sábado, 9 de outubro de 2021

A aproximação da influência do desenvolvimento da empatia, jovens infratores e políticas públicas



 (Criação: Emanuella Ribeiro)

 

Emanuella Ribeiro Félix

e-mail: emanuellaribeiro.f@gmail.com

Islanny Grazielly Azevedo Coutinho

e-mail: islannygrazielly@gmail.com

Rute Kelly Ferreira dos Santos

rutekfs@gmail.com

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Graduandas de Psicologia

Universidade Federal do Vale do São Francisco - Univasf

 

Nós humanos temos a capacidade de organização social/cultural como uma das características marcantes e distintivas entre nossa espécie e outras espécies, e também estabelecemos vínculos e interações mais complexos que qualquer outra espécie social. Nessa perspectiva, um processo psicológico importante é a empatia, que se refere a capacidade de se colocar no lugar do outro e de se sensibilizar com os infortúnios, injustiça ou sofrimento de outrem. Desse modo, a empatia é crucial para a interação social, o cuidado parental, o comportamento pró-social e comunicação interpessoal (Coelho, 2018).

 O tema da empatia continua sendo foco de muitas pesquisas, sendo uma das características mais importantes nas relações e interações sociais por permitir a partilha e a compreensão dos sentimentos de outras pessoas. Trabalhar a empatia é fundamental para preparar o repetório comportamental em saber como agir em momentos onde outras pessoas estão em perigo real ou iminente, passando por situações como discriminação, preconceito, exclusão, xenofobia e o racismo estrutural (Coelho, 2018).

Mesmo sendo um processo psicológico coordenado a nível neural, muito do desenvolvimento das capacidades empáticas também está conectado com processos como o desenvolvimento moral, a socialização e os vínculos estabelecidos ao longo do desenvolvimento. Citamos como exemplo ambientes de ressocialização para adolescentes em conflito com a lei. Essas instituições são primordiais ao desenvolvimento da empatia por serem um contexto dinâmico de interação e percepção social com diferentes realidades e grupos étnico-raciais, o que permite experiências relacionais e construção de vínculos e desenvolvimento afetivo e sociomoral. Assim, esse espaço é crucial para trabalhar a empatia, principalmente pelo componente motivacional em mobilizar o indivíduo em comportamentos socialmente desejáveis, como aceitação ao multiculturalismo e redução de comportamentos agressivos (Sampaio, 2007).

Nesse contexto, é válido refletir sobre a adolescência, que é uma etapa de construção de valores e também de mudanças físicas e psicológicas no jovem. Essa fase, que prepara o adolescente para entrar na vida adulta, também traz um pensamento permissivo, onde o adolescente acredita que poderá experimentar diversas sensações sem que nada perigoso aconteça a ele. Assim, se expõe mais facilmente a fatores de riscos e desvios comportamentais que trazem consequências graves. Com isso, nessa fase pode emergir a delinquência juvenil, que se refere às transgressões à lei realizadas por adolescentes (Nardi & Dell'aglio, 2010).

Isso lança luz na articulação de políticas públicas voltadas aos adolescentes em conflito com a lei, que foi amplamente destacada ao longo da história brasileira, sobretudo após o processo de redemocratização do país, e a promulgação da Constituição Federal de 1988, posterior ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990. No Brasil, o enfrentamento da criminalidade infantojuvenil tem sido marcado pela orientação à institucionalização e restrição da liberdade em unidades de internamento (Rosalen & Sales, 2002). A aplicação destas medidas, tende englobar a manutenção dos vínculos comunitários e sociais, sendo a privação de liberdade cabível apenas em casos extremos (mediante flagrante de ato infracional ou decisão judicial de acordo). 

As instituições de acolhimento têm se amparado em concepções como vigilância, punição e castigo. Modos de ressocialização baseados em opressão, coerção, disciplina rígida e assistência subumana são oferecidas aos adolescentes internos, o que difere, como explicitado, de ambientes que propiciem o desenvolvimento da empatia, e um contexto dinâmico de interação e percepção social abordando diferentes realidades dos grupos étnico-raciais.

Esse modelo assistencial se configura como o maior obstáculo a um trabalho comprometido com a formação autônoma desses adolescentes, de forma que há necessidade de uma maior articulação das políticas públicas no atendimento ao adolescente em conflito com a lei,  bem como carência na integração das políticas para o efetivo funcionamento em rede, e uma fragilidade no trabalho interdisciplinar nas políticas nacionais.

 A aplicação e avaliação de metodologia socioeducativa baseada na discussão de temas como empatia, justiça, leis, direito e deveres, propiciando um dos principais espaços de socialização, desenvolvimento afetivo e sócio moral, assim como o ensino de valores, e uma maior consciência quanto à relevância do respeito aos Direitos Humanos, constrói uma atmosfera de participação ativa e autônoma dos atores envolvidos (monitores, gestão, adolescentes), suscitando um espaço favorável ao desenvolvimento empático, moral, afetivo e social dos adolescentes, assim como já preconiza o ECA e o SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), de forma a oportunizar experiências relacionais, construção de vínculo, a cooperação grupal, o comportamento pró-social e comunicação interpessoal.

