quarta-feira, 16 de junho de 2021

Primeira infância: Por que investir?

 




                                                                                                                                          Maria Helena Ferreira Branco

Graduanda em Psicologia

Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf)

helenabrancofer@gmail.com



A primeira infância é o período compreendido entre o zero aos seis anos de idade e é considerado crucial para o desenvolvimento do indivíduo. Essa etapa é marcada por uma maior plasticidade cerebral, que consiste na habilidade que o cérebro tem de se modificar diante das experiências e estímulos aos quais ele é exposto. Assim, o cérebro estará mais apto para se modelar tanto em função como em estrutura, tornando a criança mais suscetível as influências de fatores externos. Essas são as chamadas janelas do desenvolvimento, que deixam a criança mais “abertas”, tanto as consequências dos estímulos positivos, quanto de estímulos que possam trazer desdobramentos prejudiciais ao desenvolvimento, tais como o estresse, a fome, a falta de vínculos sócio afetivos.

Diante disto, nota-se a importância das experiências oferecidas a criança nos primeiros seis anos de vida e a influência que essa fase terá na sua formação futura, pois o contato com uma estimulação positiva, interações saudáveis e bons relacionamentos, gerarão bons resultados futuros, como uma base sólida de valores e de habilidades sócio afetivas e cognitivas.

James Heckman, economista e pesquisador nessa área, demonstra através dos seus estudos a importância do investimento nessa fase, principalmente investimento em políticas públicas e na educação infantil, como em creches e pré-escolas. Segundo ele, investir na primeira infância possui baixo custo e acarretará num retorno muito maior. Em seu programa Perry Preschool, ele consegue perceber que o retorno sobre o investimento chega a ser de 7% a 10% ao ano, sem contar na redução dos custos com reforço escolar, saúde e gastos nos sistemas judicial e penal, pois diminui o índice de criminalidade.

Investir na educação infantil não significa apenas melhorar a infraestrutura de creches e escolas. É claro que isso também conta. No entanto, deve-se oferecer uma educação de qualidade onde a criança possa desenvolver cognitivamente e enquanto ser integral.

Mas então, como investir na primeira infância?

Esse investimento passa necessariamente por apoios aos programas visam efetivar a qualidade na educação para a primeira infância, abrangendo o desenvolvimento cognitivo, sócio afetivo e comportamental, com uma ênfase maior em crianças que estão em condições de vulnerabilidade. Um outro aspecto é desenvolver instrumentos de medida eficazes para balizar as próprias políticas. 

Ademais, não se pode perder de vista em colocar uma ênfase maior no desenvolvimento do sócio afetivo ao longo do ensino fundamental e médio, com um forte reforço durante os anos da adolescência. 

Sendo assim, é importante que os governantes adotem medidas o quanto antes para que logo o Brasil possa alcançar os resultados de uma boa educação. 


 - Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas Inclusivas, do curso de Psicologia, da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro.

Para saber mais:

NÚCLEO CIÊNCIA PELA INFÂNCIA. O impacto do desenvolvimento na primeira infância sobre a aprendizagem. Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância, 2014.

(Esse artigo trata da importância de oferecer estímulos positivos na primeira infância).

HECKMAN, James, PINTO, Rodrigo; SAVELYEV, Peter. “Understanding the Mechanisms Through Which an Influential Early Childhood Program Boosted Adult Outcomes”. American Economic Review. 2013, 103(6): 2052–2086.

(Esse estudo trata sobre a pesquisa de Heckman sobre os investimentos na primeira infância).

 

Educação inclusiva na educação infantil: reflexões acerca das crianças com deficiência

                   


             

                                                                                                                                          Luana Paula Alves dos Santos

Graduanda em Psicologia

Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf)

luana.paula@discente.univasf.edu.br  



A educação infantil, enquanto espaço social deve, dentre outras coisas, oferecer condições plenas para o desenvolvimento da criança. Embora possa parecer óbvio, esse fato é considerado como um novo paradigma, tendo em vista que ao longo da história do país a escola não se constituiu como um espaço para toda a população. Nesse sentido, é novo também o movimento de inclusão escolar se for observado o tempo longo de exclusão de minorias, que são impedidas de ter acesso a oportunidades.

Para que haja uma educação inclusiva é necessário que exista uma organização no sistema educacional afim de garantir não somente o acesso, mas também a permanência e condições de aprendizagem a toda a população em idade escolar. A educação inclusiva pressupõe igualdade de oportunidades, a valorização das diferenças de modo a contemplar as diversidades étnicas, sociais, culturais, intelectuais, físicas, sensoriais e de gênero de todo ser humano. Ademais, a educação inclusiva possui cinco princípios, sendo eles: toda pessoa tem direito de acesso à educação, toda pessoa aprende, o processo de aprendizagem de cada pessoa é singular, o convívio no ambiente escolar beneficia a todos, e a educação inclusiva diz respeito a todos.

O nosso recorte aqui considera a inclusão escolar de crianças com deficiência, tendo em vista que estas, por vezes, são ainda mais marginalizadas e o acesso aos direitos fundamentais são negados. Justamente por possuírem características distintas se faz necessário que a escola adote ações diferenciadas. A história acerca da educação de pessoas com deficiência também é de total exclusão, tendo sido institucionalizadas e afastadas do convívio social, sendo separadas em escolas ou classes especiais, tendo sua participação em ambientes comuns condicionadas a um processo de normalização. Isso parece se agravar quando se tratada da educação infantil, que se sobrepõe a própria frágil condição da infância na história social do Brasil.

