qualidades de poder forjadas, sobretudo pelo professores que assumem funções de gestão, devem estar norteadas a partir da perspectiva da participação, do respeito pelo outro, da ética. Caso contrário, correm o grande risco de sucumbirem em um processo deseducativo.
Penso que o poder é algo inevitável e que realmente diz respeito a qualquer tipo de relação humana. O que aqui quero chamar a atenção é que existem formas diferentes de lidar com o poder e que talvez essas formas diferentes tenham uma relação com o jeito de ser de cada um (daí a necessidade de um constante desenvolvimento pessoal). Sendo assim, o professor, ao estar na gestão, ao assumir uma função de poder na universidade, deve ter alguns cuidados. Talvez o primeiro deles deva ser estar atento ao próprio jeito de ser de lidar com o poder e, em seguida, estar consciente ao tipo de poder que vai mediar as suas ações e relações.
Recife, janeiro 2010.

NOVAS PRÁTICAS DOCENTES E SUAS RESISTÊNCIAS

Muitas são as hipóteses levantadas que tentam buscar justificativas para as dificuldades em alcançar uma educação mais enraizada em perspectivas dialógicas, participativas e que concebam o conhecimento como um processo de co-construção, como as chamadas, por exemplo, correntes construtivistas e interacionistas. Não são apenas questões de domínio dos conceitos, ou questões políticas que entravam, nessas perspectivas, as reformas no sistema educacional. Estamos também diante de um processo de resistências às mudanças. Resistências essas que perpassam pelas vivencias dos sujeitos.
Entendemos por resistência a ambiguidade e o conflito vivenciado por aqueles que, mesmo percebendo seu status quo deficitário, não respondem adequadamente a realidade, insistindo, através de mecanismos de defesas, na manutenção do mesmo status quo.
Para trazermos uma situação mais concreta, imaginemos certa sala de aula onde, por exemplo, a professora que acabou de ser capacitada (numa orientação construtivista) domina todos os conceitos mais atualizados a respeito dos processos participativos do ensino e aprendizagem, mas que na sua prática não consegue abrir mão de certos hábitos e posturas de antigos modelos, sobretudo aquelas autoritários e que impedem que os alunos sejam protagonistas da construção do conhecimento. Tal professora tem, por vezes, clareza de suas dificuldades, mas não consegue superá-los. A mudança exige dela um arriscar-se, um colocar-se numa posição nunca vivida antes. Ela não consegue assumir, na prática, essa nova perspectiva aprendida na capacitação mesmo que, racionalmente, queira mudar. Isto se dá muitas vezes por causa da insegurança, por causa do medo as mudanças, por causa da história de vida, das tradições que terminam falando mais alto, dos valores culturais, entre outros. Assim, propor e desenvolver uma educação, por exemplo, de base progressista e interacionista implica em assumir novos paradigmas, ou seja, assumir uma visão de ser humano e mundo diferente, uma maneira nova de organizar o pensamento e nortear a conduta diante da vida.
Isto implica em uma mudança radical, ou seja, uma mudança que não se restrinja apenas ao nível racional, ao nível intelectual, ao nível das ideias. Exige uma mudança que perpasse ao nível do corpo, do vivido, dos sentidos, uma mudança que se presentifique no cotidiano das ações das pessoas.
Para tanto, se faz necessário que os modelos e propostas de formações de professores assumam essa dimensão da formação da pessoa do professor. É necessário que o professor efetue sua transformação pessoal na medida em que incorpore os paradigmas implícitos das propostas progressistas e interacionistas da educação. Não adianta termos professores que conheçam as teorias educacionais, que defendam no plano das ideias uma perspectiva mais dialógica, participativa ou que sustentem a ideia do conhecimento como um processo de co-construção se nada disso é vivenciado e transposto às suas práticas.
Desta forma, os professores inseridos em uma formação que contemple a dimensão da pessoa estão mais propensos a atuar condizentemente em termos de discurso e prática justamente porque há uma exigência maior de se desenvolver profissionalmente a partir da tomada de consciência das vivencias, da relação entre história de vida e desempenho profissional e o autoconhecimento. Isto significa dizer que poderão contribuir de maneira eficiente e eficaz para um processo de ensino-aprendizagem voltado para formação do aluno cidadão.
Algumas outras questões podem ser discutidas a partir do que foi contemplado, seguindo a nossa linha que e a necessidade da coerência entre a teoria e a pratica, entre os discursos e as ações dos professores.
É importante entender, antes de tudo, o conceito de mediação. O professor enquanto mediador é aquele que interatua com o aluno. É aquele que instiga, que promove, que se assume como diferente na relação, mas é também aquele que se coloca numa posição horizontal sem perder de vista sua especificidade de professor e aquele que em última instância está interessado em o aluno que possa crescer de um modo autônomo e crítico. Desta forma o professor que tem sempre respostas prontas e acabadas para seus alunos não permite o desenvolvimento das competências, habilidades, autonomia e postura críticas de seus alunos. O professor obsessivo em amarrar todas as questões de sala de aula, termina amarrando seus alunos. É importante que o professor saiba trazer sua perspectiva de professor, de formador, de leitor maduro, de observador atento, mas isso não quer dizer deixar tudo correr solto de um modo "espontaneístico" (há diferença entre espontaneidade e espontaneísmo) e nem frustrar a capacidade criativa de seus alunos. Ao assumir uma “postura de não amarras” é necessário que o professor saiba esperar, tenha firmeza e crença na capacidade de seus alunos e também tenha a habilidade de provocar, jogar as perguntas certas, retomar o "fio da meada", propor uma síntese. Nesse sentido, o professor está mais para a parteira do que para o obstetra em um parto Cesário. Com a parteira há um acompanhar, um se posicionar firme, mas ao mesmo tempo em que permite que a parturiente seja ativa em todo o processo. Já no parto Cesário aplica-se logo a anestesia e tira-se o recém nascido de uma maneira que a parturiente fique passiva em todo processo. Esse exemplo, apesar da simplificação que foi exposto, serve como analogia para entendermos a relação do professor que mantém seu aluno em condição passiva ou ativa a depender das suas "amarras".
Outro aspecto que nos serve de orientação para entendermos o grau de necessidade de mudança no jeito de ser do professor, para que este possa assimilar uma proposta que traz novas concepções de humano e mundo, é o que diz respeito a questão da liberdade e do autoritarismo na sala de aula. O professor que não tenha se disponibilizado e investido em uma auto-percepção e tomada de consciência de suas relações de poder, muito provavelmente encontrará graves problemas na relação com seus alunos. Primeiro porque culturalmente herdamos uma tradição de relações autoritárias (e não só em sala de aula) e segundo, porque o processo de construção de relações não autoritárias exige muito mais em termos de investimento do professor. Há, especificamente neste exemplo, uma questão interessante a ser abordada. Muitos professores confundem a proposta de liberdade com a ausência de limites em sala de aula e então dizem que a educação pautada nessa proposta não funciona, os alunos ficam “impossíveis” e o professor perde o comando de classe (aliás, esta frase é muito indicativa: parece um general se referindo aos seus subalternos no quartel). Na verdade, a proposta pautada numa relação de liberdade entre professor e aluno passa, como já foi dito, pela noção de limites. É como se fosse a água de um rio. Ela corre fluindo livremente, descobrindo suas passagens, contornos os obstáculos, criando formas em cada etapa do leito, mas tudo isso só é possível porque as margens do rio dão o limite para a água correr e cumprir seu destino, que é desaguar no mar. Já pensou se não existisse margem ou limites? A água do rio não cumpriria seu destino, ela se esparramaria pela terra formando grandes poças inertes, sem tanta criatividade e vividez quanto a água do rio.
A questão da resistência em mudar, portanto, faz parte do próprio processo mesmo da mudança, mas tem que ser compreendido e devidamente contemplado nas formações dos professores. E quanto maiores forem as exigências para mudanças relacionadas às práticas docentes participativas, dialógicas e que concebem o conhecimento como algo co-construído, maiores serão os desafios e, consequentemente, resistências às mudanças. Isto parece se dar porque essas novas práticas desafiam radicalmente os modelos arraigados na formação e constituição do professor.


