sábado, 9 de outubro de 2021

O racismo estrutural e seu reflexo na educação

  


Eduarda Modesto Coelho

eduarda.modesto@discente.univasf.edu.br

Emiliane Silva Santana

emiliane.santana@discente.univasf.edu.br

Iara Souza Libório

iara.liborio@discente.univasf.edu.br

Noemi Silva Régis

noemi.regis@discente.univasf.edu.br

Graduandas de Psicologia

Universidade Federal do Vale do São Francisco - Univasf



O racismo estrutural, enquanto processo histórico e político, constitui-se como elemento potencializador para que determinados grupos étnicos-raciais sejam discriminados, vivendo sob condições de desvantagem em todos os âmbitos de forma contínua e permanente. Dessa forma, os conflitos raciais podem ser percebidos como parte das instituições, pois como afirma Sílvio Almeida (2018, p. 26): 

A desigualdade racial é uma característica da sociedade não apenas por causa da ação isolada de grupos ou de indivíduos racistas, mas fundamentalmente porque as instituições são hegemonizadas por determinados grupos raciais que utilizam mecanismos institucionais para impor seus interesses políticos e econômicos”. 

Nesse sentido, estruturalmente, é inevitável que a educação também seja afetada diretamente por esse processo, refletindo na cultura escolar a reprodução simbólica de concepções raciais e contribuindo de maneira camuflada para o silenciamento, negação e exclusão desses grupos (RAPOSO; ALMEIDA; SANTOS, 2021).

Considerando o papel fundamental da escola na socialização dos conhecimentos e no progresso moral do aluno, o racismo estrutural, nesse contexto, afeta o desenvolvimento do indivíduo como cidadão. Dessa forma é importante refletir como a dinâmica escolar se dispõe diante a complexidade dos tensionamentos das relações raciais para a construção de uma cultura escolar, uma vez que ainda persiste uma linguagem colonial assegurada pela dimensão pedagógica que contribui para a negação de um discurso intercultural (RAPOSO; ALMEIDA; SANTOS, 2021).

Visto isso, quanto a visão da Psicologia frente ao racismo estrutural, a Análise do Comportamento tem buscado entender e explicar como se dá a dinâmica do preconceito racial a partir da identificação de da aquisição funcional de estímulo. Nesse sentido, a Teoria das Molduras Relacionais (RFT- Relational Frame Theory) baseia-se no postulado de que nós aprendemos a abstrair propriedades relacionais entre estímulos, tais como maior/menor, acima /abaixo, vem antes/depois, dentre outras. Esses atributos são aprendidos quando somos expostos a estímulos e aprendemos, por exemplo, que algo é maior/menor, alto/baixo. Essa forma de aprendizagem direta acaba por ser generalizada às demais situações, mesmo que não tenhamos sido expostos a elas anteriormente. No entanto, quando falamos em preconceito racial em nossa sociedade, as coisas não se dão exatamente de uma forma direta. 

Diferente disso, se dá a partir do que chamamos de Responder Relacional Arbitrariamente Aplicável (RRAA), em que há uma otimização no processo de aprendizagem, havendo cada vez mais estímulos sendo relacionados sem precisar de exposição direta (De SILVA, 2019). Nesse sentido, segundo Mizael e De Rose (2017), não é necessário ensinar, de forma direta, a relação “preto-ruim”, por exemplo, já que ela pode ser aprendida, a partir de outras relações, tais como preto se refere a luto, que se refere a morte e essa é, socialmente, tida como algo ruim. Isso, da mesma forma que o branco, tido como oposto ao preto, é referência de pureza, bondade e coisas celestiais”. Assim, quando se fala em racismo, não significa que seja algo que é dito diretamente, mas algo que está imbricado na nossa forma de enxergar e se relacionar com o outro.

Uma das formas de expressão do racismo estrutural corresponde à desigualdade de acesso à educação. Esse modo de exclusão opera impedindo que pessoas negras tenham o direito à educação de qualidade concretizado, tornando-a um meio de controle social, visto que o espaço acadêmico fica limitado a uma determinada classe. O Estado tem um papel importante nessa problemática, uma vez que falha em garantir que a instituição escolar inclua de maneira plena justamente àqueles já se encontram em situação de vulnerabilidade social (BERSANI, 2017).