 

Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas Inclusivas, do curso de Psicologia, da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro. Outubro de 2021.

Para saber mais:

Coelho, W., G. (2018). Grau de empatia e resposta eletrofisiológica do córtex cerebral a expressões faciais em adultos. Tese de Doutorado.

de Carvalho Rosa, M. A., Campos, F. I., de Carvalho Rosa, M. H., & Milagre, G. F. (2014). Políticas Públicas e adolescentes em conflito com a lei: Entrelaçando análises no contexto dos direitos humanos. Anais SNCMA5.

Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990. Brasília, DF: Câmara dos Deputados. Retrieved February 17, 2009.

Le, T. N., Lai, M. H., & Wallen, J. (2009). Multiculturalism and subjective happiness as mediated by cultural and relational variables. Cultural Diversity and Ethnic Minority Psychology, 15, 303–313.

Mella, L. L., Limberger, J., & Andretta, I. (2015). Políticas públicas e adolescentes em conflito com a lei: revisão sistemática da literatura nacional. Revista Políticas Públicas & Cidades-2359-15521(2), 88-99.

Monte, F. F. D. C., & Sampaio, L. R. (2012). Práticas pedagógicas e moralidade em unidade de internamento de adolescentes autores de atos infracionais. Psicologia: Reflexão e Crítica25, 368-377.

Nardi, F. L., & Dell'aglio, D. D. (2010). Delinquência Juvenil: Uma revisão teórica. Acta Colombiana de Psicología13(2), 69-77. 

Rosalen, P. C., & Salles, L. M. F. (2002). O jovem infrator na visão dos profissionais da FEBEM – Rio Claro. Educação: Teoria e Prática, 10(8), 31-42.

Sampaio, L., R. (2007). A psicologia e a educação moral. Psicologia: Ciência e Profissão27(4), 584-595.https://doi.org/10.1590/S1414-98932007000400002.

Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. (2012). SINASE. Brasília, DF: Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Thomann, C. R. B., & Suyemoto, K. L. (2018). Developing an antiracist stance: How White youth understand structural racism. Journal of Early Adolescence, 38, 745–771.

 

O racismo estrutural e seu reflexo na educação

  


Eduarda Modesto Coelho

eduarda.modesto@discente.univasf.edu.br

Emiliane Silva Santana

emiliane.santana@discente.univasf.edu.br

Iara Souza Libório

iara.liborio@discente.univasf.edu.br

Noemi Silva Régis

noemi.regis@discente.univasf.edu.br

Graduandas de Psicologia

Universidade Federal do Vale do São Francisco - Univasf



O racismo estrutural, enquanto processo histórico e político, constitui-se como elemento potencializador para que determinados grupos étnicos-raciais sejam discriminados, vivendo sob condições de desvantagem em todos os âmbitos de forma contínua e permanente. Dessa forma, os conflitos raciais podem ser percebidos como parte das instituições, pois como afirma Sílvio Almeida (2018, p. 26): 

A desigualdade racial é uma característica da sociedade não apenas por causa da ação isolada de grupos ou de indivíduos racistas, mas fundamentalmente porque as instituições são hegemonizadas por determinados grupos raciais que utilizam mecanismos institucionais para impor seus interesses políticos e econômicos”. 

Nesse sentido, estruturalmente, é inevitável que a educação também seja afetada diretamente por esse processo, refletindo na cultura escolar a reprodução simbólica de concepções raciais e contribuindo de maneira camuflada para o silenciamento, negação e exclusão desses grupos (RAPOSO; ALMEIDA; SANTOS, 2021).

Considerando o papel fundamental da escola na socialização dos conhecimentos e no progresso moral do aluno, o racismo estrutural, nesse contexto, afeta o desenvolvimento do indivíduo como cidadão. Dessa forma é importante refletir como a dinâmica escolar se dispõe diante a complexidade dos tensionamentos das relações raciais para a construção de uma cultura escolar, uma vez que ainda persiste uma linguagem colonial assegurada pela dimensão pedagógica que contribui para a negação de um discurso intercultural (RAPOSO; ALMEIDA; SANTOS, 2021).

Visto isso, quanto a visão da Psicologia frente ao racismo estrutural, a Análise do Comportamento tem buscado entender e explicar como se dá a dinâmica do preconceito racial a partir da identificação de da aquisição funcional de estímulo. Nesse sentido, a Teoria das Molduras Relacionais (RFT- Relational Frame Theory) baseia-se no postulado de que nós aprendemos a abstrair propriedades relacionais entre estímulos, tais como maior/menor, acima /abaixo, vem antes/depois, dentre outras. Esses atributos são aprendidos quando somos expostos a estímulos e aprendemos, por exemplo, que algo é maior/menor, alto/baixo. Essa forma de aprendizagem direta acaba por ser generalizada às demais situações, mesmo que não tenhamos sido expostos a elas anteriormente. No entanto, quando falamos em preconceito racial em nossa sociedade, as coisas não se dão exatamente de uma forma direta. 