Petrolina, Recife, Olinda – fevereiro de 2010.

O PROFESSOR E A ROSA

Quando em versos se expressa
um professor
sensível estar
busca palavras no afã de significar
sentimentos que muitas vezes
não é plenamente
possível expressar

Suas palavras,
a do professor,
ainda são apostas
pois nada tendo de certezas
vai tecendo discursos
em prol da pura beleza
de uma existência

Professor que tenta capturar
qualquer coisa que diga
da intensidade
do amor
em profunda poesia
mergulhado estar

Mesmo sem saber de respostas
porque nelas não condiciona o que sente
segue seu destino rente
no pulsar d’alma quente

Sem preocupações de parecer tolo
sem pretensões de ser erudito
e em espontâneas linhas que se entortam
tenta transmitir com simplicidade
aquilo que lhe vem verdade

De punho em haste
com mãos em flor
admira sua rosa
musa de sua inspiração
àquela que lhe conta o que é amor

E sendo flor singular
pois nenhuma é igual
com zes se faz ainda rosa
porque é nela que tomba
o seu rendido olhar

E assim
na lição (da vida)
o professor vai vivendo
e nessa medida
aprendendo
tudo aquilo que a Rosa
lhe deu recebendo.



Obs.
Para todos que se abriram para os segredos da vida.
Uma lição que não é possível ensinar,
Somente no aprender direto
via um convite do viver.


Brasília, 27 de janeiro de 2010.

ESCALANDO A MONTANHA

Como já coloquei em alguns textos, o aspecto da gestão faz parte do papel do professor, sobretudo quando nos referimos ao professor de universidade pública. Invariavelmente, este professor é convidado ou até mesmo convocado a assumir algum cargo ou função que envolve gestão de recursos, de equipe, de serviços... Isto muitas vezes é tarefa árdua, sobretudo para a maioria que não teve uma formação específica ou que não acumulou ainda experiência para determinadas funções. O meu caso na universidade tem a ver com essa observação. No final de 2008 fui convidado pelo reitor, professor José Weber, a assumir a pró-reitoria de ensino - PROEN da UNIVASF. Ao mesmo tempo em que me senti deveras excitado com a proposta tive também um grande medo no sentido de não saber se teria condições de encarar o desafio. Lembro-me que uma das imagens que me vinha à mente, e que servia como uma boa metáfora para expressar o que estava sentido, era estar ao lado de uma enorme montanha, olhando para ela e dizendo: “terei que escalá-la, mas serei que terei condições? Será que conseguirei mesmo com tão poucos instrumentos de alpinismo?” Lembro-me também da sensação que acompanhava a imagem: um frio na barriga! Os primeiros meses, ao assumir a PROEN, foram muito difíceis. Tive que me apropriar de um monte de coisas que eu não tinha a mínima idéia. Além disso, somatizei o medo, o estresse e a ansiedade. Tive dores na coluna, dores no pescoço e problemas estomacais. Agora, depois de um ano de gestão, posso avaliar que o primeiro semestre foi de aprender a lidar com toda aquela novidade e ultrapassar o medo. O segundo semestre, como não tinha visão suficiente para planejar e organizar, fiquei restrito a “apagar incêndios”, resolver problemas, cuidar muito das questões cotidianas e internas da pró-reitoria. Agora, finalmente, tenho uma melhor condição de trabalho porque já desenvolvi uma certa experiência e posso, nesses meses de recesso (janeiro e fevereiro), planejar e organizar as ações da pró-reitoria. A imagem que me vem atualmente não é mais a da montanha enorme a escalar. A imagem agora é de uma estrada que, para percorrer há: pontes e trilhas a fazer, mapas para se guiar e pessoas para reunir. O tempo urge e me dou conta de uma certa ansiedade.