Essa lógica de exclusão se assemelha as práticas manicomiais na medida em que estigmatiza, esconde da sociedade o diferente, que é fora da norma padrão. Por outro lado, há discussões atuais que cada vez mais tem ganhado espaço, como é o caso da “medicalização da vida” e dos seus processos de padronização da vida humana e da aprendizagem, mesmo que, por outro lado, o momento atual de reflexões acerca da educação inclusiva esteja direcionada a garantias de direitos educacionais iguais e equidade educacional. 

As metas da escola e classe especial para educação da pessoa com deficiência que envolviam a normalização do sujeito para, então, ser integrado à escola comum, negam a condição de diferença e diversidade humana, além de estabelecer parâmetros homogêneos de desenvolvimento, quando na verdade isso não é possível de acontecer. Nesse sentido, a escola deixa de ser a instituição responsável por formar novas gerações e difundir conhecimentos, e passa a focar, na maioria das vezes, em modificar o aluno com deficiência através de reabilitação de funções ou habilitação para o desempenho de funções que não existem por conta da deficiência. Tudo isso vai de encontro aos princípios da educação inclusiva supracitados que valorizam a ideia de que todos são singulares e aprendem ao seu modo, prezando pelo respeito e pela convivência de todos em um mesmo ambiente.

Desse modo, se faz necessário que a escola esteja aberta para receber a diversidade, para acolhê-la, respeitá-la e valorizá-la como algo importante para que se tenha uma sociedade democrática e justa, cumprindo o seu papel social de atender a todos os alunos, incluindo os alunos com deficiência, desenvolvendo processos de ensino e aprendizagem que possibilitem condições de desenvolvimento acadêmico para que tenham condições de ter acesso a oportunidades iguais na vida e no mercado de trabalho. 

Para que haja uma mudança na sociedade acerca da forma como a mesma enxerga e lida com as pessoas com deficiência, minimizando estigmas e preconceitos, é necessário que se comece a trabalhar essas questões desde cedo com as crianças, e a escola se trata de um espaço propício para tal. A inclusão de crianças com e sem deficiência, convivendo e ocupando o mesmo espaço produz benefícios para ambos os lados, enquanto a criança com deficiência é incluída, aceita, sentindo-se acolhida na escola, melhorando, por exemplo, sua autoestima, sua relação com a aprendizagem, as crianças sem deficiência aprendem a conviver com o diferente, a respeitar, “naturalizando” todas as formas de existência. O brincar nesse contexto diverso proporciona ainda mais um bom desenvolvimento infantil, mas isso é uma outra boa discussão.

Nesse sentido, tais ações contribuem para que se minimize o que se entende por capacitismo, que se trata justamente da discriminação voltada a pessoas com deficiência, da leitura que se faz desses indivíduos, considerando que a condição corporal é algo que, por si só, as coloca em uma situação de menos capazes. O capacistismo internalizado desencadeia uma dificuldade social em interrogar-se pela diferença, fazendo com que se perceba as pessoas com deficiência como menos humanos. Ainda, se relaciona com uma compreensão normatizada e autoritária sobre o padrão corporal humano, que foi brevemente discutido aqui anteriormente, trazendo à tona a crença de que corpos que desviem da norma serão insuficientes.

O desconhecimento e a ausência de debates na população acerca dessas questões decorrem, por exemplo, do descumprimento da legislação que visa garantir o direito de participação de pessoas com deficiência na sociedade, como a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que trata, dentre outras coisas, da acessibilidade como direito fundamental. A acessibilidade se refere a seis dimensões, sendo elas: barreiras arquitetônicas (físicas); barreiras comunicacionais (acesso à informação); barreiras metodológicas (adequação de métodos e técnicas para o acesso de Pessoas com Deficiência à educação, cultura e lazer); barreiras instrumentais (adequação de ferramentas e utensílios); barreiras programáticas (políticas públicas); e barreiras atitudinais.

A luta das pessoas com deficiência pela garantia de direitos e acessibilidade, em diversas esferas, previstos por políticas públicas, por exemplo, é longa e ainda há muito o que percorrer. Garantir a efetivação e cumprimento de tais políticas e leis, desde cedo, a partir da educação infantil, é um bom ponto de partida; para que sejam construídas relações e oportunidades com equidade, visando desenvolver todo o potencial possível das crianças com deficiência, levando em consideração as suas características singulares.

 

 

Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas Inclusivas, do curso de Psicologia, da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro.


Para saber mais

 

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Dispõe sobre a inclusão da pessoa com deficiência. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 09.  jun. 2021.

 

CARNEIRO, Relma Urel Carbone. Educação inclusiva na educação infantil. Práxis Educacional, v. 8, n. 12, p. 81-95, 2012. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/124965>.

 

INSTITUTO RODRIGO MENDES. Diversa educação inclusiva na prática, 2021. Plataforma de compartilhamento de conhecimento e experiências sobre inclusão de estudantes com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades/superdotação na escola comum. É voltada a educadores, gestores escolares e públicos, familiares e outros profissionais interessados em educação inclusiva. Disponível em: https://diversa.org.br/. Acesso em: 08 jun. 2021.