Diferente disso, se dá a partir do que chamamos de Responder Relacional Arbitrariamente Aplicável (RRAA), em que há uma otimização no processo de aprendizagem, havendo cada vez mais estímulos sendo relacionados sem precisar de exposição direta (De SILVA, 2019). Nesse sentido, segundo Mizael e De Rose (2017), não é necessário ensinar, de forma direta, a relação “preto-ruim”, por exemplo, já que ela pode ser aprendida, a partir de outras relações, tais como preto se refere a luto, que se refere a morte e essa é, socialmente, tida como algo ruim. Isso, da mesma forma que o branco, tido como oposto ao preto, é referência de pureza, bondade e coisas celestiais”. Assim, quando se fala em racismo, não significa que seja algo que é dito diretamente, mas algo que está imbricado na nossa forma de enxergar e se relacionar com o outro.

Uma das formas de expressão do racismo estrutural corresponde à desigualdade de acesso à educação. Esse modo de exclusão opera impedindo que pessoas negras tenham o direito à educação de qualidade concretizado, tornando-a um meio de controle social, visto que o espaço acadêmico fica limitado a uma determinada classe. O Estado tem um papel importante nessa problemática, uma vez que falha em garantir que a instituição escolar inclua de maneira plena justamente àqueles já se encontram em situação de vulnerabilidade social (BERSANI, 2017).

Como pode ser observado nos dados acerca do abandono escolar apresentados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), no ano de 2019, quase  50 milhões de jovens brasileiros com idade entre 14 e 29 anos, equivalentes a 20,2% da população não concluíram o ensino médio, seja por terem abandonado a escola antes do término desta etapa, seja por nunca tê-la frequentado. No que diz respeito ao gênero dos jovens nesta situação, 58,3% correspondem ao masculino e 41,7% ao feminino; em relação a cor ou raça, 27,3% eram brancos e 71,7% pretos ou pardos. Já no que se refere a causa desse fenômeno, o principal motivo apontado pelos jovens foi a necessidade de trabalhar como fator prioritário. Em nosso país, esse grupo corresponde a 39,1% dos sujeitos que abandonaram ou nunca frequentaram escola. Por este motivo, evidencia-se que os homens correspondem 50,0% e as pessoas brancas a 40,0%. Em relação às mulheres, a principal causa de abandono escolar foi não ter interesse em estudar (24,1%), seguido de gravidez (23,8%) e trabalho (23,8%). Além do mais, 11,5% delas indicaram a realização de tarefas domésticas como o principal motivo de terem abandonado ou nunca frequentado escola, enquanto que para os homens, este percentual foi inexpressivo (IBGE, 2019).

Partindo disso, o ambiente escolar ao consolidar e naturalizar crenças preconceituosas presentes na estrura social brasileira, mantém e reproduz o racismo através de práticas que inviabilizam a presença de pessoas negras no espaço educacional, isso se dá, por exemplo, na ausência da figura do negro e de sua cultura e/ou na utilização de representações estereotipadas em seus materiais didáticos. Isso também ocorre por meio da linguagem não verbal, na forma diferenciada de tratamento que os estudantes negros recebem por partes das autoridades escolar, bem como no silêncio desses agentes escolares diante de  situações de clara discriminação racial, seja pela naturalização do sofrimento decorrente de atitutes discriminatórias, seja pela defesa de discursos tendenciosos através de piadas ou insultos implícitos no cotidiano (DO VALE; DOS SANTOS, 2019).

Mudanças somente serão alcançadas através do enfrentamento do racismo na escola. De acordo com Carvalho e França (2019), atualmente pode-se constatar que práticas de enfrentamento contribuem positivamente com os currículos e com o ensino para o combate ao preconceito, mediante a ênfase de diretrizes curriculares que valorizam a cultura africana e que facilitam a produção de atividades culturais. Também influenciam a revisão crítica de diversos livros didáticos, que direta ou indiretamente, reforçam o racismo; assim como uma mudança na formação de docentes, para que estejam mais atentos e que possam reagir corretamente a situações de racismo; concomitantemente com estratégias de combate embasadas nas políticas afirmativas e no sistema de cotas; e implementação da Lei n. 10.639/2003, que incluiu a obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira nas escolas.

Diante do exposto, é inegável que as questões que surgem em razão do racismo estrutural devam ser abordadas no contexto escolar, já que neste ambiente ele também é reproduzido, além de ser um local em que situações de debate e reflexão podem ser favorecidas. Portanto, é necessário discutir cada vez mais metodologias específicas e um currículo escolar transversal e transdisciplinar que objetive tornar os  estudantes indivíduos conscientes e agentes de mudança. É imprescindível uma educação que não ignore as narrativas e cultura negra, uma educação antirracista, com enfoque nos direitos humanos, evidenciando os fatores históricos e como estes afetam a realidade social atual, investindo na conscientização desses alunos sobre o assunto e buscando eliminar a violência e discriminação (FAUSTINO, 2020).

Esse texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas Inclusivas, do curso de Psicologia da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro em Outubro de 2021.

 

Para Saber Mais:

ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG): Letramento, 2018. 