Recife, janeiro de 2010.

A ETICA E SUA ENSINAGEM

Em tempos de grandes questionamentos a respeito dos valores humanos, dos limites do capitalismo, de um mundo excessivamente pragmático, das contradições entre os avanços tecnológicos e as misérias socias e de um mundo que tende a exarcerbar a competitividade e o individualismo, o tema ética passa a ser vital para convivência humana, apesar de não nos parecer encontrar espaço privilegiado nas formações profissionais.
A sala de aula, por exemplo, seria um desses espaços de formação. E lá que os professores se atualizam enquanto profissionais e que os estudantes (sejam eles aprendizes ou não de professores) apreendem informações e valores basilares às suas formações.
Considerando a dimensão ética como fundamental para formação profissional, sobretudo no contexto atual, é imprescindível entender como esse tipo de ensinamento (da ética) se dá de maneira mais eficaz e coerente.
Assim, se perguntássemos a alguém o que mais ela se recorda da sua época escolar, muito provavelmente diria que são as lembranças relacionadas aos afetos, como por exemplo, as lembranças do dia que foi homenageada ou chamada a atenção, o momento de uma experiència muito significativa ou a recordação do seu professor como uma pessoa marcante (os conteúdos são extremamente importantes, mas esse tipo de comparação não caberá aqui). Muito pouco provável lembrará do contéudo em si que fora estudado ou do assunto da primeira unidade do ano tal. Tudo isso nos pode remeter a uma série de problematizações, mas o que queremos destacar é a questão da coerência com que o professor conduz a aula no que diz respeito a relação entre a teoria e a sua prática em classe. Quando falamos de teoria nos referimos a tudo aquilo que o professor diz em sala de aula, ou seja: sua visão de mundo, os valores, suas opiniões, as idéias, as posições políticas, a defesa de uma teoria ou pensamento, a crítica de uma corrente filosófica, o ataque a um teórico, enfim, tudo aquilo que profere, tudo que discursa, podendo estar diretamente relacionado aos contéudos de sua matéria ou não. Já em relação a prática de classe, queremos nos referir as ações do professor, ao seu comportamento em sala de aula, a sua conduta, a postura e a relação que estabelece com os alunos.
O que pode acontecer, portanto, é uma coerência ou uma incoerência entre aquilo que chamamos da relação entre teoria e prática de classe. No caso da primeira situação, o que sucede é uma articulação coerente entre aquilo que o professor profere em sala de aula e como ele se comporta ou se relaciona com seus estudantes. A coerência, portanto, entre a teoria e a prática de classe pode ser significativamente marcante para vida do aluno. De modo semelhante, a incoerência também pode ser marcante para vida deste. O que passa a ser importante para o docente, além do bom domínio de contéudo e de outras competências necessárias é estar atento e saber cuidar da ética como um dos elementos marcantes e, portante, formadores para seus alunos.
Tudo isso também significa dizer que, se é possível falar sobre ética não é possível ensiná-la se não for meio da ação, dos gestos e da própria relação que o professor estabelece com os contéudos, com os seus alunos e com a condução docente em sala de aula.


Juazeiro do Norte, 31 de dezembro de 2009.