 

VENDRAMIN, Carla. Repensando mitos contemporâneos: o capacitismo. Portal PubliOnline, Campinas, ISSN: 2675-6137, ago. 2019. Disponível em: https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/simpac/article/view/4389/4393. Acesso em: 09 jun. 2021.

segunda-feira, 14 de junho de 2021

A menina dos olhos, mas que olhares são esses? Uma reflexão sobre o futuro da educação pública




 Thalita Evangelista

Graduanda em Psicologia 

Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf)

thalitaes22@gmail.com



A educação já nasceu lutando. Na verdade, antes mesmo de se chamar educação ela já fazia parte das necessidades mais básicas do ser humano: ensinar e aprender para sobreviver. A educação não diz só sobre conteúdos e formalidades da sala de aula, mas sim sobre transformação de mundo. Talvez, seja por todo esse poder que carrega que opressores a usam de modo oportuno (oportunista seria mais adequado), ou ainda, a prejudicam e a retiram daqueles que precisam possuí-la. 

 

Não precisamos voltar muito no tempo, no séc. XIX, por exemplo, a modernidade delineou uma educação escolar que destacava os aspectos morais, religiosos e disciplinadores, além de ser guiada pelas necessidades do capitalismo. Portanto, a escola que temos hoje carrega, de certo modo, resquícios desse período, pois a educação pública em nosso país foi e vem sendo “dada a conta gotas”, servindo como instrumento para a manutenção de poder de hierarquias sociais. Tal ideia, somada a outras problemáticas políticas e sociais que assolam o Brasil, fez com que boa parte da sociedade desacreditasse na real função da escola e da educação pública como um todo. 

 

Tempos depois chegamos a pós-modernidade, uma era de grande polaridade e embate de valores, na qual vivenciamos em nosso país um retorno (se é que um dia foram embora…) de pensamentos extremamente elitistas, preconceituosos e intolerantes, baseados em mentiras que se tornam verdade pelo grande fato de se repetirem. Assuntos como “escola sem partido”, “reforma do ensino médio” e “militarização” são cada vez mais utilizados para tornar a escola e a educação brasileira um ambiente de desconfiança, desesperança e fracasso. Desenvolver o senso crítico e falar sobre história na sala de aula agora pode ser confundido com doutrinação.

 

Para somar aos problemas, a Pandemia da COVID-19 ampliou as dificuldades existentes, escancarou as desigualdades sociais, a falta de investimento educacional e impediu o acesso às aulas, fazendo com que todos os setores da educação fossem atingidos de maneira brutal. Mesmo com tudo se adaptando, apesar das perdas e incertezas, é inegável que a educação pública não é um problema que precisa de solução, ela é a solução que possui alguns problemas. 

Mas essa educação que sonhamos não é utopia, ela já acontece e é de um poder inspirador indescritível. O documentário Educação.doc, produzido pela Buriti Filmes, mostra o cotidiano de oito escolas públicas do Brasil que oferecem ensino de extrema qualidade, mesmo em áreas de pobreza. O segredo dessas escolas está na continuidade das políticas, na criação de um ambiente crítico, acolhedor e dialógico. O principal assunto abordado nesse documentário diz respeito a escola enquanto espaço prazeroso para estudar, respeitar e ser feliz. E quem diz sobre isso são os alunos, professores, secretários municipais, pais e funcionários, através de relatos que nos permitem mudar a visão unilateral e pessimista sobre a educação.

Diante de todo esse cenário, os sentimentos em relação à educação se dividem entre desgaste e esperança. É nesse momento que me lembro de um trecho muito marcante do livro “Onde está a Psicologia Escolar Educacional no meio da Pandemia?”, no qual os autores questionam: “De quem é a culpa?”. Pela complexidade do nosso sistema público de educação e a depender de quem a responde a pergunta, podem surgir respostas como: “a culpa é do governo”, “a culpa também é dos professores”, “a família também é culpada” ou ainda “o próprio aluno não se ajuda”. Sim, existem culpas, mas não só isso.

Essa pergunta com tom de culpabilização (“De quem é a culpa?”) é muito simplista para a complexidade que estamos discutindo. Essa visão de fatalismo e engessamento que muitos nutrem em relação à educação pública deve ser reformulada. Precisamos superar esse paradigma maniqueísta que mais prende do que ajuda, apesar de ser convidativo, é preciso pensar em possibilidades

Possibilidade é a palavra que merece o nosso foco enquanto sociedade, isso não diz respeito a deixar de negar as devidas culpas e dificuldades que a educação enfrenta (afinal, há responsáveis evidentes, principalmente no que se refere ao governo), mas, é sobre entender que o problema se movimenta, assim como suas soluções. Devemos dialogar, buscar o exequível, muitos podem pensar que a educação do Brasil “parou, não funciona”, mas será mesmo? Enquanto houver voz, mente, braços, pernas, coração ou lógica, haverá possibilidades para o hoje e para o futuro da educação pública.

O questionamento mais importante vem ao final: “O que é possível para hoje?”. Novamente, estamos diante de uma questão simples para um problema complexo, muito chão para poucos pés. Porém, nela se configura um chamado, não um julgamento. Fica clara a necessidade de continuar, de valorizar e de acreditar, há sempre um mínimo a ser feito.