BERSANI, Humberto. Racismo estrutural e o direito à educação. Educação em Perspectiva, v. 8, n. 3, p. 380-397, 2017.

CARVALHO, Daniela Melo da Silva; FRANÇA, Dalila Xavier de. Estratégias de enfrentamento do Racismo na Escola: Uma Revisão integrativa. Revista Educação & Formação, vol. 4, núm. 3, 2019, Setembro-Outubro, pp. 148-168 

DO VALE, Rosiney Aparecida Lopes; DOS SANTOS, Gabriel Gustavo. Racismo na educação escolar: discursos que ferem. Revista Educação em Questão, v. 57, n. 54, 2019.

E SILVA, Eduarda de Oliveira. Comportamento verbal e teoria das molduras relacionais: Convergências e divergências a partir do contextualismo. 2019.

FAUSTINO, Lorena Silva e Silva. Educação em Direitos Humanos como combate ao Racismo Estrutural. Revista Encantar, v. 2, p. 01-11, 17 jul. 2020.

IBGE, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Educação 2019. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101736_informativo.pdf>. 2019.

MIZAEL, Táhcita Medrado; DE ROSE, Júlio César. Análise do comportamento e preconceito racial: Possibilidades de interpretação e desafios. Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, v. 25, n. 3, p. 365-377, 2017.

RAPOSO, Patrícia Lorena; ALMEIDA, Roberta Santos de; SANTOS, Simone Cabral Marinhos dos. O pensamento decolonial como estratégia de enfrentamento ao racismo estrutural no contexto escolar. Práxis Educativa, vol. 16, e2115355, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.5212/PraxEduc.v.16.15355.055.

 

PRÁTICAS EDUCATIVAS MANTENEDORAS DAS DIFERENÇAS DE GÊNERO




Ilustração: Drika Araújo


 Jermyson Guimarães de Souza

jermyson.guimaraes@discente.univasf.edu.br

Keisy Roberta Vieira de Araujo Silva

keisy.roberta@discente.univasf.edu.br


Leonardo Rodrigues Vitor

leonardo.rvitor@discente.univasf.edu.br


Graduandos de Psicologia

Universidade Federal do Vale do São Francisco - UNIVASF



Várias áreas de conhecimento, bem como diversas instituições sociais, contribuíram no desenvolvimento das concepções de diferenças entre os gêneros. Alguns nomes como Rousseau (séc. XVIII), Michelet e Froebel (séc. XIX) acreditavam que deveria existir distinções até na educação, sendo ela diferenciada para cada sexo. As escolas eram divididas para homens e para mulheres. A distinção dessas instituições não ocorria pela maneira de passar o conteúdo, mas sim com o que deveria ser ensinado para cada sexo.

Rouquett também traz algumas instruções em seu livro "Código do bom tom" (1845), onde é possível encontrar modos e comportamentos "adequados" para meninos e meninas; acreditava-se que a única semelhança possível entre tais sexos deveria ser apenas as virtudes morais. Nos diversos manuais era encontrado facilmente o homem direcionado a inteligência, enquanto a mulher era direcionada a um comportamento modesto. Com isso, vemos que o sexo masculino é direcionado a um maior prestigio e visibilidade social. 

Existia uma grande restrição do comportamento feminino, meninas eram obrigadas a serem recatadas e disfarçar seus sentimentos, ficando em uma posição de submissão e aceitação de tudo. Elas não podiam ter muitas amigas, eram limitados e quase proibidos que ocorressem contatos longos e frequentes com seus pares, pois poderiam ser compreendidos como de mau tom. Em todos os meios que eram propagadas influências sociais, existia um esforço enorme de controle, as meninas deveriam sempre manter um olhar baixo e nunca se destacar em uma conversação, uma vez que o silêncio era tido como o mais belo adorno para as mulheres. 

Essas restrições deixam claro a grande preocupação social com a sexualidade, estando esta submetida a uma vigilância constante. Por exemplo, o guia das escolas maristas, praticava uma forte vigilância direcionada à sexualidade dos alunos. De ordem religiosa, este guia garantia um cuidado minucioso com os meninos, pois a todo custo eram proibidas certas "familiaridades perigosas", como o contato íntimo entre os alunos. Na contemporaneidade, ressurgem os modelos de escola exclusivas para meninos e meninas, as “single-sex” estão presentes em mais de 70 países, inclusive no Brasil, e justificam-se na ideia de proporcionar um currículo adaptado aos ritmos impostos a cada gênero. Consequentemente, este modelo vai na contramão dos debates atuais sobre essa temática. 

Alguns estudos realizados a partir de brincadeiras infantis, mostram que a priori não existem, de forma tão visível, preferências tão bem demarcadas por brincadeiras “de meninos” e “de meninas” pelos respectivos gêneros. A partir disso, é possível compreender que não existem, organicamente, práticas sexistas entre as crianças, elas vão aprendendo essa hierarquização dos sexos a partir do momento que adentram o meio escolar, etapa do desenvolvimento em que ocorre maior contato social.

