segunda-feira, 14 de junho de 2021

A Educação como obra de arte




Jaquelline Machado de Oliveira

Licenciada em Ciências Biológicas (UPE/FFPP) 

Graduanda em Psicologia 

Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf)


          Ternes (2004), em sua leitura sobre Foucault, traz a ideia de vida como obra de arte, criada a partir de uma existência ética e estética e tendo como fundamento primordial o cuidado: cuidado de si, do próprio corpo, do espírito e cuidado com o outro.         

      Assim deveria ser a educação, ou seja, um mecanismo de cuidado. É pela educação familiar, escolar e social que são formados os indivíduos. Sobre isso, Freire (1996) afirma que educar exige comprometimento, liberdade e autoridade em equilíbrio, exige ainda, dentre outras coisas, disponibilidade para o diálogo e querer bem aos educandos.

         Ao pensar sobre a educação formal, a qual os educandos estão submetidos nas escolas da sociedade contemporânea, é possível perceber quão distante se encontra o ideal da educação com a realidade vivenciada. A educação tem se fundamentado no pensamento neoliberal, no individualismo, nas falsas liberdades de escolhas e de igualdades de oportunidades em que os próprios indivíduos são responsáveis pelo seu sucesso e/ou fracasso, seja escolar, profissional ou social.

         Culpabilizar os indivíduos por seus destinos é eximir-se do compromisso, da implicação de educar. Esse processo vem ocorrendo há algum tempo na educação, especialmente com crianças, no seu processo de aprendizagem pautado pelo desempenho e ainda pela questão da medicalização da educação. Crianças que não apresentam os resultados esperados na idade determinada, no tempo prescrito, ou que apresentam comportamentos “inadequados”, certamente serão encaminhadas ao psicólogo, psiquiatra, neurologista, psicopedagogos e outros. Serão diagnosticadas, receberão um laudo e o medicamento, pois estariam com “problemas de aprendizagem”, ou problemas emocionais, cognitivos, neurológicos ou mesmo psiquiátricos. O entendimento preponderante é que os problemas são delas e, portanto, precisam de tratamento. A partir desse momento a escola não tem nenhuma responsabilidade sobre isso.

         A questão é quem realmente precisa de tratamento? Se a situação fosse inversa, e a escola fosse o foco, uma vez que não consegue cumprir com sua função de promover a aprendizagem, o seu corpo docente e administrativo poderia ser visto como portando algum problema emocional, abalado por fatores vários, como estresse, baixos salários, pouco reconhecimento, sobrecarga de trabalho, falta de investimentos/recursos e diversos outros fatores. Claro que essa visão patologizante dos docentes e equipe administrativa, ainda que possa ter respaldo, seria novamente escolher “culpados”. Não é isso que se quer, ou melhor, não é só uma questão de inverter o olhar.

Será que a educação não precisa passar por um processo de avaliação integral e pensar em mudanças a serem feitas para que a escola/educação consiga redescobrir seu papel e cumprir sua função?  

         Existe um medicamento capaz de resolver os problemas da escola? Se sim, quem deveria tomá-lo, crianças de seis/sete anos em formação? São questionamentos que inquietam, quando se observa um grande número de crianças medicalizadas para ansiedade, TDAH, TOD e tantos outros transtornos e siglas que são criadas para culpabilizá-las por um fracasso que definitivamente não é delas.

         Pessoas que não agem/pensam aquilo que está programado e que fogem ao padrão e a normatização são consideradas como que não servindo para o sistema. De acordo com essa lógica, não é função da educação escolar fazer com que as pessoas aprendam a pensar/refletir sobre si, sobre a vida e a realidade delas. O foco são os desempenhos e produtivismo. Compreende-se o valor e o sentido do conhecimento e do trabalho para o ser humano, o que não se aceita é que a educação escola esteja reduzido as suas dimensões do desempenho e da produção balizado por padrões. 

         Foucault chamava de docilização dos corpos, o poder opressivo do controle em que a escola é utilizada como fábrica de sujeitos educados e disciplinados, aptos ao processo produtivo e a obediência (TERNES, 2004). A educação defendida por Foucault, Freire e tantos outros pensadores/estudiosos precisa ser libertária/libertadora, que promova a autonomia dos indivíduos, que potencializa os acertos e realmente esteja implicada em formar pessoas autênticas e éticas, conscientes de sua realidade e de suas capacidades, transformadoras e agentes de mudança.

         Todavia, não é justo cobrar isso apenas de uma instituição. Todos os atores da sociedade (família, escola, comunidade, poder público) precisam estar comprometidos, entendendo que educar é uma tarefa de co-responsabilização e é a partir disso que ocorre a verdadeira mudança social.

         A educação é um processo árduo e gradativo, e assim como o artista para produzir sua obra precisa de tempo, dedicação, inspiração (interna e externa), tentativas, até conseguir expressar o que deseja, também a educação requer paciência de quem ensina e de quem aprende num processo dialógico e de troca. Requer um querer bem, consciente do seu papel e, sobretudo, liberdade de criação, fazendo-se necessário o cuidado na e com a educação.

 

Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas Inclusivas, do curso de Psicologia, da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro.

 

Para saber mais

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Paz e Terra: São Paulo, 25ª Ed., 54p., 2002.

 

TERNES, José. Foucault e a educação: em defesa do pensamento. Educação & Realidade: 29(1), pp.155-168, 2004.

 

Recomendações de práticas não medicalizantes para profissionais e serviços de Educação e Saúde. In: Fórum sobre medicalização da educação e da sociedade. Revista: 1ª ed., São Paulo, jul., 2013.

 

 

 

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