 

Parafraseando Paulo Freire e pedindo licença poética para mudar um pouco sua frase… que o sonho do oprimido não seja virar opressor, mas libertar o outro dessa armadilha, ao mesmo tempo que ergue a si e aos outros através da educação. Afinal, impossibilidade e educação são palavras que não combinam, devemos trocar as lentes, limpar os óculos e abrir os olhos para a criação de uma visão real e otimista da educação pública brasileira.

 


Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas Inclusivas, do curso de Psicologia, da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro

 

Para saber mais

 

ARRIADA, E., & TAMBARA, E. A. C. (2012). A cultura escolar material, a modernidade e a aquisição da escrita no Brasil no século XIX. Educação, 35(1). Recuperado de https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/view/10352

 

Documentário Educação.doc.(2013). Direção e produção: Luiz Bolognesi e Laís Bodanzky. Brasil: Buriti Filmes. Disponível em: https://youtu.be/ZnUuFzD1xEg.

 

FREIRE, Paulo.(1974) Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra.

 

LIMA, I. G. & HYPOLITO, A. M.(2019) A expansão do neoconservadorismo na educação brasileira. Educação e Pesquisa, v. 45, e190901. https://doi.org/10.1590/S1678-463420194519091.

 

SILVA, S., L., JÚNIOR, M. R. P. & ARAÚJO, N. E. F.(2021). Ensino superior em tempos de pandemia: sofrimento, culpa e (im)produtividade. In: Negreiros, F & FERREIRA, B.[orgs] Onde está a psicologia escolar no meio da pandemia? p. 580-595. Pimenta Cultural, São Paulo.

 

 

 

 

 

A Educação como obra de arte




Jaquelline Machado de Oliveira

Licenciada em Ciências Biológicas (UPE/FFPP) 

Graduanda em Psicologia 

Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf)


          Ternes (2004), em sua leitura sobre Foucault, traz a ideia de vida como obra de arte, criada a partir de uma existência ética e estética e tendo como fundamento primordial o cuidado: cuidado de si, do próprio corpo, do espírito e cuidado com o outro.         

      Assim deveria ser a educação, ou seja, um mecanismo de cuidado. É pela educação familiar, escolar e social que são formados os indivíduos. Sobre isso, Freire (1996) afirma que educar exige comprometimento, liberdade e autoridade em equilíbrio, exige ainda, dentre outras coisas, disponibilidade para o diálogo e querer bem aos educandos.

         Ao pensar sobre a educação formal, a qual os educandos estão submetidos nas escolas da sociedade contemporânea, é possível perceber quão distante se encontra o ideal da educação com a realidade vivenciada. A educação tem se fundamentado no pensamento neoliberal, no individualismo, nas falsas liberdades de escolhas e de igualdades de oportunidades em que os próprios indivíduos são responsáveis pelo seu sucesso e/ou fracasso, seja escolar, profissional ou social.

         Culpabilizar os indivíduos por seus destinos é eximir-se do compromisso, da implicação de educar. Esse processo vem ocorrendo há algum tempo na educação, especialmente com crianças, no seu processo de aprendizagem pautado pelo desempenho e ainda pela questão da medicalização da educação. Crianças que não apresentam os resultados esperados na idade determinada, no tempo prescrito, ou que apresentam comportamentos “inadequados”, certamente serão encaminhadas ao psicólogo, psiquiatra, neurologista, psicopedagogos e outros. Serão diagnosticadas, receberão um laudo e o medicamento, pois estariam com “problemas de aprendizagem”, ou problemas emocionais, cognitivos, neurológicos ou mesmo psiquiátricos. O entendimento preponderante é que os problemas são delas e, portanto, precisam de tratamento. A partir desse momento a escola não tem nenhuma responsabilidade sobre isso.

         A questão é quem realmente precisa de tratamento? Se a situação fosse inversa, e a escola fosse o foco, uma vez que não consegue cumprir com sua função de promover a aprendizagem, o seu corpo docente e administrativo poderia ser visto como portando algum problema emocional, abalado por fatores vários, como estresse, baixos salários, pouco reconhecimento, sobrecarga de trabalho, falta de investimentos/recursos e diversos outros fatores. Claro que essa visão patologizante dos docentes e equipe administrativa, ainda que possa ter respaldo, seria novamente escolher “culpados”. Não é isso que se quer, ou melhor, não é só uma questão de inverter o olhar.

Será que a educação não precisa passar por um processo de avaliação integral e pensar em mudanças a serem feitas para que a escola/educação consiga redescobrir seu papel e cumprir sua função?  

         Existe um medicamento capaz de resolver os problemas da escola? Se sim, quem deveria tomá-lo, crianças de seis/sete anos em formação? São questionamentos que inquietam, quando se observa um grande número de crianças medicalizadas para ansiedade, TDAH, TOD e tantos outros transtornos e siglas que são criadas para culpabilizá-las por um fracasso que definitivamente não é delas.

         Pessoas que não agem/pensam aquilo que está programado e que fogem ao padrão e a normatização são consideradas como que não servindo para o sistema. De acordo com essa lógica, não é função da educação escolar fazer com que as pessoas aprendam a pensar/refletir sobre si, sobre a vida e a realidade delas. O foco são os desempenhos e produtivismo. Compreende-se o valor e o sentido do conhecimento e do trabalho para o ser humano, o que não se aceita é que a educação escola esteja reduzido as suas dimensões do desempenho e da produção balizado por padrões. 