Nesse sentido, é possível enxergar a escola como contribuinte na formação e apreensão dos padrões, isso quando a mesma pratica um ensinamento intrínseco dos comportamentos diferenciados entre os sexos. Contudo, essas classificações de papéis sexuais são construções culturais presentes primordialmente na relação dos adultos, algo que ainda não é presente na cultura da primeira infância. Com a atenção voltada para o sistema escolar, é percebido que quando o professor(a) não reflete sobre sua influência nas relações dos alunos, acaba favorecendo a manutenção do sexismo e fazendo com que crianças comecem a distinguir papéis sexuais.

Essas normas regulatórias são mecanismos utilizados constantemente com o intuito de determinar modelos de performatividades especificas, e que classificam os gêneros a partir de um materialização do sexo, determinando suas possibilidades e modelo. Esse processo ocasiona em um movimento de distinção binária que implica na oposição e hierarquização dos gêneros e consequentemente na normalização e naturalização de padrões de comportamentos, essa prática finda na exclusão e marginalização de indivíduos que desviem das normas empregadas. A exemplo disso, podemos citar o apagamento de crianças LGBTQIAP+, a omissão das escolas e a negligência política na oferta de educação sexual de qualidade e voltada para abertura à diversidade.

Essa negligência, não apenas com a falta da oferta de educação sexual de qualidade nas escolas, mas com um modelo de educação contextualizado com a diversidade, também é mostrado pelas diversas leis municipais que foram aprovadas em vários locais do país a fim de proibir as discussões e produções que fossem alinhadas aos temas de gênero e sexualidade, por exemplo, a  Lei 2.985 de 19 de dezembro de 2017 votada na Câmara Municipal de Vereadores de Petrolina - PE. No entanto, após vários movimentos contrários, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou essas leis como inconstitucionais.

         Por fim, é preciso abrir espaço para uma nova forma de pensar a cultura e a própria educação. Essa nova forma de pensar também estaria atenta para o processo de construção das diferenças, fazendo com que fosse possível para o aluno, desde a infância, percebê-las como não distantes, mas presentes na sua vivência. Essa pedagogia serviria para que fosse possível uma reviravolta e perturbação nos modos convencionais de conhecimento e produção dos corpos, ela precisaria ser diversa e garantir as diferenças entre os sujeitos.

Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas Inclusivas, do curso de Psicologia, da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro. Outubro de 2021.

Para saber mais:

BRASIL. Ricardo Westin. Senado Federal. Para lei escolar do Império, meninas tinham menos capacidade intelectual que meninos. 2020. Fonte: Agência Senado. https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/nas-escolas-do-imperio-menino-estudava-geometria-e-menina-aprendia-corte-e-costura.

BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O CORPO EDUCADO: PEDAGOGIAS DA SEXUALIDADE. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

FELIPE, Jane. Infância, Gênero e Sexualidade. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 25, n. 1, p.115-131. 2000.

FINCO, Daniela F.. Relações de gênero nas brincadeiras de meninos e meninas na educação infantil. Pro-posições, Campinas, v. 14, n. 3, p.89-101, set/dez. 2003.

FONSECA, Sibelle. Pretonobranco. Miguel Coelho ignora abaixo-assinado LGBT e sanciona lei que proíbe discussão de gênero nas escolas de Petrolina. Brasil. 2018. https://pretonobranco.org/2018/01/18/miguel-coelho-ignora-abaixo-assinado-lgbt-e-sanciona-lei-que-proibe-discussao-de-genero-nas-escolas-de-petrolina/.

LOURO, Guacira Lopes. Um Corpo Estranho: Ensaios sobre Sexualidade e Teoria Queer. Belo Horizonte: Autentica, 2004.

LOURO, Guacira Lopes. A construção escolar das diferenças. In: LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2003b. p. 57-87.

PRADO, Ricardo. Gazeta do Povo. Só para meninos (ou meninas): escolas com sexo único voltam a ganhar espaço. Brasil. 2017. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/so-para-meninos-ou-meninas-escolas-com-sexo-unico-voltam-a-ganhar-espaco-6ntf28dmqom2gy6q5z9yg0a6r/.

PSOL. PSOL questiona leis que proíbem disciplinas sobre gênero e orientação sexual. Brasil. 2018. 
https://psol50.org.br/psol-questiona-no-leis-que-proibem-disciplinas-sobre-genero-e-orientacao-sexual/.

INTERESSE PÚBLICO X INTERESSE PRIVADO: PRÁTICAS QUE SE APROXIMAM DO MODELO MEDICALIZANTE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO


                                                                      Imagem: Pixabay

 

Israel Henrique Oliveira Rodrigues

israel.henrique@discente.univasf.edu.br

 

Larissa Guimarães de Oliveira

larissa.goliveira@discente.univasf.edu.br

 

Vítor Macêdo Fagundes

vitor.macedo@discente.univasf.edu.br

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Graduandos de Psicologia

Universidade Federal do Vale do São Francisco - Univasf

 

Ser psicólogo escolar no Brasil não é algo fácil, uma vez que lhe é designado solucionar, de imediato, problemas com alunos de baixo rendimento ou mal comportamento. Entretanto, muitas vezes, não é dada a devida estrutura para haver a atuação adequada. Não é incomum que, ainda hoje, seja esperado que o psicólogo atenda em escolas de forma clínica, o que não corresponde à demanda local, que abrange alunos com realidades sociais e culturais diferentes, precisando esses aspectos serem levados em consideração durante o fazer profissional. 

