quinta-feira, 29 de julho de 2010

UNIVASF VIDA DOCENTE E DIMENSÃO DA GESTÃO: O PODER DE AMARRAR x O PODER DE AMAR



 Um espaço como um BLOG não é propício para aprofundar e desenvolver reflexões, mas serve para “salpicar” algumas ideias, provocar e suscitar discussões. Valendo-se da modéstia do espaço BLOG, pretendo discorrer um pouco sobre uma questão que considero deveras importante, que é o poder.  Sei que essa questão perpassa todas as esferas da existência humana, mas darei um encaminhamento para a vida docente de um modo geral e mais particularmente para a dimensão da gestão na carreira docente.
Muito se tem falado sobre o poder. De Freud à Maquiavel, de Francis Bacon à Foucault, de Stalin à ao senso comum. A ideia sobre poder que vou defender talvez fuja um pouco ao convencional (embora muitos já tenham abordado na perspectiva que esboçarei neste texto), justamente porque parto de um entendimento que o poder é uma força e como tal não precisa estar, necessariamente, a serviço da opressão, a serviço do domínio, a serviço da imposição autoritária. Para uma estrela brilhar as outras não precisam se apagar, poderia dizer um poeta inspirado nessa óptica.
Inúmeros pensadores abordaram a questão do poder enquanto força libertadora e a serviço da atualização das pessoas. Trago à baila só para deixar registrado alguns que explicitamente desenvolveram e, o que é mais importante, viveram tal posicionamento, embora cada um tenha trazido especificidades: Humberto Maturana, Carl Rogers, Nietzsche, Ghandi, o próprio Jesus, Suzuki (Zen), Buber, Paulo Freire...
Obviamente, que muitos homens do universo pragmático argumentam que essas pessoas citadas foram idealistas, sonhadoras, românticas e que, objetivamente, não demonstraram transformações efetivas no mundo. Este continuaria a ser cruel e nele os vencedores seriam os mais fortes, aqueles que sabem oprimir e impor sua força para obstaculizar a ascensão do outro, etc.
Entretanto, estes mesmos homens do universo (excessivamente) pragmático esquecem alguns dos sentidos da vida e das suas próprias ontologias. Talvez em curto prazo esses homens tenham êxito, mas ao longo de um percurso histórico e existencial sucumbem em suas próprias armadilhas. Só para dar um exemplo de truz, vivemos atualmente um impasse na forma como nos relacionamos com o ambiente. Vivemos de maneira dicotomizada (eu aqui e o mundo ali), excessivamente objetivante (a natureza é uma coisa que deve ser usada) e não reconhecemos nossa ligação (somos também o ambiente) e dependência (só somos porque existimos em uma relação indissociável com o ambiente). Esse exemplo tem tudo a ver com o modo como o ser humano assume a relação de poder (neste caso, a relação de poder com o ambiente – poder de impor, poder de usar, poder de assenhorear-se...)
Quando se adentra na educação e na gestão de uma instituição educativa (como a universidade, por exemplo) essa problemática fica muito mais acentuada. É mais do que “batido” que a relação educador - educando (o gestor no campo da educação é antes de tudo um educador e ele não pode esquecer disto!) é mediada por uma relação de poder. A questão crucial é saber que poder ou que tipo de poder é esse.
Grosso modo, é possível distinguir dois tipos de poder nessa relação entre educador e educando. Uma relação que pode ser chamada “poder de amar” e outra que pode ser chamada “poder de amar”. A primeira está caracterizada pela negação do outro, pelo narcisismo (o poder de se ver nos outros, de se reproduzir em tudo que é outro), na perpetuação de si mesmo, da reprodução do igual (igual a si), no autoritarismo, no centralismo, na desconfiança como princípio de conduta, no pragmatismo excessivo (onde os fins vão sempre justificar os meios), nas manobras não éticas em nome dos efeitos de domínio... A segunda está caracterizada a partir do princípio de querer ver o outro sempre mais, de amar a superação de si e dos outros, de uma relação dialógica... está caracterizada pela aceitação do outro enquanto alteridade, pelo contentamento do outro PODER SER MAIS, do poder delegado estar a serviço do empoderamento do outro, de ter os fins como norteadores dos meios, mas ao mesmo tempo saber limitá-los pelos princípios éticos (alteridade, responsabilidade, liberdade e autonomia – palavras tão caras...).
Até entendo que a depender das vivências e dos contextos que as pessoas têm em relação ao poder vão produzir visões e condutas particulares. Por exemplo: um contexto adverso pode fazer com que alguém passe a acreditar somente naquela possibilidade de lidar com o poder (as vezes o contexto não é suficiente para condicionar a forma de lidar com o poder e um caso exemplar é o de Victor Frankl – médico psiquiatra judeu que viveu no campo de concentração nazista). Entretanto, não se pode permitir a restrição dessas vivências e interpretações sobre o poder. Outras possibilidades são possíveis, sobretudo quando se trata de educadores.
Finalmente, quero chamar a atenção de que é possível pensar e viver formas diferentes (das convencionais) de poder nas relações experienciadas por educadores, mesmo quando este vive a dimensão da gestão. É fundamentalmente coerente para um educador alicerçar-se no PODER DE AMAR.
 Salvador, julho de 2010.