         Foucault chamava de docilização dos corpos, o poder opressivo do controle em que a escola é utilizada como fábrica de sujeitos educados e disciplinados, aptos ao processo produtivo e a obediência (TERNES, 2004). A educação defendida por Foucault, Freire e tantos outros pensadores/estudiosos precisa ser libertária/libertadora, que promova a autonomia dos indivíduos, que potencializa os acertos e realmente esteja implicada em formar pessoas autênticas e éticas, conscientes de sua realidade e de suas capacidades, transformadoras e agentes de mudança.

         Todavia, não é justo cobrar isso apenas de uma instituição. Todos os atores da sociedade (família, escola, comunidade, poder público) precisam estar comprometidos, entendendo que educar é uma tarefa de co-responsabilização e é a partir disso que ocorre a verdadeira mudança social.

         A educação é um processo árduo e gradativo, e assim como o artista para produzir sua obra precisa de tempo, dedicação, inspiração (interna e externa), tentativas, até conseguir expressar o que deseja, também a educação requer paciência de quem ensina e de quem aprende num processo dialógico e de troca. Requer um querer bem, consciente do seu papel e, sobretudo, liberdade de criação, fazendo-se necessário o cuidado na e com a educação.

 

Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas Inclusivas, do curso de Psicologia, da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro.

 

Para saber mais

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Paz e Terra: São Paulo, 25ª Ed., 54p., 2002.

 

TERNES, José. Foucault e a educação: em defesa do pensamento. Educação & Realidade: 29(1), pp.155-168, 2004.

 

Recomendações de práticas não medicalizantes para profissionais e serviços de Educação e Saúde. In: Fórum sobre medicalização da educação e da sociedade. Revista: 1ª ed., São Paulo, jul., 2013.

 

 

 

sábado, 12 de junho de 2021

Políticas Públicas e Educação Inclusiva

      

(Inclusive Education: Conceptualizing Inclusive Education & Conceptualizing it within UNICEF Mission)

                                                                                                                                                   Cibelle Nogueira Moreira

Graduanda em Psicologia 

Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf)

cibelle.nogueira05@gmail.com 

 

É um fato que, ao longo da história, as pessoas com deficiência sofreram, e ainda sofrem, infelizmente, com a exclusão, sobretudo no que diz respeito ao acesso à educação de qualidade. Muitas vezes, mesmo quando há acesso a instituição educacional, se dá por uma via segregadora, seja em escolas especiais ou pelo modelo da integração. No primeiro caso, os estudantes com deficiência são apartados da chamada rede regular de ensino. Já no modelo da integração, embora estejam na rede regular, ficam separados em “salas especiais”. 

A título de contextualização, o conceito de deficiência, a partir da perspectiva inclusiva, refere-se, basicamente, a aspectos que são externos à pessoa, aspectos que são denominados de barreiras. Tais barreiras podem ser/estar, de forma geral, na arquitetura, comunicação, meios de transporte e, principalmente, em nossas atitudes.

Sendo assim, partindo da premissa dessa perspectiva, a deficiência seria o resultado do conjunto de fatores, seria a soma entre as limitações do indivíduo e as barreiras atitudinais e dos espaços físicos.

Uma alternativa para ultrapassar essas barreiras seria a acessibilidade, pois através dela é possível a eliminação de tais barreiras físicas e sociais, que atrapalham e impossibilitam a participação efetiva de pessoas com deficiência na sociedade, de forma geral. Tornou-se uma ferramenta essencial para a inclusão, sendo, assim, necessária em todas as dimensões e contextos da vida cotidiana.

As discussões na área dos direitos humanos progrediram nas últimas décadas e, diante disso, especificamente, o paradigma da inclusão emergiu. Como previsto em leis e documentos internacionais, é um direito básico dos estudantes, com ou sem deficiência, a garantia de acesso a uma educação de qualidade e, principalmente, frequentar o mesmo ambiente educacional, conjuntamente, sem exclusão, discriminação e tendo seus respectivos direitos resguardados.

As políticas públicas no contexto da educação inclusiva tratam de todas as questões de elaboração e coordenação de leis relacionadas à preservação dos direitos educacionais de forma integral. Porém, voltadas de forma específica para as populações vulneráveis que sofreram (ou sofrem) exclusão ao longo da história do nosso sistema educacional.

 Ademais, a garantia desses direitos é posta em prática a partir de ações articuladas e da participação direta de todos, indo do Estado até a comunidade local. Isso requer, fundamentalmente, uma reestruturação do nosso sistema de ensino, a elaboração e, principalmente, a manutenção de um conjunto de serviços que atuem articulada com as instituições de ensino. Essa nova estruturação demanda que a área educacional desenvolva seu trabalho a partir de uma outra perspectiva, que seja verdadeiramente inclusiva de modo a ensejar atitudes sem segregações.

Salientamos que apenas o desenvolvimento de políticas públicas educacionais consistentes não é o bastante, pois depende também da implementação, a manutenção e fiscalização. É importante ressaltar que os recursos financeiros são imprescindíveis para que essa efetivação aconteça, dado que um dos principais fatores que favorecem a realização prática da política é o investimento financeiro. Uma vez que a política é criada, recursos financeiros governamentais são destinados especificamente para essa finalidade. Há que reivindicar a garantia de recursos para as políticas (inclusivas) tenham sustentabilidade e efetividade.