Um grande obstáculo que causa vários problemas escolares é a culpabilização dos alunos, que são julgados incapazes devido à falta de interesse ou por um problema orgânico que a escola acredita existir, impossibilitando-os de aprender. Desse modo, problemas estruturais que influenciam o baixo rendimento são escanteados, e os principais agentes nesse ambiente, profissionais de educação e o próprio governo, são isentos das responsabilidades no processo ensino-aprendizagem. Percebe-se, então, que o desafio do psicólogo começa na quebra de tal pensamento dos profissionais da educação, pois é preciso que esses entendam que todos possuem um papel muito importante na aprendizagem de cada aluno. 

Ao nos depararmos com os problemas relativos ao mau desempenho escolar, somos convocados, como psicólogos, a perceber as variáveis que envolvem o não sucesso do aluno, sucesso este que significa emitir respostas que sejam esperadas para a sua idade e série, estar em paz em seu ambiente familiar e numa relação de troca proveitosa com o docente responsável. Qualquer desencontro nessa teia de relações pode resultar em algo não desejado, equivalente ao fracasso que, no ambiente escolar, ocupa um lugar de doença, que será investigada e até mesmo criada para que se tenha um controle sobre o que foge do esperado. 

Tal problemática diz respeito à medicalização, que consiste num modelo de abordagem sobre o problema pautado numa base biológica, individual e estigmatizante, à medida em que a causa do problema é colocada como responsabilidade da pessoa que sofre. Esse modelo é interessante para a esfera privada, à medida em que lucra com os tratamentos para as doenças. Por isso, as políticas voltadas para a construção comunitária e democrática de enfrentamento às mazelas sociais não ganham espaço nesse território, pois, caso as doenças sejam enfrentadas com a promoção de hábitos mais saudáveis, diminuiria a procura pelo tratamento individual. Em contrapartida, deve-se construir modelos de superação que separe o que é patológico do que é uma reação natural a um ambiente inóspito. 

Ao se debruçar sobre o fenômeno escolar, o psicólogo deve compreender a escola como parte de um contexto maior, que é a sociedade. Os problemas familiares, de exclusão e vulnerabilidade social devem ser considerados no processo de formação de um indivíduo, contudo, o que tem ganhado espaço nos projetos públicos são políticas de compensação e reparação de mazelas sociais de forma assistencialista e não emancipatória, ao mesmo tempo em que servem ao interesse da elite monopolizante. 

Como exemplo, temos o não investimento em leis que regulamentam a atuação interprofissional de base sociológica, como a Lei 13.935/19, que institui os serviços de Psicologia e Serviço Social na Educação básica, que, mesmo há quase dois anos de sua implementação, não produziu os efeitos esperados por inércia do poder público. Mas esse, ao mesmo tempo, investe em políticas de terceirização, a exemplo do PL 434/19, no estado de São Paulo, que institui o Programa Voucher Educação, que oferece vagas para crianças e adolescentes na rede particular de ensino com base em critérios de meritocracia, mediante parceria público-privada. 

Esses exemplos parecem evidenciar o quanto a produção de determinados conhecimentos, de diagnósticos e de leis se sustentam, muitas vezes, em interesses comerciais privados, e não com interesse no bem-estar da população – o que, inevitavelmente, reforça o processo de medicalização e seu caráter de reduzir questões sociais ao âmbito individual, como se a causa de um problema fosse única e exclusiva da pessoa que o possui. 

Entretanto, é possível superar essa visão reducionista, e o psicólogo tem um papel fundamental neste processo. Ele pode promover uma nova visão a respeito dos alunos como seres integrais e promover ações de saúde focando essa integralidade no ambiente escolar. Não obstante, faz-se importante pensar em intervenções outras que permitam aos professores reconhecerem as dificuldades presentes no processo de escolarização a fim de aperfeiçoá-lo, já que esse faz parte de algo muito maior, no qual ele, ao lado de outros processos, faz parte de uma imensa rede social, cultural, pedagógica, política, afetiva e institucional – não apenas individual, muito menos médica.

Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas, do curso de Psicologia, da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro. Outubro de 2021.

Para saber mais:

São Paulo, Assembleia Legislativa do Estado. “Voucher da Educação é aprovado em comissão. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=404541. 2019.