ENTRE O PESSOAL E O PROFISSIONAL

As tensões, muitas vezes vividas, entre o lado pessoal e profissional não é uma experiência exclusiva do professor. Muitos profissionais a vivem. Entretanto, o professor parece viver essa tensão de um modo particular porque tem como um dos fundamentos da sua atividade profissional o se relacionar com o outro no campo afetivo. O professor precisa disso para fazer valer sua atividade profissional na medida em que interage com os seus alunos, facilitando motivações, instigando a curiosidade e até mesmo sendo exemplo para os pupilos. Muitas vezes, e justamente por essa demanda do relacional no campo afetivo, há tensão entre o lado pessoal e profissional. Não obstante, é importante frisar que as tensões não são ruins para o desenvolvimento humano, ao contrário. Elas permitem o próprio desenvolvimento, pois são espécies de dinamogêneses das transformações, das aprendizagens e do crescimento de um modo geral. A questão que quero trazer, portanto, é a dificuldade, muitas vezes sentida, pelo professor em vivenciar tal situação. Ou seja, nem sempre é fácil – não raro as saídas para as tensões são inusitadas.
Trarei um exemplo meu para ilustrar a experiência da tensão e de como, algumas vezes, o desenrolar acontece. Não será um exemplo da relação professor e aluno, mas sim uma situação em que o lado profissional entra em conflito com o lado pessoal (na verdade, poderia acontecer com qualquer outro profissional).
Em breve estaria por fazer quarenta anos. Comemoração considerada por mim importante porque expressa um ciclo de vida. Assim, havia planejado uma grande festa, convidando amigos e parentes, inclusive vindos de outras cidades. Tudo programado, tudo acertado (Buffet, músicos, etc.). Havia dito para mim mesmo que no dia do meu aniversário não iria trabalhar. Ficaria todo o dia em casa a receber os convidados e a saborear aquela data. Para minha surpresa, soube que a comemoração de aniversário da universidade que trabalho havia mudado em função da agenda do ministro da educação e que iria ocorrer exatamente no mesmo dia do meu niver. Nada disse no trabalho sobre os meus planos. Fiquei bastante dividido entre mudar a comemoração do meu aniversário e não participar da festa da universidade. Se por um lado sentia-me traindo a mim mesmo (“Você tem que pensar mais em você mesmo, Marcelo! Não pense tanto na instituição! Ela passa e você fica depois...não merece tanto... e os convidados? E o que você já combinou aos outros a si mesmo? Não tem palavra?”), por outro sentia-me traindo a instituição (“Mas e o cargo que você ocupa como pró-reitor? É obrigação sua participar! Os colegas contam com a sua presença... não tem problema algum adiar a sua festa, o que não dá é adiar a comemoração institucional porque envolvem outros convidados importantes...”). Fiquei com aqueles questionamentos durante um bom tempo até que resolvi colocar para minha esposa e ver se ela poderia me iluminar com alguma saída. Para meu espanto ela disse (e sabiamente!) que essa resposta só caberia a mim! Engoli a seco e voltei à ruminação dos questionamentos. Decidi então dar um pouco mais de tempo ao tempo e ver o que acontecia ou se “recebia” algum sinal para tomar a decisão. Como de costume, logo cedo estava na universidade e fui chamado para falar alguma coisa com o reitor. Entre um assunto e outro, este me disse que, infelizmente, o ministro não iria poder estar na data prevista e que havia antecipado a presença dele. O aniversário da universidade iria acontecer um dia antes do meu. “Salvo pelo gongo”!
Voltei para casa e fui logo dizendo, com alegria e alívio, que o acaso havia me salvado. Estava mais tranqüilo e aliviado. Não iria mais precisar tomar a decisão entre uma coisa e outra. Na verdade, havia tomado outra decisão: acreditar que alguma coisa poderia acontecer e me ajudar a resolver aquela tensão entre o pessoal e o profissional.

Entre Recife e Salvador, 13 de novembro de 2009.

ENTENDENDO A EDUCAÇÃO: Uma Instituição de Ensino Superior pública e seus desafios na atualidade no Vale do São Francisco

Ao falarmos de educação no Brasil, uma das primeiras coisas que precisamos distinguir é a diferença ou as diferenças entre os sistema público e o privado. Há, de modo geral, abismos, discrepâncias e, sobretudo, singularidades entre os dois sistemas. Não é nossa intenção agora discorrer sobre isso, mas simplesmente dizer que, diferente de outras sociedades, ao abordarmos a educação brasileira é preciso, antes de tudo, demarcar o sistema do qual estamos falando.
Outro aspecto importante ao abordarmos a educação sem cair nas generalizações é definirmos os seus níveis (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior). Cada um deles nos remete a um contexto, situações, condições, desafios, problemas e valorizações sociais particulares.
Um terceiro aspecto que é importante de se considerar ao abordar a questão da educação é a situação atual econômica-política em que o país se encontra. A grosso modo, podemos dizer que o Brasil vive um momento de revigoramento em vários pontos. Particularmente na educação estamos sendo testemunhas (e protagonistas!) de maiores investimentos financeiros, revalorização da profissão do professor, ações das mais diversas oriundas de políticas de governo e de estado, entre outros esforços das políticas públicas que demonstram certo desenvolvimento (apesar das inúmeras dificuldades e desafios que assolam vergonhosamente a educação brasileira).
A Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF representa esse momento de revigoramento que o país vive atualmente. Sendo uma instituição pública (federal) de ensino superior – IPES, traz a gênese do ensino superior no Brasil (mesmo tendo apenas cinco anos de existência) e também expressa a gama de desafios da contextualidade (muitas vezes contraditórios).
Para ajudar a entender um pouco a educação, no sistema público, do nível superior, em um contexto atual, traremos o exemplo da UNIVASF, que é uma universidade recém criada no sertão nordestino.
Considerando isso que acabamos de expor, a UNIVASF aparece com compromissos sociais para toda a região do Vale do São Francisco. Compromissos que tem a ver com o desenvolvimento regional, com a formação profissional (tanto para as pessoas oriundas do Vale, quanto para fixar, nessa região, profissionais oriundos de outros lugares), com a capacidade de fazer dinamizar a produção (atualmente há cerca de 600 servidores efetivos, investindo seus salários na região, aquecendo a economia, criando novos valores de consumo no mercado, etc.), com possibilidade de desenvolver novas tecnologias aplicáveis à industria, à saúde, à educação... Além disso tudo, é óbvio, o compromisso da UNIVASF tem a ver também com a construção de conhecimento através das pesquisas (de base ou paliçadas) e das ações (extensão) na comunidade. É certo que, tanto a pesquisa quanto a extensão estariam relacionadas com o ensino. Afinal, é a formação (o processo articulado do ensino e do aprender) que funda o sentido da universidade.
Sendo a UNIVASF uma universidade nova, traz marcas próprias por causa disso. Seria mesmo enorme enumerar essas marcas, mas para título de ilustração apenas apontaremos para a formação de uma cultura universitária da UNIVASF. Há bônus e ônus por causa disso. Temos a oportunidade de desenvolvermos sem os chamados “vícios” (os guetos departamentais, o obsoletismo do serviço público, etc.) das universidades antigas, mas ao mesmo tempo vivemos o desafio de quase tudo criar (as normas, os regimentos, o jeito próprio e adaptado de funcionarmos, etc.).
Considerando tanto os compromissos da UNIVASF e sua marca de ser uma universidade nova na região do Vale do São Francisco (a sua sede está a 500 km de Salvador, 700 Km de Recife e 625Km de Teresina) há de se levar em conta as expectativas que a própria região ou a população tem em relação a UNIVASF. Facilmente percebemos a força das expectativas que as pessoas têm. Sentimos que a UNIVASF, intencionalmente ou não, traz grandes promessas para uma população que, talvez, viva ainda uma demanda reprimida em relação ao convívio de uma universidade federal. Como é sabido, quanto maior a expectativa maior tenderá a ser a possibilidade da frustração.
Essa característica, talvez sutil, que, a nosso ver, está presente na história atual da UNIVASF tem influenciado, de alguma forma, as relações que existem: entre a Universidade e a Comunidade, nas relações internas, nas políticas de ensino, de pesquisa e de extensão implementadas e no próprio modo dos servidores e estudantes estarem em relação uns com os outros e de reagirem a uma série de situações que afetam desde a macro-convivência à micro-convivência da comunidade acadêmica.