Outro fator imprescindível é o gerenciamento feito a partir de uma das articulações dos mais diversos campos que constituem a nossa gestão pública. Ou seja, a elaboração e planejamento de ações articuladas entre setores como o da educação, saúde e transporte, por exemplo. O trabalho feito de forma intersetorial é um ponto indispensável para que as políticas públicas alcancem, na prática, o sucesso desejado.

Diante disso, é de vital importância a elaboração de mais políticas públicas voltadas para a perspectiva inclusiva, e também, para que não se perca o progresso alcançado, a reformulação e atualização das já existentes, com objetivo de torná-las ainda melhores.

Por fim, no momento em que chegarmos ao ponto de realizar a elaboração e estabelecimento de políticas públicas educacionais que sejam capazes de respeitar plenamente o ser humano em sua totalidade, suas diferenças, e que resguardem seus direitos, viabilizem o acesso a educação, a aprendizagem e o convívio conjunto, seremos capazes de afirmar que, de fato, as políticas se encontrarão exercendo sua função.

 Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas Inclusivas, do curso de Psicologia, da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro.

Políticas públicas e alfabetização no Brasil: em que situação estamos?

                                                                     

(MissHibiscus/iStock. Disponível em: <https://super.abril.com.br/blog/literal/aprender-a-ler-depois-de-adulto-altera-o-cerebro-drasticamente/>)

                                                                

                                                                                                                                                    Sabrina Matias de Castro

Graduanda em Psicologia

Universidade Federal do Vale do São Francisco

sabrinamatias18@gmail.com

 

 

         Segundo a pesquisa mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresentada por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Educação em 2019, o Brasil tem uma taxa de 6,6% de analfabetos. Esse número equivale a 11 milhões de brasileiros que têm idade a partir dos 15 anos e não conseguem nem escrever um simples recado. Esses dados são preocupantes e refletem o cenário delicado da educação no país. Apesar disso, há ainda uma esperança, já que os números sofreram quedas ao longo do tempo. 

 

      Sabe-se que a alfabetização consiste no aprendizado do alfabeto e sua utilização como código de comunicação, bem como a apropriação desse sistema e compreensão, ou seja, domínio da leitura e escrita. Para que esse processo ocorra de maneira efetiva é necessária uma parceria entre o ambiente escolar e a família. Com esse objetivo, surge a Política Nacional de Alfabetização (PNA), apresentada pelo Ministério da Educação. Essa política traz propostas como “Tempo de aprender” (programa sobre alfabetização destinado principalmente às crianças da pré-escola e do 1º e 2º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas) e “Conta pra mim” (práticas e orientações para pais e cuidadores para incorporação da literacia familiar), objetivando ampliar a qualidade dos processos de alfabetização e os seus resultados no cenário brasileiro.

 

    Como citado anteriormente sobre as políticas públicas na questão da alfabetização, atualmente, no Brasil, é possível encontrar diversos desafios, tais como o método de ensino e a falta de incentivo familiar. Isso porque muitas vezes a escola utiliza meios que não são tão eficazes para os alunos, dificultando ainda mais o entendimento. Um exemplo de caminho para melhorar esse cenário é a utilização de meios lúdicos na hora da explicação, isto é, mostrar ao estudante determinado assunto colocando-o dentro do cotidiano dele, seja através de exemplos práticos ou até mesmo por meio de brincadeiras educacionais. Além disso, existe ainda a dificuldade de engajamento das famílias nesse processo por motivos que variam desde a ideia de que a responsabilidade é toda da escola, até o fato de que a família não dispõe de informações ou meios para ajudar nesse processo, seja por falta de tempo, ou por dificuldades encontradas no seu próprio processo de alfabetização.

 

Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas Inclusivas, do curso de Psicologia, da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro.

 

 

Para saber mais

https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao/17270-pnad-continua.html?edicao=28203&t=resultados

 

http://alfabetizacao.mec.gov.br/#ancora

 

 

Esforços coletivos para remediar e prevenir



(Retirado da internet. disponível em: http://fgvclear.org/pt/pesquisa-do-fgv-eesp-clear-mensura-impactos-da-pandemia-na-educacao-brasileira/)


                                                                                                                                  Isabele Tenório dos Santos

Graduanda em Psicologia 

Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf)

isabe22le@gmail.com

 

A pandemia da Covid-19 impôs situações inesperadas e extraordinárias a grande parte do mundo. Os efeitos sociais das respostas de vários países, inclusive o Brasil, podem ser vistos e sentidos no formato de sobrecarga do sistema de saúde, perda de empregos em massa ou adaptação para o home office, dentre várias outras mudanças geradoras de preocupação, estresse ou fadiga nas pessoas. Embora os impactos pareçam atingir com mais força a camada adulta da população, a verdade é que eles também têm o potencial de afetar o desenvolvimento das crianças e jovens em curto, médio e longo prazo.

No âmbito da educação das crianças e adolescentes, um relatório da UNESCO aponta que 191 países tiveram suas escolas fechadas, afetando cerca de 70% da população estudantil mundial - o que equivale a mais de um bilhão de pessoas. Ainda segundo a organização, mais de 100 milhões de crianças estão sofrendo rupturas em seu processo de alfabetização, prejudicando seus níveis de proficiência e ameaçando ganhos de mais de 20 anos de esforços globais em prol da educação XXX. É importante nos atentarmos para o fato de que os danos à educação podem ser cumulativos, mesmo com o retorno às escolas, caso não haja uma estratégia sólida de identificação e acompanhamento sistemáticos dos alunos e os recursos necessários à remediação escolar não sejam ofertados.

