domingo, 28 de março de 2010

ENTRE O PESSOAL E O PROFISSIONAL

As tensões, muitas vezes vividas, entre o lado pessoal e profissional não é uma experiência exclusiva do professor. Muitos profissionais a vivem. Entretanto, o professor parece viver essa tensão de um modo particular porque tem como um dos fundamentos da sua atividade profissional o se relacionar com o outro no campo afetivo. O professor precisa disso para fazer valer sua atividade profissional na medida em que interage com os seus alunos, facilitando motivações, instigando a curiosidade e até mesmo sendo exemplo para os pupilos. Muitas vezes, e justamente por essa demanda do relacional no campo afetivo, há tensão entre o lado pessoal e profissional. Não obstante, é importante frisar que as tensões não são ruins para o desenvolvimento humano, ao contrário. Elas permitem o próprio desenvolvimento, pois são espécies de dinamogêneses das transformações, das aprendizagens e do crescimento de um modo geral. A questão que quero trazer, portanto, é a dificuldade, muitas vezes sentida, pelo professor em vivenciar tal situação. Ou seja, nem sempre é fácil – não raro as saídas para as tensões são inusitadas.
Trarei um exemplo meu para ilustrar a experiência da tensão e de como, algumas vezes, o desenrolar acontece. Não será um exemplo da relação professor e aluno, mas sim uma situação em que o lado profissional entra em conflito com o lado pessoal (na verdade, poderia acontecer com qualquer outro profissional).
Em breve estaria por fazer quarenta anos. Comemoração considerada por mim importante porque expressa um ciclo de vida. Assim, havia planejado uma grande festa, convidando amigos e parentes, inclusive vindos de outras cidades. Tudo programado, tudo acertado (Buffet, músicos, etc.). Havia dito para mim mesmo que no dia do meu aniversário não iria trabalhar. Ficaria todo o dia em casa a receber os convidados e a saborear aquela data. Para minha surpresa, soube que a comemoração de aniversário da universidade que trabalho havia mudado em função da agenda do ministro da educação e que iria ocorrer exatamente no mesmo dia do meu niver. Nada disse no trabalho sobre os meus planos. Fiquei bastante dividido entre mudar a comemoração do meu aniversário e não participar da festa da universidade. Se por um lado sentia-me traindo a mim mesmo (“Você tem que pensar mais em você mesmo, Marcelo! Não pense tanto na instituição! Ela passa e você fica depois...não merece tanto... e os convidados? E o que você já combinou aos outros a si mesmo? Não tem palavra?”), por outro sentia-me traindo a instituição (“Mas e o cargo que você ocupa como pró-reitor? É obrigação sua participar! Os colegas contam com a sua presença... não tem problema algum adiar a sua festa, o que não dá é adiar a comemoração institucional porque envolvem outros convidados importantes...”). Fiquei com aqueles questionamentos durante um bom tempo até que resolvi colocar para minha esposa e ver se ela poderia me iluminar com alguma saída. Para meu espanto ela disse (e sabiamente!) que essa resposta só caberia a mim! Engoli a seco e voltei à ruminação dos questionamentos. Decidi então dar um pouco mais de tempo ao tempo e ver o que acontecia ou se “recebia” algum sinal para tomar a decisão. Como de costume, logo cedo estava na universidade e fui chamado para falar alguma coisa com o reitor. Entre um assunto e outro, este me disse que, infelizmente, o ministro não iria poder estar na data prevista e que havia antecipado a presença dele. O aniversário da universidade iria acontecer um dia antes do meu. “Salvo pelo gongo”!
Voltei para casa e fui logo dizendo, com alegria e alívio, que o acaso havia me salvado. Estava mais tranqüilo e aliviado. Não iria mais precisar tomar a decisão entre uma coisa e outra. Na verdade, havia tomado outra decisão: acreditar que alguma coisa poderia acontecer e me ajudar a resolver aquela tensão entre o pessoal e o profissional.

Entre Recife e Salvador, 13 de novembro de 2009.

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