FORMANDO A CULTURA DOCENTE II

A UNIVASF hoje está com cerca de 350 professores. Segundo a pesquisa feita pela Diretoria de Recursos Humanos – DRH, a maioria dos nossos professores tem idade entre 30 a 40 anos. Alguns destes iniciam, pela primeira vez, a carreira docente. Há vantagens potenciais em possuirmos um quadro de jovens professores, sem dúvida. Entretanto, há que se pensar e agir fortemente em uma política de formação permanente desses profissionais porque, por mais competentes e qualificados que sejam, existem especificidades da condição da docência, sobretudo no ensino superior, de universidade pública, que só na atuação é possível forjar.
Acredito que há muitos outros papéis que vão além daqueles explicitamente conhecidos e que estão em cena na atuação do professor em um contexto de ensino superior público. Esses papéis vão além da capacidade de uma formação inicial. Se para um professor, que já teve uma formação inicial de docência não é simples e fácil desenvolver competências e habilidades para atuar em um nível mais complexo de sua condição docente, imagine para aquele professor que nunca lecionou ou mesmo que nunca teve uma formação (mesmo que só teórica) pedagógica. Realmente não é fácil e demanda muito da instituição, dos pares, dos colegiados e do sujeito mesmo um investimento recorrente para buscar desenvolver cada vez mais aquilo que é requerido dele.
Só para citar alguns desses papéis, muitas vezes sutis, que são requeridos do professor em seu exercício, citemos a relação com os estudantes, o apropriar-se dos sentidos da avaliação, o domínio da didática e dos processos ensino e aprendizagem... Além disso, há também a competência de ser mediador nas situações de conflito (que invariavelmente ocorrerem envolvendo alunos, técnicos e outros colegas docentes), o conhecimento das legislações ligadas a educação, as habilidades inerentes a condição de ser gestor (sobretudo para instituições novas, onde quase todos os docentes são convocados a ocupar algum cargo ou função que envolve gestão) e ao processo de desenvolvimento pessoal (auto-conhecimento, ética, etc.).

Natal, 16 de novembro de 2009 (no XXVI ForGrad).