Neste cenário de fragilização dos sistemas educacionais, as escolas precisaram contar, mais do que nunca, com o apoio das famílias e comunidade. Quando não bem acompanhadas e amparadas, as famílias podem se sentir sobrecarregadas com o aumento de responsabilidades dentro do cenário atual, pois já enfrentam estressores outros fora da educação de suas crianças, como o medo pela contaminação pelo Coronavírus e aflições de natureza econômica. 

Alguns dos desafios encontrados pelas famílias foram a falta de preparação para assumir o monitoramento em tempo integral da educação das crianças, a mudança da rotina familiar, a mudança nas relações interpessoais e na organização de sua rede de apoio. Esses e outros fatores podem levar a uma desestruturação no suporte oferecido à escolarização de suas crianças e adolescentes.

Pensando na atual situação que põe o processo de aprendizagem de muitos educandos em vulnerabilidade, estratégias diversas devem ser e vêm sendo adotadas tendo em vista a redução do risco de interrupção da educação. Essas abordagens são pensadas para favorecer a efetivação da escolaridade em médio e longo prazo, então apresentam uma perspectiva multirrisco e são orientadas para a sustentabilidade. Elas são o que a UNESCO denomina planejamento educacional sensível a crises (PESC). 

Esta abordagem prevê a redução e a gestão de riscos à educação em tempos de crise social, englobando estratégias de planejamento e oferta de ensino que ocorrem no pré, durante e pós-crise. Sua prioridade é assegurar a continuidade da oferta de ensino aos educandos, estando sua qualidade alinhada com uma perspectiva de mitigação e remediação de danos possíveis em situação de crise.

Desse modo, o PESC chama a atenção para que tipo de resposta emergencial podemos dar em uma situação similar a essa que estamos vivendo agora, implicando em uma análise dos recursos de contingência disponíveis no setor da educação. No contexto da COVID-19, isso pode incluir uma revisão dos programas existentes de ensino aberto e à distância e dos recursos disponíveis para ampliar a oferta e a acessibilidade de tais programas. Além disso, implica em olhar também para a capacitação dos profissionais de educação, haja vista a explicitação de que ter os recursos não é sinônimo de saber usá-los da melhor maneira possível que o cenário atual nos trouxe, onde muitos alunos e professores apresentaram dificuldades para se adaptarem ao ensino remoto.

Outro ponto importante de se considerar é a identificação e a superação de padrões de desigualdade e exclusão na educação, bem como práticas culturais e sociais prejudiciais. Com o fechamento das escolas, muitas crianças que provinham de ambientes vulneráveis e marginalizados se viram tendo ainda menos recursos para manter sua educação e qualidade de vida.  É necessário pensar em quem se encontra excluído do aprendizado digital - seja por motivos de não ter acesso à tecnologia necessária, seja por motivos outros muito mais ligados a correntes de pensamento mais conservadoras e machistas. 

Tome por exemplo o caso do Brasil, onde mais de 26.500.000 meninas tiveram sua escolarização interrompida ou prejudicada com o fechamento das escolas, e quanto mais avançada no ensino básico maiores as suas chances de interromperem seus estudos. É fundamental refletir sobre os impactos específicos do fechamento das escolas nas meninas e em outros grupos vulneráveis, assim como oferecer soluções adaptadas a cada caso, tentando resguardar e garantir ao máximo os ganhos obtidos com a inclusão escolar dessas parcelas da população. 

Assim, é fundamental que as medidas adotadas para efetivar o ensino remoto levem em consideração o público afetado, a voz dos profissionais que atuam na área (professores, gestores e outros profissionais da educação) e as capacidades existentes. É necessário também uma coerência entre as esferas educacionais nacionais e subnacionais. O planejamento no contexto da COVID-19 requer também o engajamento das comunidades e famílias para identificar estratégias eficazes de aprendizagem remota e comunicação. Os esforços devem ser coletivos para evitar retrocessos educacionais e sociais, e evitar a perpetuação de desigualdades e práticas discriminatórias. 

A pandemia atingiu e tem atingido mais fortemente famílias que já estavam em situação de vulnerabilidade socioeconômica e marginalização, acentuando diferenças sociais previamente existentes. Para prevenir impactos ainda mais graves em quem mais precisa das oportunidades de escolarização, é necessário fortalecer o sistema de educação para torná-lo mais resiliente e funcional diante das adversidades neste período de pandemia. No entanto, quando pensamos que a escola faz parte do funcionamento de toda uma sociedade, em nível macro, e também é contexto de desenvolvimento humano, em nível micro, torna-se evidente que este processo não pode ocorrer isoladamente, mas, sim, lançar mão de uma abordagem intersetorial.

É preciso que o mundo se ajuste a essas novas realidades, com mudanças nas políticas não só de educação, como trabalho: ajuste de horas trabalhadas, suporte organizacional para as famílias; saúde com ações de educação em saúde e oferta de assistência à saúde mental; assistência social e proteção às crianças e adolescentes, de maneira articulada. 

 

Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas Inclusivas, do curso de Psicologia, da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro.