Como pode ser observado nos dados acerca do abandono escolar apresentados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), no ano de 2019, quase  50 milhões de jovens brasileiros com idade entre 14 e 29 anos, equivalentes a 20,2% da população não concluíram o ensino médio, seja por terem abandonado a escola antes do término desta etapa, seja por nunca tê-la frequentado. No que diz respeito ao gênero dos jovens nesta situação, 58,3% correspondem ao masculino e 41,7% ao feminino; em relação a cor ou raça, 27,3% eram brancos e 71,7% pretos ou pardos. Já no que se refere a causa desse fenômeno, o principal motivo apontado pelos jovens foi a necessidade de trabalhar como fator prioritário. Em nosso país, esse grupo corresponde a 39,1% dos sujeitos que abandonaram ou nunca frequentaram escola. Por este motivo, evidencia-se que os homens correspondem 50,0% e as pessoas brancas a 40,0%. Em relação às mulheres, a principal causa de abandono escolar foi não ter interesse em estudar (24,1%), seguido de gravidez (23,8%) e trabalho (23,8%). Além do mais, 11,5% delas indicaram a realização de tarefas domésticas como o principal motivo de terem abandonado ou nunca frequentado escola, enquanto que para os homens, este percentual foi inexpressivo (IBGE, 2019).

Partindo disso, o ambiente escolar ao consolidar e naturalizar crenças preconceituosas presentes na estrura social brasileira, mantém e reproduz o racismo através de práticas que inviabilizam a presença de pessoas negras no espaço educacional, isso se dá, por exemplo, na ausência da figura do negro e de sua cultura e/ou na utilização de representações estereotipadas em seus materiais didáticos. Isso também ocorre por meio da linguagem não verbal, na forma diferenciada de tratamento que os estudantes negros recebem por partes das autoridades escolar, bem como no silêncio desses agentes escolares diante de  situações de clara discriminação racial, seja pela naturalização do sofrimento decorrente de atitutes discriminatórias, seja pela defesa de discursos tendenciosos através de piadas ou insultos implícitos no cotidiano (DO VALE; DOS SANTOS, 2019).

Mudanças somente serão alcançadas através do enfrentamento do racismo na escola. De acordo com Carvalho e França (2019), atualmente pode-se constatar que práticas de enfrentamento contribuem positivamente com os currículos e com o ensino para o combate ao preconceito, mediante a ênfase de diretrizes curriculares que valorizam a cultura africana e que facilitam a produção de atividades culturais. Também influenciam a revisão crítica de diversos livros didáticos, que direta ou indiretamente, reforçam o racismo; assim como uma mudança na formação de docentes, para que estejam mais atentos e que possam reagir corretamente a situações de racismo; concomitantemente com estratégias de combate embasadas nas políticas afirmativas e no sistema de cotas; e implementação da Lei n. 10.639/2003, que incluiu a obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira nas escolas.

Diante do exposto, é inegável que as questões que surgem em razão do racismo estrutural devam ser abordadas no contexto escolar, já que neste ambiente ele também é reproduzido, além de ser um local em que situações de debate e reflexão podem ser favorecidas. Portanto, é necessário discutir cada vez mais metodologias específicas e um currículo escolar transversal e transdisciplinar que objetive tornar os  estudantes indivíduos conscientes e agentes de mudança. É imprescindível uma educação que não ignore as narrativas e cultura negra, uma educação antirracista, com enfoque nos direitos humanos, evidenciando os fatores históricos e como estes afetam a realidade social atual, investindo na conscientização desses alunos sobre o assunto e buscando eliminar a violência e discriminação (FAUSTINO, 2020).

Esse texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas Inclusivas, do curso de Psicologia da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro em Outubro de 2021.

 

Para Saber Mais:

ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG): Letramento, 2018. 

BERSANI, Humberto. Racismo estrutural e o direito à educação. Educação em Perspectiva, v. 8, n. 3, p. 380-397, 2017.

CARVALHO, Daniela Melo da Silva; FRANÇA, Dalila Xavier de. Estratégias de enfrentamento do Racismo na Escola: Uma Revisão integrativa. Revista Educação & Formação, vol. 4, núm. 3, 2019, Setembro-Outubro, pp. 148-168 

DO VALE, Rosiney Aparecida Lopes; DOS SANTOS, Gabriel Gustavo. Racismo na educação escolar: discursos que ferem. Revista Educação em Questão, v. 57, n. 54, 2019.

E SILVA, Eduarda de Oliveira. Comportamento verbal e teoria das molduras relacionais: Convergências e divergências a partir do contextualismo. 2019.

FAUSTINO, Lorena Silva e Silva. Educação em Direitos Humanos como combate ao Racismo Estrutural. Revista Encantar, v. 2, p. 01-11, 17 jul. 2020.

IBGE, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Educação 2019. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101736_informativo.pdf>. 2019.

MIZAEL, Táhcita Medrado; DE ROSE, Júlio César. Análise do comportamento e preconceito racial: Possibilidades de interpretação e desafios. Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, v. 25, n. 3, p. 365-377, 2017.

RAPOSO, Patrícia Lorena; ALMEIDA, Roberta Santos de; SANTOS, Simone Cabral Marinhos dos. O pensamento decolonial como estratégia de enfrentamento ao racismo estrutural no contexto escolar. Práxis Educativa, vol. 16, e2115355, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.5212/PraxEduc.v.16.15355.055.

 

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