segunda-feira, 14 de junho de 2021

A menina dos olhos, mas que olhares são esses? Uma reflexão sobre o futuro da educação pública




 Thalita Evangelista

Graduanda em Psicologia 

Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf)

thalitaes22@gmail.com



A educação já nasceu lutando. Na verdade, antes mesmo de se chamar educação ela já fazia parte das necessidades mais básicas do ser humano: ensinar e aprender para sobreviver. A educação não diz só sobre conteúdos e formalidades da sala de aula, mas sim sobre transformação de mundo. Talvez, seja por todo esse poder que carrega que opressores a usam de modo oportuno (oportunista seria mais adequado), ou ainda, a prejudicam e a retiram daqueles que precisam possuí-la. 

 

Não precisamos voltar muito no tempo, no séc. XIX, por exemplo, a modernidade delineou uma educação escolar que destacava os aspectos morais, religiosos e disciplinadores, além de ser guiada pelas necessidades do capitalismo. Portanto, a escola que temos hoje carrega, de certo modo, resquícios desse período, pois a educação pública em nosso país foi e vem sendo “dada a conta gotas”, servindo como instrumento para a manutenção de poder de hierarquias sociais. Tal ideia, somada a outras problemáticas políticas e sociais que assolam o Brasil, fez com que boa parte da sociedade desacreditasse na real função da escola e da educação pública como um todo. 

 

Tempos depois chegamos a pós-modernidade, uma era de grande polaridade e embate de valores, na qual vivenciamos em nosso país um retorno (se é que um dia foram embora…) de pensamentos extremamente elitistas, preconceituosos e intolerantes, baseados em mentiras que se tornam verdade pelo grande fato de se repetirem. Assuntos como “escola sem partido”, “reforma do ensino médio” e “militarização” são cada vez mais utilizados para tornar a escola e a educação brasileira um ambiente de desconfiança, desesperança e fracasso. Desenvolver o senso crítico e falar sobre história na sala de aula agora pode ser confundido com doutrinação.

 

Para somar aos problemas, a Pandemia da COVID-19 ampliou as dificuldades existentes, escancarou as desigualdades sociais, a falta de investimento educacional e impediu o acesso às aulas, fazendo com que todos os setores da educação fossem atingidos de maneira brutal. Mesmo com tudo se adaptando, apesar das perdas e incertezas, é inegável que a educação pública não é um problema que precisa de solução, ela é a solução que possui alguns problemas. 

Mas essa educação que sonhamos não é utopia, ela já acontece e é de um poder inspirador indescritível. O documentário Educação.doc, produzido pela Buriti Filmes, mostra o cotidiano de oito escolas públicas do Brasil que oferecem ensino de extrema qualidade, mesmo em áreas de pobreza. O segredo dessas escolas está na continuidade das políticas, na criação de um ambiente crítico, acolhedor e dialógico. O principal assunto abordado nesse documentário diz respeito a escola enquanto espaço prazeroso para estudar, respeitar e ser feliz. E quem diz sobre isso são os alunos, professores, secretários municipais, pais e funcionários, através de relatos que nos permitem mudar a visão unilateral e pessimista sobre a educação.

Diante de todo esse cenário, os sentimentos em relação à educação se dividem entre desgaste e esperança. É nesse momento que me lembro de um trecho muito marcante do livro “Onde está a Psicologia Escolar Educacional no meio da Pandemia?”, no qual os autores questionam: “De quem é a culpa?”. Pela complexidade do nosso sistema público de educação e a depender de quem a responde a pergunta, podem surgir respostas como: “a culpa é do governo”, “a culpa também é dos professores”, “a família também é culpada” ou ainda “o próprio aluno não se ajuda”. Sim, existem culpas, mas não só isso.

Essa pergunta com tom de culpabilização (“De quem é a culpa?”) é muito simplista para a complexidade que estamos discutindo. Essa visão de fatalismo e engessamento que muitos nutrem em relação à educação pública deve ser reformulada. Precisamos superar esse paradigma maniqueísta que mais prende do que ajuda, apesar de ser convidativo, é preciso pensar em possibilidades

Possibilidade é a palavra que merece o nosso foco enquanto sociedade, isso não diz respeito a deixar de negar as devidas culpas e dificuldades que a educação enfrenta (afinal, há responsáveis evidentes, principalmente no que se refere ao governo), mas, é sobre entender que o problema se movimenta, assim como suas soluções. Devemos dialogar, buscar o exequível, muitos podem pensar que a educação do Brasil “parou, não funciona”, mas será mesmo? Enquanto houver voz, mente, braços, pernas, coração ou lógica, haverá possibilidades para o hoje e para o futuro da educação pública.

O questionamento mais importante vem ao final: “O que é possível para hoje?”. Novamente, estamos diante de uma questão simples para um problema complexo, muito chão para poucos pés. Porém, nela se configura um chamado, não um julgamento. Fica clara a necessidade de continuar, de valorizar e de acreditar, há sempre um mínimo a ser feito.

 

Parafraseando Paulo Freire e pedindo licença poética para mudar um pouco sua frase… que o sonho do oprimido não seja virar opressor, mas libertar o outro dessa armadilha, ao mesmo tempo que ergue a si e aos outros através da educação. Afinal, impossibilidade e educação são palavras que não combinam, devemos trocar as lentes, limpar os óculos e abrir os olhos para a criação de uma visão real e otimista da educação pública brasileira.

 


Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas Inclusivas, do curso de Psicologia, da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro

 

Para saber mais

 

ARRIADA, E., & TAMBARA, E. A. C. (2012). A cultura escolar material, a modernidade e a aquisição da escrita no Brasil no século XIX. Educação, 35(1). Recuperado de https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/view/10352

 

Documentário Educação.doc.(2013). Direção e produção: Luiz Bolognesi e Laís Bodanzky. Brasil: Buriti Filmes. Disponível em: https://youtu.be/ZnUuFzD1xEg.

 

FREIRE, Paulo.(1974) Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra.

 

LIMA, I. G. & HYPOLITO, A. M.(2019) A expansão do neoconservadorismo na educação brasileira. Educação e Pesquisa, v. 45, e190901. https://doi.org/10.1590/S1678-463420194519091.

 

SILVA, S., L., JÚNIOR, M. R. P. & ARAÚJO, N. E. F.(2021). Ensino superior em tempos de pandemia: sofrimento, culpa e (im)produtividade. In: Negreiros, F & FERREIRA, B.[orgs] Onde está a psicologia escolar no meio da pandemia? p. 580-595. Pimenta Cultural, São Paulo.

 

 

 

 

 

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