ESCOLAS CÍVICO-MILITARES: UM ATENTADO CONTRA A DEMOCRACIA EDUCACIONAL

 

                                                                Imagem: averdade.org


Karla Maria Pereira dos Santos

karlasantos30.ls@gmail.com

Lucas Carvalho Silva

lucas96flasilva@gmail.com

Monique Emily

monique.emily@discente.univasf.edu.br

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Graduandos de Psicologia

Universidade Federal do Vale do São Francisco - Univasf


O Brasil vive uma crescente onda de conservadorismo presente em diversos âmbitos da sociedade que se canaliza estrategicamente nos setores da educação. Após a recente vitória da extrema-direita populista em 2018, grupos neoconservadores manifestaram-se com maior vigor em suas ações, com a intenção de moldar o cenário brasleiro de acordo com os seus ideais. Tais movimentos viram na figura do então presidente JMB uma oportunidade de unirem-se sob uma representação que atendesse a todos os seus interesses neoconservadores e neoliberais, ganhando força e apoio popular para passar suas pautas e projetos de lei, como é o caso das reformas na educação e expansão das escolas militares.

Como apresentado por Graziella Souza dos Santos em seu artigo, “O avanço das políticas conservadoras e o processo de militarização da educação”, presenciamos um avanço de grupos neoliberais e neoconservadores sobre o sistema educacional brasileiro. O primeiro grupo, por razões econômicas, busca através dos controles educacionais manter uma estrutura de classes sem mobilidade social. O segundo grupo sonha com um retorno de valores, que para eles foram perdidos com o novo modelo educacional, o mesmo que democratizou o acesso aos ambientes escolares. Para esse grupo o ideal seria um retorno do Estado regulador, principalmente no tocante a questões de valores, currículo escolar e corpo.

O Neoconservadorismo geralmente possui “uma visão romântica do passado em que habitaria a moralidade, o ‘verdadeiro’ saber, em que as pessoas ‘sabiam o seu lugar’ e as comunidades eram estáveis, orientadas por uma ordem natural, cenário esse corrompido pela sociedade atual” (Graziella Santos, 2021). Dessa forma, é almejado através das escolas cívico-militares uma padronização curricular composta pela defesa de uma educação supostamente patriótica e vinculada aos valores morais de seu grupo, cerceando as diferenças culturais na formação educacional.

Portanto, quando o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, em seu discurso de lançamento do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, definiu estas instituições como ferramentas para o resgate dos valores tradicionais da família brasileira, ele na verdade estava dizendo que neste ambiente não seria tolerado o que é denominado diferente, sendo assim não seriam permitidas ideias e opiniões diferentes e livres. Com isso, todo o pouco avanço que foi conquistado na educação brasileira, como a inclusão das diversidades (pessoas com deficiência, negros, indigenas, mulheres, pobres e pessoas trans), sofreria um enorme retrocesso, visto que o modelo militar vai de encontro ao principio da democratização ao preconizar uma ideia de homogeneização dos alunos.

Outro ponto que merece análise é a gestão destas escolas, que são compartilhadas com militares da reserva das Forças Armadas, policiais e bombeiros militares. Esses seriam os agentes responsáveis por garantir a vivência de uma nova cultura escolar baseada em princípios militares, tendo autonomia para atuar no controle disciplinar e organizacional no cotidiano da escola, bem como em sua gestão administrativa. 

Com o exposto é possível identificar a ideia distorcida do atual governo sobre as escolas, que remete a estas a responsabilidade de uma suposta perda da ordem moral, que teria sido corrompida através dos processos anteriores de democratização da educação. Tendo o Presidente Bolsonaro, inclusive, declarado em seu discurso que deseja através das escolas militares “colocar na cabeça de toda essa garotada a importância dos valores cívico-militares, como tínhamos há pouco no governo militar, sobre educação moral e cívica, sobre respeito à bandeira”. Aqui é válido trazer o seguinte questionamento: quais valores são estes tão buscados pelos conservadores? Considerando que hoje vivemos em uma sociedade em muitas maneiras diferente da época em que estes tais valores imperavam, o progresso viabilizou novos estilos de vida e multiplicou as possibilidades humanas. 

Também cabe uma reflexão sobre a forma “mascarada” com a qual as escolas cívico-militares são apresentadas à sociedade. Os parâmetros comparativos entre os colégios militares e as escolas públicas são enviesados, pois não consideram as suas diferenças, como os valores de investimento e os meios de acesso, já que é necessário passar por um processo seletivo para o ingresso nestas instituições, enquanto as escolas públicas atendem a mais de 80% dos estudantes brasileiros.

Por fim, é preciso ressaltar que o atual governo e seus grupos conservadores e econômicos buscam acabar com conquistas que são frutos de anos de luta, de transformação das escolas em ambientes democráticos e plurais, em quais jovens e adultos podem se expressar em suas singularidades, socializar e exercer suas cidadanias, tendo acesso a conhecimento livre e diverso.

 

ESCOLAS CÍVICO-MILITARES: UM ATENTADO CONTRA A DEMOCRACIA EDUCACIONAL

Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas Inclusivas, do curso de Psicologia, da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro. Outubro de 2021.

Para saber mais:

Dos Santos, G. S. (2020). O avanço das políticas conservadoras e o processo de militarização da educação. Práxis Educativa (Brasil)15, e2015348.