A CULTURA DOCENTE: O EXEMPLO DA MEDICINA

Um dos desafios para uma universidade nova como a Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF é formar uma cultura docente. Basicamente, entendemos aqui cultura docente como aquele corpo profissional que já internalizou seu papel e já está inserido em um modus operandi da instituição.
Um exemplo interessante para abordarmos a formação de uma cultura docente é o caso do curso de medicina da UNIVASF. Reflitamos um pouco a partir daí.
Não sendo exceção, há uma série de dificuldades para se criar um curso de medicina, sobretudo em uma região do sertão nordestino como Petrolina e Juazeiro. Essas dificuldades dizem respeito, dentre outras coisas, a relativa escassez de profissionais disponíveis, a não atratividade salarial do professor (se comparado com os ganhos que os médicos podem obter, sobretudo no interior), a não formação dos médicos para carreira acadêmica, ao regime de 20 horas dedicadas pelos professores médicos (em toda a UNIVASF apenas uma professora médica tem regime de trabalho 40 horas com dedicação exclusiva), a rede de saúde não articulada com a universidade, etc.
A partir do que foi pontuado no parágrafo anterior, uma das primeiras coisas a ser trabalhada para se formar a cultura docente (no caso da medicina da UNIVASF) é investir na formação. Felizmente, muitos desses professores estão ingressando em programas de mestrado, alguns já terminaram e outros já estão se inserido em programas de doutorado. Inevitavelmente, em pouco tempo teremos um quadro de professores médicos com mestrado e doutorado.
É interessante observar esse movimento porque a carreira docente, mesmo com os títulos de mestre e doutor não é significativamente atrativa do ponto de vista salarial se comparada com outros rendimentos que esses profissionais têm no mercado. Entretanto, os professores médicos demonstram interesse e motivação para se engajarem em programas de pós-graduação. Isso pode ser um indicativo que a vida acadêmica passa a ganhar importância e sentido em suas vidas.
Outra coisa importante a ser desenvolvida é o que diz respeito a rede de saúde que absorve a prática, o ensino em serviço. Como os professores médicos ainda estão por forjar seus papéis, os profissionais de saúde que trabalham na rede estão por se adaptar a nova dimensão de formação nos ambientes de saúde (hospitais, postos de saúde, ambulatórios, etc.) e as instituições de saúde a lidar com a dimensão da assistência e de ensino. Tudo isso, enfim, repercute do seguinte forma: como os estudantes são recebidos nos ambientes, na formação de papéis de preceptoria e no serviço que passa a absorver a dimensão de ensino. No começo isso gera desequilíbrios, tensões, conflitos e toda a sorte de dificuldades.
Como todo processo de adaptação, há que se considerar e aceitar o tempo necessário para que, tanto a rede quanto a universidade possam encontrar uma tensão ótima, ou seja, um equilíbrio. É certo que esse tempo necessário não precisa vir espontaneamente. Deve haver ações de ajustamento. E isto significa, por exemplo, que a universidade precisa: oferecer qualificações para os profissionais que estão na rede e que recebem os alunos e estabelecer um canal de comunicação com os gestores da rede pública e privada de saúde. Uma coisa que ajuda muito é a universidade se responsabilizar por alguma parte da rede para criar seu próprio espaço (isto já vem acontecendo com o Hospital de Traumas, com a Policlínica que está em construção).
O exemplo do curso de medicina da UNIVASF permite entender um pouco alguns dos desafios que estão presentes na formação de uma cultura docente e que, mesmo de maneira prematura, podemos considerar que a formação dessa cultura atravessa não somente o próprio professor, mas também a instituição em termos de suas políticas e ações e mesmo os outros parceiros e espaços que se entrelaçam para contribuir com a formação do aluno.

DESAFIOS ATUAIS DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL: AQUESTÃO DA EXPANSÃO

Quando se fala em da educação brasileira os desafios não são poucos. Entretanto, quero salientar apenas um desses desafios que certamente ganha uma ênfase na atualidade do contexto político-social do país. Refiro-me à necessidade de expansão do ensino superior. Isto se justifica, entre outros motivos, pelos índices de acesso da população ao ensino brasileiro. Apenas cerca de seis milhões de pessoas (de 190.000.000) estão no ensino superior. Caso se leve em consideração a parte da população que entra no ensino superior e os índices de evasão, a situação se torna ainda alarmante.
Na verdade, o movimento de expansão do ensino superior não começou agora. Há duas décadas o Brasil passou a vivenciar, majoritariamente, um tipo de expansão, a da rede privada (incluo aqui as instituições confessionais e filantrópicas). Apesar do seu importante papel para a formação de milhares de profissionais e da dinâmica social e econômica gerada pelos investimentos, a rede privada apresenta, atualmente, algumas limitações. Só para citar, em relação a algumas instituições, as limitações passam pela questionável qualidade da formação dos estudantes, pela precariedade das instalações, pelo foco no lucro...
Nos últimos anos o sistema público retomou algumas políticas mais intensificadas para o ensino superior. Vivemos um momento também de expansão do ensino superior da rede pública, sobretudo com as aberturas das novas universidades e com o REUNI. É certo que essa expansão da rede pública precisa de fôlego por causa da grande demanda, mas por mais que o governa a tenha sempre haverá limites e por isso a expansão do ensino superior no Brasil carece de ações articuladas entre as redes pública e privada (acrescentando aí a confessional e a filantrópica).
Ao falarmos da expansão propriamente dita em termos de abertura de novas instituições e novos cursos é importante analisar um pouco mais este aspecto. Sendo assim, o número de cursos no Brasil é considerado razoável pelo próprio governo. Temos hoje cerca de 27.000 cursos. Entretanto, a distribuição desses cursos é feita de maneira desigual. Apenas alguns poucos títulos (direito, pedagogia, administração, enfermagem e ciências contábeis) tomam boa parte desses cursos. Outro problema a se destacar é a concentração do ensino superior nas capitais e nas grandes cidades. Então a expansão do ensino superior passa pela necessidade de interiorizar-se. Assim, além de corrigir a distribuição em termos territoriais há necessidade de racionalizar a distribuição em termos de diversificação de cursos.
Podemos dizer, de um modo geral, que todas essas questões que envolvem a expansão do ensino superior no Brasil tem a ver com a democratização do ensino. Entretanto, o maior de todos os desafios para educação brasileira é a questão da qualidade, particularmente para o ensino superior. Precisamos garantir a qualidade ao avançarmos na expansão do ensino superior. Expansão sem qualidade não é democratização. É demagogia, no mínimo. Quando a expansão não é acompanhada com a qualidade o que surge é justamente a negação da democratização. Esta está intimamente ligada a inclusão e se há expansão, mas sem qualidade, o que significa é que aquele que entrou no ensino superior, mas que não lhes foi oferecido a qualidade, não terá o acesso verdadeiro, não será incluído no bojo daqueles considerados bons profissionais ou oriundos de boas instituições. Sendo assim, a democratização do ensino não cumpriu seu papel porque foi uma falácia.