Pró-Reitoria de Ensino (PROEN) na UNIVASF: uma experiência da complexidade


Como já havíamos dito em um de nossos textos , uma das dimensões da docência é a gestão (administrativa). Partindo dessa premissa, discorreremos, portanto, um pouco sobre a nossa vivência na Pró-Reitoria de Ensino (PROEN) da UNIVASF, onde abordaremos a experiência enquanto docente que vive a dimensão da gestão em uma pró-reitoria que consideramos complexa.
Ser docente e poder estar vivendo, de maneira contundente, a dimensão da gestão em uma pró-reitoria responsável pelo ensino de graduação é algo deveras rico em termos de experiência profissional, sobretudo no que diz respeito aos constantes desafios que se é confrontado.
Acreditamos que para um professor, desde que tenha interesse, é óbvio, sempre será muito interessante viver a experiência de uma pró-reitoria de ensino. Isto porque uma instância administrativa como essa possibilita olhares mais panorâmicos a respeito das questões que tangem o ensino.
Quando um professor circunscrito apenas as suas disciplinas e ao seu colegiado, tem mais chances de ter uma visão diminuta sobre as questões do ensino na universidade. Essa visão diminuta não por incapacidade, mas por posicionamento, por perspectiva, por estar situado em posição menos panorâmica. Isto é compreensível e não há problemas em relação a isso. De outro modo, quando inserido no contexto de uma pró-reitoria, o professor pode ampliar sua visão e enxergar de maneira abrangente tudo aquilo que diz respeito ao mundo acadêmico da graduação.
É claro que essas visões, mais ou menos abrangentes, não dependem diretamente ou exclusivamente do lugar de onde se estar vendo. Depende também do olhar de que quem estar vendo. E isto tem a ver com o interesse, o desejo e a identificação daqueles docentes que se envolvem com tais empreitadas. É preciso querer estar nesse lugar.
Assim, estando na PROEN vivencio uma experiência enriquecedora não só porque coincide com a minha área de interesse (educação), mas sobretudo porque me sinto engajado com as questões e com as buscas na superação dos problemas que dizem respeito ao ensino superior. Vivo também, de maneira intensa, os desafios e a necessidade de colaborar junto a comunidade acadêmica e a sociedade respostas às demandas de todo um universo que diz respeito a Universidade.
Esta rica experiência tem também a ver com outra característica das pró-reitorias de ensino (em algumas universidades há preferência por chamar de pró-reitoria de graduação), que é a sua natureza complexa. Esta complexidade tem a ver com o lugar que ocupa, com as funções atribuídas e com as responsabilidades que ela absorve.
Uma pró-reitoria de ensino, de um modo geral, é o lugar de convergência de interesses diversos do coletivo dos estudantes, do coletivo dos professores e do coletivo dos técnicos que estão diretamente ligados ao ensino. Soma-se a isso, esporadicamente, interesses da comunidade (por exemplo: época da seleção ao ingresso para universidade – ENEM) e interfaces com interesses de outras esferas da própria universidade.
Não é por menos, por exemplo, que a pró-reitoria de ensino seja um espaço aonde os vários pontos de vistas se complementem, se choquem e se sobrepõem. Às vezes os pontos de vistas interagem de maneira conflituosa, as vezes requerem mediações mais intensas...mas sempre demandam uma abordagem complexa aonde devem ser levado em considerações as multiplicidades de olhares e de interesses.
A natureza complexa da pró-reitoria de ensino e a necessidade de uma abordagem complexa não significam, necessariamente, complicações (embora algumas vezes sejam realmente difícil lidar com algumas situações). Significam entendimentos que passam pelo nível da complexidade. Segundo Edgar Morin (1991) a complexidade seria “... um tecido (complexus: o que é tecido em conjunto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. (...) a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal. Mas então a complexidade apresenta-se com os traços inquietantes da confusão, do inextricável, da desordem, da ambigüidade, da incerteza... Daí a necessidade, para o conhecimento, de pôr ordem nos fenômenos ao rejeitar a desordem, de afastar o incerto, isto é, de selecionar os elementos de ordem e de certeza, de retirar a ambigüidade, de clarificar, de distinguir, de hierarquizar... Mas tais operações, necessárias à inteligibilidade, correm o risco de a tornar cega se eliminarem os outros caracteres do complexus; e efetivamente, como o indiquei, elas tornam-nos cegos."
Morin, ao definir o conceito de complexidade também apresenta como abordá-lo. Tudo isso pode ajudar a entender o que é uma pró-reitoria de ensino e como abordá-la ou como nela mediar as situações. Muitas vezes a nossa pró-reitoria de ensino é palco de confusões, de situações aonde não temos respostas prontas, de ambigüidades nos processos que chegam até nós, nos acasos que desestabilizam nossos planejamentos (falta de sala porque a obra atrasou, problemas no ENEM, etc.), de incertezas se vamos ter resultados ou não e nos inúmeros impasses, por exemplo, que vivemos com os estudantes que se queixam de alguns docentes, com os colegas professores que reclamam da carga horária, com os técnicos que demandam salas e computadores, etc. Não é possível idealizar uma pró-reitoria ou abordá-la se não puder acolher toda essa desordem, todo esse ruído. Costumamos sempre dizer que para estar aqui é importante saber “surfar na tempestade”.
Toda essa complexidade inerente a condição de uma pró-reitoria de ensino é possibilitada por uma visão mais ampla e múltipla da universidade porque se é obrigado a compreender a partir das várias perspectivas dos atores da comunidade acadêmica, mas também porque ela não é linear, não homogênea, não é precisa... ela é também incerta, composta por ambigüidades, por desordens, por acasos e por turbulências.
Nesse contexto, a experiência de um docente vivenciar a dimensão gestão em uma instância administrativa voltada para as questões do ensino pode proporcionar uma preciosa oportunidade de crescimento profissional, mas acima de tudo humano. Afinal, ao falar de ensino estamos também falando de aprendizagem, de mudanças e de desenvolvimento humano.