Para saber mais

UNESCO. Planejamento educacional sensível a crises - Nota Informativa ao Setor da Educação. 2020. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000373272_por

 

UNESCO. One year into COVID: prioritizing education recovery to avoid a generational catastrophe.  2020. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000376984?posInSet=9&queryId=N-794add76-dc4f-4681-bffb-70ef96557fee


Pedagogia da autonomia e experiência de ensino vocacional: aproximações


          



                                                                                                                                                  Ana Leticia da Silva Graduanda em Psicologia 

Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf)

analeticiapsico@gmail.com


 

Paulo Freire é um renomado escritor e educador pernambucano, considerado o patrono da educação Brasileira, cujas contribuições reverberam mundo à fora. Em sua famosa obra “Pedagogia da autonomia”, publicada em 1996. Paulo Freire se dispõe a discutir as práticas que entende como essenciais aos saberes docentes. Infelizmente há alguns questionamentos acerca dos legados freireanos. Nada mais ideológico do que esses questionamentos, pois as evidências das contribuições da obra de Freire ao campo da educação são inúmeras.

De modo particular, e de relevância histórica, o documentário “Vocacional: uma aventura humana”, conta sobre a experiência única dos ginásios vocacionais em São Paulo na década de 1960. Escolas públicas com concepções e propostas educacionais libertadoras no esteio das influências freireanas.

É possível identificar convergências entre algumas ideias freireanas e as concepções libertadoras e, consequentemente, as práticas educacionais dos ginásios vocacionais. Ambas compartilham da visão da pessoa enquanto agente transformador de si e da sociedade. Ao longo da obra mencionada, Paulo Freire defende sua visão do sujeito como ser histórico, social, inacabado, e que se sabe como tal. É justamente no reconhecimento do inacabamento que reside seu potencial criador e transformador, é ele que dá sentido e permite a educação porque é a partir daí que se inicia o constante movimento de busca, ou melhor, uma aposta na curiosidade dos estudantes como marca de respeito e promoção da autonomia. De igual modo, é permeado por essas noções que os ginásios vocacionais desenvolvem suas práticas pedagógicas e seus processos de aprendizagem. 

Freire tece críticas a concepção bancária da educação, que entende a prática pedagógica enquanto a pura transferência do conhecimento do educador ao educando. Essa forma estática de concepção não abarca o diálogo, a espontaneidade, a dimensão política da experiência de aprendizagem, impedindo assim a criação de possibilidades para construção real do conhecimento. Construção essa que acontece de forma dialógica, horizontal, respeitando o saber que o educando possui, de modo que este ensina ao aprender e o professor aprende com aqueles aos quais ensina. 

Nessa perspectiva, o papel do educador é incentivar a curiosidade e a autonomia por parte do educando. É preciso que esteja disposto a ser questionado, chamado à dúvida, pois a formação se dá de maneira crítica e dialógica. Tanto o professor quanto o estudante são igualmente sujeitos de um mesmo processo. É por estimular a criatividade do estudante que este aflora seu potencial criador e por sua vez enriquece o ser professor. 

O ensino vocacional nos ginásios vocacionais se organizava de forma que não havia centralidade de conhecimento no papel do educador. Ao começo de todo ano letivo acontecia uma reunião onde pais, alunos, professores e restante dos funcionários juntos, decidiam quais temas seriam estudados naquele período, de forma que os alunos tinham papel ativo sobre seu processo de aprendizado, e ainda mais, a comunidade era integrada à escola. Os estudantes eram constantemente chamados a se auto avaliarem e avaliarem seus processos, o que permitia que pensassem sobre si. 

As avaliações não se resumiam apenas a provas, abarcavam todas as produções que os alunos faziam, seus papeis de liderança ou não e o trabalho dentro do grupo. Não há espaço e valorização apenas para a reprodução mecanicista de um conhecimento prévio, o que há é a visão do ser humano como ser multifacetado, em constante diálogo e cooperação com o outro. É através da relação dos educandos entre si e de todos com o educador, que estes se assumem como seres sociais e históricos, pensantes e comunicantes. 

Os alunos desenvolviam trabalhos sociais, de maneira interdisciplinar em serviços e espaços públicos, o que agia no sentido de promover à integração para com a comunidade. Tudo isso converge com o que Paulo Freire defendia quando dizia que acerca da necessária ligação entre os saberes curriculares e as experiências sociais dos alunos. 

Em determinado momento do documentário, um professor fala que foi durante essa experiência no vocacional que se descobriu como educador. Paulo Freire aborda a necessidade do professor de querer bem aos seus alunos. Esse ‘querer bem’ não como uma obrigatoriedade, nem como um desvio às questões éticas de seu papel, mas como um abraço à alegria natural decorrente da experiência docente, experiência essa que é essencialmente afetiva porque é da ordem do cuidado, da criação, da transformação. Nas palavras mesmas de Freire: “Transformar a experiência em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador” (FREIRE, 1996, p.16).

 

 

Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas Inclusivas, do curso de Psicologia, da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro.


 

Para saber mais

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa.  São Paulo: Paz e Terra, 1996.

 

VENTURI, T. (Diretor). Vocacional: Uma Aventura Humana [Filme]. São Paulo: Olhar Imaginário & Mamute Filmes, 2011. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nJvR5DyYBOU&t=885s&ab_channel=PaulaFreirePaulaFreire