15 DE OUTUBRO

No dia que se celebra a profissão professor, gostaria de aproveitar a oportunidade, em primeiro lugar, para parabenizar esses trabalhadores da educação que se engajam para cintilar tão nobre profissão. Gostaria também de tecer algumas breves reflexões sobre a condição do docente no atual contexto brasileiro.
Não há dúvidas de que o Brasil vive um período de boas perspectivas em relação ao seu desenvolvimento. A descoberta do “pré-sal” e a vitória dos país para sediar as Olimpíadas, parecem ser sinais de um novo tempo. Justamente por vivermos possibilidades de grandes e verdadeiras transformações sociais.
Entretanto, não podemos perder de vista que a educação (juntamente com a saúde) deve ser uma das áreas prioritárias para efetivarmos a “revolução tranqüila”, que tanto anseia o nosso país. O rumo para um estado democrático, inclusivo, solidário e de um povo que viva dignamente é o que todos desejamos.
A partir desse cenário se figura o papel do professor como um dos mais importantes nesse processo. Apesar dessa importância, sabemos dos desafios e imensas dificuldades que há pela frente. Penso em um ser professor como um processo, que se vai construído à medida que se vive. O professor, ao viver as ações, as experiências, a renovação do compromisso, pode se tornar mais, cada vez mais!
Que possamos nos orgulhar dessa profissão, mesmo sabendo o quanto temos o que crescer, a avançar e a conquistar!

Petrolina / Juazeiro – outubro 2009.

A CULTURA INDIVIDUALISTA DA UNIVERSIDADE

Muitos acreditam (e vários já falarem para mim) que a universidade é um ambiente muito especial, sobretudo para trabalhar. Especificamente, as pessoas dizem e acreditam nisso porque associam com o grau de conhecimento no ambiente universitário, com a quantidade de informações circulantes e com o tempo de estudo dos professores. Tudo isso faz crer às pessoas externas a universidade, que essa instituição deve ser o lugar mais maravilhoso para se trabalhar, pois lá reinaria a compreensão, o diálogo, o respeito e a cooperação entre os colegas. A crença iluminista parece que se concretiza nesse tipo de suposição, uma vez que a luz do conhecimento e da ascensão racional, via os estudos, elevaria o ser humano (professor) a níveis elevados da convivência. Ledo engano para a pobre pessoa que, na sua ingenuidade, se decepciona no primeiro contato com o ambiente universitário. Costumo dizer que nós, professores, temos que ter muito cuidado e sermos atentos para não sucumbirmos em um dos pecados capitais, a vaidade. A universidade, a academia como é assim chamada, é um ambiente propício para exercitação do ego, onde se insufla o eu deixando tão cheio de si que se é incapaz de estabelecer relações de troca e de reconhecimento do outro. O narcisismo é algo facilmente eliciador ao professor. Caso ele não esteja atento, facilmente sucumbe as sedutoras e traiçoeiras tranças de suas medusas refletidas nos espelhos. O conhecimento, tão bem mitologicamente abordado na bíblia, revela a queda do ser humano. Isto significa que o professor, que convive tanto com o conhecimento, que está muito perto do poder-saber, que lida diariamente com o suposto saber e com a autoridade daí delegada pelo outro, corre o risco de se perder em si mesmo e se achar petulante, arrogante, auto-suficiente, avesso às críticas, com medo de errar, com dificuldade de confrontar suas idéias, de estabelecer relações dialógicas e exercitar a humildade da ignorância (um dos princípios da própria ciência). Além disso, quero destacar a enorme dificuldade daí decorrente, que é a dificuldade do professor lidar com o coletivo. Normalmente, quando embebido de si mesmo, o professor se preocupa de maneira demasiada apenas com o seu projeto, com a sua disciplina, com o seu laboratório, com a sua abordagem, com o seu gueto, com o seu canto, com o seu grande-eu. Não haveria problema, reflito, se o professor se preocupasse com os “seus”, mas desde que pudesse fazer um contraponto com uma visão mais ampliada, mais coletiva dos interesses e necessidades da universidade. No dizer de Zabalza (2004) e Kourganoff (1990), a cultura universitária é muito mais individualista do que se supõe. Lidar com essa cultura tem sido um dos meus maiores desafios na pro-reitoria de ensino. Sinto que muito há o que ser feito para continuar a desenvolver uma contracultura onde o educador seja educado, mas parafraseando Marx, como e quem será aquele capaz de educar o educador?
07 de junho de 2009. Em vôo – entre Petrolina e Goiânia.

KOURGANOFF, Wladimir. A face oculta da universidade. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1990.
ZABALZA, Miguel A. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre: Artmed, 2004.

DIMENSÕES E ASPECTOS DE SER PROFESSOR

Pensar que o professor é só um profissional que vive sua dimensão técnica em sala de aula é uma maneira reduzida de compreendê-lo. Concordo quando Grilo (2006) aponta para quatro dimensões que marcam a vida de um professor: a pessoal, a profissional, a institucional e a cultural. Essas seriam dimensões que estariam presentes e influenciaram o modo do professor ser e atuar. Aproveitando esse modo de ver a riqueza da condição de ser professor, quero destacar de uma maneira mais concreta alguns aspectos que considero importante, pelo menos para um professor universitário. O primeiro deles é o mais óbvio, que é o aspecto do ensino. Este, pelo menos para mim, é o que mais caracteriza o ser professor. O segundo e o terceiro, dizem respeito a atividade de pesquisa e extensão que um professor exercer ou deveria exercer ao longo de sua carreira. O quarto aspecto diz respeito a atividade administrativa que, invariavelmente, os professores assumem. São cargos e funções administrativas demandados pela instituição de ensino e, alguns deles, em nível de gestão. Portanto, não dá para pensar a condição de ser professor sem levar esses aspectos em consideração. É claro que alguns professores vão se dedicar mais a certos aspectos do que a outros. Entendo que esses mundos são formativos para o professor e que reservam experiências ativas para a vida docente. Acho importante poder viver esses aspectos até mesmo para ter uma vivencia mais geral e diversificada da condição de ser professor.