A PANDEMIA E O ACESSO À EDUCAÇÃO: AVANÇOS E RETROCESSOS

  


Carolina Obata

obata.carolina@gmail.com

 

 Iracema Mayara 

iracema.mayara@hotmail.com

 

Mariana Simon

marianabsimon@gmail.com

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Graduandas de Psicologia

Universidade Federal do Vale do São Francisco - UNIVASF

 

 

 

Com a propagação da Covid-19, em março de 2020, medidas de isolamento social foram implantadas no Brasil numa tentativa de controlar os números de contagiados que cresciam exponencialmente. Tais medidas afetam os diversos contextos sociais, inclusive o da educação, fazendo com que as instituições educativas suspendessem quaisquer formas de ensino  presencial. 

No Brasil, o Ministério da Educação desenvolveu planos para lidar com a nova realidade que incluíam aulas em plataformas online, disponibilização de conteúdo programático digital, vídeo aulas pré-gravadas, avaliações remotas, dentre outros artifícios que possibilitasse o ensino à distância. Todo esse movimento se deu de forma muito improvisada e frágil, o que acarretou em muitos problemas relacionados não somente ao acesso dos alunos e professores, mas também na questão da qualidade da aprendizagem como um todo.

Se pensarmos que o movimento de adesão às tecnologias da educação telepresencial enfrentava resistências antes da pandemia e que a sua implantação ocorreu num momento emergencial, é possível perceber contradições nesse processo? Existem desafios que precisam ser superados e que lições podemos tirar das mudanças e adaptações que a escola teve que sofrer? O que esperar das políticas públicas brasileiras diante deste panorama?

A tecnologia ocupa hoje um espaço de destaque no processo educacional pós-pandêmico, seu uso possibilitou que o vínculo entre alunos e escola não fosse quebrado, mesmo diante de um evento extremo como foi a pandemia do Covid-19. Por outro lado, abriu caminho para que plataformas que dominam o mercado de streaming como a Google, Amazon, Facebook, Apple, ganhassem ainda mais poder e controlassem o acesso à escola. Além disso, vimos escancarar as desigualdades sociais, uma vez que as políticas públicas não conseguiram suplantar o abismo existente entre as escolas públicas e privadas, sequer no quesito de acesso às aulas virtuais.  

Os desafios são inúmeros, é necessário que possamos identificar os pontos positivos do modelo de escola implementada, onde o espaço doméstico interage diretamente com o escolar, mas que não deixemos de perceber que a construção do modelo escolar, não pode ser privatizado e individualizado, ou seja, a escola deve ser um local de trocas e de construção coletiva. É fato que o ensino remoto no contexto de isolamento social foi necessário e paliativo, contudo várias questões sobre o recurso devem ser analisadas. 

Além das desigualdades socioeconômicas de acesso à tecnologia, o engajamento e participação dos alunos também foram comprometidos, pois a modalidade não consegue prover a mesma interação e os mesmos resultados possíveis no ensino presencial. Os professores também sofreram grande pressão, principalmente os que não possuíam familiaridade com o uso das telas e plataformas digitais, já que então lhes era exigido realizar as aulas, reuniões, avaliações e ainda dar conta da correção do material didático de forma virtual. Também, não se pode negar que as mudanças abruptas e o cenário caótico de incertezas e perdas, refletiram num comprometimento emocional de muitos educadores, estudantes, pais e outros envolvidos no processo educativo, de maneira prejudicial ao processo de ensino e aprendizagem. 

Com o retorno às aulas presenciais, faz-se necessário que as escolas possam trabalhar com o ensino de habilidades digitais e que o acesso e as ferramentas de tecnologia (internet, computadores, etc.), bem como os programas necessários (Windows, Microsoft Office,etc.) sejam disponibilizados aos alunos que não tem condições de acesso. Para que a escola seja um local de inclusão, acolhimento e possibilitadora de aprendizagem para todos, será preciso repensar as políticas educacionais, numa tentativa de buscar equidade de possibilidades, principalmente para as camadas sociais mais desfavorecidas. 

Diante desse novo cenário, percebe-se a necessidade da formulação de políticas públicas que abranjam todas as camadas sociais. Isso se dá na medida em que já foi evidenciado o agravamento da desigualdade educacional e da qualidade na educação pública provenientes do ensino remoto. Isso mostra que apesar dos benefícios e mudanças ocorridas nesse período, essa modalidade de ensino tende a aumentar a exclusão a nível educacional. Sendo assim, são muitos desafios a serem enfrentados a fim de recuperar as perdas ocorridas nesse período, demandando novos investimentos de maneira substancial na educação básica, como também uma boa organização e planejamento dos trabalhos pedagógicos. 

Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas Inclusivas, do curso de Psicologia, da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro. Outubro de 2021.                                                                             

 

Para saber mais:

 

Cardoso, C. A., Ferreira, V. A., & Barbosa, F. C. G. (2020). (Des) igualdade de acesso à educação em tempos de pandemia: uma análise do acesso às tecnologias e das alternativas de ensino remoto. Revista Com Censo: Estudos Educacionais do Distrito Federal, 7(3), 38-46.

 

Cunha, L. F. F. D., Silva, A. D. S., & Silva, A. P. D. (2020). O ensino remoto no Brasil em tempos de pandemia: diálogos acerca da qualidade e do direito e acesso à educação.