Salvador, julho de 2010.

1- Texto disponível no BLOG:
- http://mribeiro27.blogspot.com/2010/05/formacao-docente-o-papel-do-coordenador.html - http://mribeiro27.blogspot.com/2010/03/novas-praticas-docentes-e-suas.html


2- Introdução ao Pensamento Complexo, 1991:17/19

terça-feira, 6 de julho de 2010

O AMOR NA RELAÇÃO PROFESSOR ALUNO


Tão desgastado tem sido o uso da palavra amor. Muitas vezes, desgastado porque tem sido utilizado apenas no seu sentido romântico entre um casal apaixonado ou então pelo uso demagógico. Entendo que o sentido da palavra amor está para além do romântico (o englobando inclusive) e, certamente, expresso a partir de um real estado e, portanto, fora do Demagógico.
O amor é o princípio da relação que ajuda o outro a ser, a atualizar-se. O amor está na base do diálogo, da compreensão, do doar-se e do sorriso sereno diante da vida. Mas o amor também está presente no paradoxo da aceitação do que se é e na aposta da transformação. O amor enquanto base e princípio não é uma morada idílica onde a pessoa se encontra permanentemente. O amor pulsa o tempo todo, alimentando-a, mas não descarta a possibilidade da pessoa se enganar, machucar o outro, fazer bobagens em suas relações. Não protege e não há garantias. Não se pode fazer nada em nome do amor. Não em nome do amor. Em nome do amor, nada! O amor é que está em nome, quer dizer, o amor é que se presentifica em todas as relações, sobretudo naquelas que são intensas como as que acontece entre professor e aluno.
Acredito que o amor esteja na base das relações entre professor e aluno. O professor precisa amar seus alunos. Não de forma igual, não os romantizando, não acatando tudo e não pondo os limites necessários. O amor na relação professor aluno é condição necessária para a aprendizagem significativa. Aprender não só tecnicamente, mas aprender para ser. Este é o entendimento maior que o professor pode ter. O aluno não está ali simplesmente para se encher de informações, para desenvolver uma habilidade. Ele está ali, com os seus colegas e ao lado do seu professor para se formar. É lógico que se formar tem a ver com as informações, com o desenvolvimento de habilidades. Formar, entretanto, tem mais. Formar é intimar, é encontrar caminhos, é abertura para encontros com os diferentes. É as vezes conflito, é as vezes faísca e é disso tudo que vem o fruto. Fruto que nasce de relações. É isto que é formar.
Mais uma vez quero colocar distância dos entendimentos distorcidos do amor na relação professor aluno. Não é nada de paparicação, ou de preocupação com os alunos de modo que o professor passa a se sentir o responsável. Nada disso. É simples muitas vezes. É uma atitude, é um jeito de estar com os alunos, é um modo de estar na classe, é uma forma de olhar, é uma postura, é uma compreensão que se tem, é um gosto do se está fazendo.
Não é difícil viver a relação professor aluno a partir dessa base. É natural. Está na gente porque simplesmente nos constituímos via o amor e somos viabilizados pelo amor (apesar de tudo ainda). O que é, em alguns casos, complicado é o entendimento dessa vivência. E aí há tantos motivos... Até mesmo entre os alunos não é evidente a compreensão. Uma vez, após uma discussão com alguns dos meus alunos sobre questões de posicionamentos políticos da vida universitária, disse que os amava. Acho que eles não entenderam e soou como demagógico (acho que eles tiveram até razão em pensar daquele jeito, dadas as circunstâncias). Mas o que quero dizer é que não é fácil as pessoas entenderem. Há professores que rechaçam veementemente isso tudo que estou a dizer. Há outros que endossam de maneira oportunista. Há outros que só assimilam na visão romântica. Há...
Bem, fica aí algo para ser melhor refletido e levado com mais seriedade: o amor na relação entre professor aluno.


 Buenos Aires
Inverno, 2010.