São Raimundo Nonato, 07 de maio de 2009.

SENDO ENGOLIDO

Outro dia, uma colega professora, disse-me que eu estava sendo engolido pelos outros. Imagino que ela disse isso porque atualmente vivo, de modo mais intenso, a dimensão política e administrativa da condição de ser professor em uma universidade. Em geral, essa experiência tem sido muito rica e intensa. Na verdade, já havia vivido experiências semelhantes, mas nada comparado ao que vivo hoje na condição de pro-reitor de ensino. Tenho tido condições de perceber a vida universitária numa perspectiva bastante interessante. As percepções dos processos, das demandas, das tensões, dos interesses, dos conflitos... se dão para mim de modo global. É como se eu pudesse enxergar a dinâmica da universidade com um olhar mais ampliado. Com isso, tenho descoberto e atuado sob muitas coisas interessantes, e que posso classificá-las como positivas e negativas. As primeiras dizem respeito a possibilidade de influenciar de maneira mais ativa e direta as políticas educacionais da universidade e ajudar a criar condições mais favoráveis para a valorização do ensino, da aprendizagem, das relações humanas e de uma formação mais política, dialógica e cidadã. As outras, as negativas, vem com um assombro. Tenho descoberto e vivido na relação com as pessoas um lado do humano que posso chamar de limbo. Esse lado é o lado do esquecimento, do escondido, do pouco visto e aonde se guarda ou se escondem as tramas, as invejas, os jogos baixos do poder, as intrigas, as futricas, a intenção perversa... Acho que foi por causa disso que a professora falou que eu estava sendo engolido. Sem entrar numas de dicotomização do humano, como tendo um lado bom e um lado mau, mas o aceitando como um ser complexo e relativizado pelas condições em que vive, diria que essa experiência de lidar com o negativo do humano também é importante para compreendê-lo melhor e, consequentemente, aceitá-lo mais integralmente. Ao final, creio, terei a certeza da felicidade de poder viver tudo isso, mas também estarei certo que as marcas ficarão e que o olhar de educador estará mais apto a mirar o outro e dizer: fui engolido para alimentar aquele que, no canibalismo é recriado e renascendo-me diferente sou mais próximo do outro.

Petrolina, 30 de maio de 2009.

IRONIAS DO DESTINO

Há coisas na vida que poderiam ser classificadas como “ironias do destino”. Dentre elas podemos destacar a condição do professor. No contexto universitário, por exemplo, nem sempre a atividade de ensino é devidamente valorizada. Lembro-me da época que era professor de psicologia da educação da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e dava aula em vários cursos de licenciaturas. Em alguns desses, havia uma grande identificação na formação para o bacharelado em detrimento da formação em licenciatura. Por exemplo: em um curso de história vários professores, e alunos a reboque, se identificavam muito mais como historiadores do que como professores de história. O curioso é que o curso em particular era em licenciatura! Certamente a ironia não reside apenas aí. A ironia maior é que aquilo que caracteriza mais a condição de ser professor, a ação de ensinar, o processo de “ensinagem”, é o que menos parece ser valorizado! Só para citar outros aspectos, destaco a pouca valorização do ensino nos sistemas de progressão de carreira, a falta de bolsas produtividade (como o CNPq/CAPES fazem em relação a pesquisa) e mesmo o baixo status do ensino, se comparado com as atividades de pesquisa.

Petrolina, 18/05/2009.

MINHA UNIVERSIDADE

Trabalho na Universidade Federal do Vale do São Francisco - UNIVASF. Fica localizada na região do Vale do São Francisco, semi-árido brasileiro. Uma região muito pobre, embora exista uma riqueza local por causa dos projetos irrigados de fruticultura. Vim para cá por opção. Adoro o sertão e amo o rio São Francisco. Moro em Juazeiro (BA) e trabalho mais em Petrolina (PE). Para resolver meu problema de identidade (estadual) me considero cidadão são-franciscano! Minha universidade é multi-campi. "Somos a maior universidade do país", brinca um colega de trabalho. Mas ele razão! Estamos presentes em três estados e o nosso raio de ação ultrapassa os 1500Km! Gosto de estar aqui e poder contribuir na construção de uma universidade legítima do semi-árido! É claro que tem outras histórias, mas isso é outra uma conversa.

VIDA DE MUITOS


Para mim, ser professor é algo bastante realizador. Sendo professor posso ser vários, conjugando a ordem e a desordem, a rotina e os imprevistos. Sou muitos porque em sala de aula são tantas invenções, são tantas vidas, são tantos os corações. E a intensidade é também algo presente na minha vida de professor. Nem sempre boas intensidades, algumas doloridas e complicadas. A vida de ser professor, pelo menos para mim, é algo sempre inacabado, uma estrada aberta, conhecimentos novos, relações diferentes, formas variadas de experimentar as coisas. E por mais que tente dar conta de tão vasta experiência é sempre algo inalcançável. Vejo nisso tudo muita beleza.