sábado, 9 de outubro de 2021

INTERESSE PÚBLICO X INTERESSE PRIVADO: PRÁTICAS QUE SE APROXIMAM DO MODELO MEDICALIZANTE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO


                                                                      Imagem: Pixabay

 

Israel Henrique Oliveira Rodrigues

israel.henrique@discente.univasf.edu.br

 

Larissa Guimarães de Oliveira

larissa.goliveira@discente.univasf.edu.br

 

Vítor Macêdo Fagundes

vitor.macedo@discente.univasf.edu.br

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Graduandos de Psicologia

Universidade Federal do Vale do São Francisco - Univasf

 

Ser psicólogo escolar no Brasil não é algo fácil, uma vez que lhe é designado solucionar, de imediato, problemas com alunos de baixo rendimento ou mal comportamento. Entretanto, muitas vezes, não é dada a devida estrutura para haver a atuação adequada. Não é incomum que, ainda hoje, seja esperado que o psicólogo atenda em escolas de forma clínica, o que não corresponde à demanda local, que abrange alunos com realidades sociais e culturais diferentes, precisando esses aspectos serem levados em consideração durante o fazer profissional. 

Um grande obstáculo que causa vários problemas escolares é a culpabilização dos alunos, que são julgados incapazes devido à falta de interesse ou por um problema orgânico que a escola acredita existir, impossibilitando-os de aprender. Desse modo, problemas estruturais que influenciam o baixo rendimento são escanteados, e os principais agentes nesse ambiente, profissionais de educação e o próprio governo, são isentos das responsabilidades no processo ensino-aprendizagem. Percebe-se, então, que o desafio do psicólogo começa na quebra de tal pensamento dos profissionais da educação, pois é preciso que esses entendam que todos possuem um papel muito importante na aprendizagem de cada aluno. 

Ao nos depararmos com os problemas relativos ao mau desempenho escolar, somos convocados, como psicólogos, a perceber as variáveis que envolvem o não sucesso do aluno, sucesso este que significa emitir respostas que sejam esperadas para a sua idade e série, estar em paz em seu ambiente familiar e numa relação de troca proveitosa com o docente responsável. Qualquer desencontro nessa teia de relações pode resultar em algo não desejado, equivalente ao fracasso que, no ambiente escolar, ocupa um lugar de doença, que será investigada e até mesmo criada para que se tenha um controle sobre o que foge do esperado. 

Tal problemática diz respeito à medicalização, que consiste num modelo de abordagem sobre o problema pautado numa base biológica, individual e estigmatizante, à medida em que a causa do problema é colocada como responsabilidade da pessoa que sofre. Esse modelo é interessante para a esfera privada, à medida em que lucra com os tratamentos para as doenças. Por isso, as políticas voltadas para a construção comunitária e democrática de enfrentamento às mazelas sociais não ganham espaço nesse território, pois, caso as doenças sejam enfrentadas com a promoção de hábitos mais saudáveis, diminuiria a procura pelo tratamento individual. Em contrapartida, deve-se construir modelos de superação que separe o que é patológico do que é uma reação natural a um ambiente inóspito. 

Ao se debruçar sobre o fenômeno escolar, o psicólogo deve compreender a escola como parte de um contexto maior, que é a sociedade. Os problemas familiares, de exclusão e vulnerabilidade social devem ser considerados no processo de formação de um indivíduo, contudo, o que tem ganhado espaço nos projetos públicos são políticas de compensação e reparação de mazelas sociais de forma assistencialista e não emancipatória, ao mesmo tempo em que servem ao interesse da elite monopolizante. 

Como exemplo, temos o não investimento em leis que regulamentam a atuação interprofissional de base sociológica, como a Lei 13.935/19, que institui os serviços de Psicologia e Serviço Social na Educação básica, que, mesmo há quase dois anos de sua implementação, não produziu os efeitos esperados por inércia do poder público. Mas esse, ao mesmo tempo, investe em políticas de terceirização, a exemplo do PL 434/19, no estado de São Paulo, que institui o Programa Voucher Educação, que oferece vagas para crianças e adolescentes na rede particular de ensino com base em critérios de meritocracia, mediante parceria público-privada. 

Esses exemplos parecem evidenciar o quanto a produção de determinados conhecimentos, de diagnósticos e de leis se sustentam, muitas vezes, em interesses comerciais privados, e não com interesse no bem-estar da população – o que, inevitavelmente, reforça o processo de medicalização e seu caráter de reduzir questões sociais ao âmbito individual, como se a causa de um problema fosse única e exclusiva da pessoa que o possui. 

Entretanto, é possível superar essa visão reducionista, e o psicólogo tem um papel fundamental neste processo. Ele pode promover uma nova visão a respeito dos alunos como seres integrais e promover ações de saúde focando essa integralidade no ambiente escolar. Não obstante, faz-se importante pensar em intervenções outras que permitam aos professores reconhecerem as dificuldades presentes no processo de escolarização a fim de aperfeiçoá-lo, já que esse faz parte de algo muito maior, no qual ele, ao lado de outros processos, faz parte de uma imensa rede social, cultural, pedagógica, política, afetiva e institucional – não apenas individual, muito menos médica.

Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas, do curso de Psicologia, da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro. Outubro de 2021.

Para saber mais:

São Paulo, Assembleia Legislativa do Estado. “Voucher da Educação é aprovado em comissão. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=404541. 2019.

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