sábado, 9 de outubro de 2021

PRÁTICAS EDUCATIVAS MANTENEDORAS DAS DIFERENÇAS DE GÊNERO




Ilustração: Drika Araújo


 Jermyson Guimarães de Souza

jermyson.guimaraes@discente.univasf.edu.br

Keisy Roberta Vieira de Araujo Silva

keisy.roberta@discente.univasf.edu.br


Leonardo Rodrigues Vitor

leonardo.rvitor@discente.univasf.edu.br


Graduandos de Psicologia

Universidade Federal do Vale do São Francisco - UNIVASF



Várias áreas de conhecimento, bem como diversas instituições sociais, contribuíram no desenvolvimento das concepções de diferenças entre os gêneros. Alguns nomes como Rousseau (séc. XVIII), Michelet e Froebel (séc. XIX) acreditavam que deveria existir distinções até na educação, sendo ela diferenciada para cada sexo. As escolas eram divididas para homens e para mulheres. A distinção dessas instituições não ocorria pela maneira de passar o conteúdo, mas sim com o que deveria ser ensinado para cada sexo.

Rouquett também traz algumas instruções em seu livro "Código do bom tom" (1845), onde é possível encontrar modos e comportamentos "adequados" para meninos e meninas; acreditava-se que a única semelhança possível entre tais sexos deveria ser apenas as virtudes morais. Nos diversos manuais era encontrado facilmente o homem direcionado a inteligência, enquanto a mulher era direcionada a um comportamento modesto. Com isso, vemos que o sexo masculino é direcionado a um maior prestigio e visibilidade social. 

Existia uma grande restrição do comportamento feminino, meninas eram obrigadas a serem recatadas e disfarçar seus sentimentos, ficando em uma posição de submissão e aceitação de tudo. Elas não podiam ter muitas amigas, eram limitados e quase proibidos que ocorressem contatos longos e frequentes com seus pares, pois poderiam ser compreendidos como de mau tom. Em todos os meios que eram propagadas influências sociais, existia um esforço enorme de controle, as meninas deveriam sempre manter um olhar baixo e nunca se destacar em uma conversação, uma vez que o silêncio era tido como o mais belo adorno para as mulheres. 

Essas restrições deixam claro a grande preocupação social com a sexualidade, estando esta submetida a uma vigilância constante. Por exemplo, o guia das escolas maristas, praticava uma forte vigilância direcionada à sexualidade dos alunos. De ordem religiosa, este guia garantia um cuidado minucioso com os meninos, pois a todo custo eram proibidas certas "familiaridades perigosas", como o contato íntimo entre os alunos. Na contemporaneidade, ressurgem os modelos de escola exclusivas para meninos e meninas, as “single-sex” estão presentes em mais de 70 países, inclusive no Brasil, e justificam-se na ideia de proporcionar um currículo adaptado aos ritmos impostos a cada gênero. Consequentemente, este modelo vai na contramão dos debates atuais sobre essa temática. 

Alguns estudos realizados a partir de brincadeiras infantis, mostram que a priori não existem, de forma tão visível, preferências tão bem demarcadas por brincadeiras “de meninos” e “de meninas” pelos respectivos gêneros. A partir disso, é possível compreender que não existem, organicamente, práticas sexistas entre as crianças, elas vão aprendendo essa hierarquização dos sexos a partir do momento que adentram o meio escolar, etapa do desenvolvimento em que ocorre maior contato social.

Nesse sentido, é possível enxergar a escola como contribuinte na formação e apreensão dos padrões, isso quando a mesma pratica um ensinamento intrínseco dos comportamentos diferenciados entre os sexos. Contudo, essas classificações de papéis sexuais são construções culturais presentes primordialmente na relação dos adultos, algo que ainda não é presente na cultura da primeira infância. Com a atenção voltada para o sistema escolar, é percebido que quando o professor(a) não reflete sobre sua influência nas relações dos alunos, acaba favorecendo a manutenção do sexismo e fazendo com que crianças comecem a distinguir papéis sexuais.

Essas normas regulatórias são mecanismos utilizados constantemente com o intuito de determinar modelos de performatividades especificas, e que classificam os gêneros a partir de um materialização do sexo, determinando suas possibilidades e modelo. Esse processo ocasiona em um movimento de distinção binária que implica na oposição e hierarquização dos gêneros e consequentemente na normalização e naturalização de padrões de comportamentos, essa prática finda na exclusão e marginalização de indivíduos que desviem das normas empregadas. A exemplo disso, podemos citar o apagamento de crianças LGBTQIAP+, a omissão das escolas e a negligência política na oferta de educação sexual de qualidade e voltada para abertura à diversidade.

Essa negligência, não apenas com a falta da oferta de educação sexual de qualidade nas escolas, mas com um modelo de educação contextualizado com a diversidade, também é mostrado pelas diversas leis municipais que foram aprovadas em vários locais do país a fim de proibir as discussões e produções que fossem alinhadas aos temas de gênero e sexualidade, por exemplo, a  Lei 2.985 de 19 de dezembro de 2017 votada na Câmara Municipal de Vereadores de Petrolina - PE. No entanto, após vários movimentos contrários, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou essas leis como inconstitucionais.

         Por fim, é preciso abrir espaço para uma nova forma de pensar a cultura e a própria educação. Essa nova forma de pensar também estaria atenta para o processo de construção das diferenças, fazendo com que fosse possível para o aluno, desde a infância, percebê-las como não distantes, mas presentes na sua vivência. Essa pedagogia serviria para que fosse possível uma reviravolta e perturbação nos modos convencionais de conhecimento e produção dos corpos, ela precisaria ser diversa e garantir as diferenças entre os sujeitos.

Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas Inclusivas, do curso de Psicologia, da Univasf, tendo como prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro. Outubro de 2021.

Para saber mais:

BRASIL. Ricardo Westin. Senado Federal. Para lei escolar do Império, meninas tinham menos capacidade intelectual que meninos. 2020. Fonte: Agência Senado. https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/nas-escolas-do-imperio-menino-estudava-geometria-e-menina-aprendia-corte-e-costura.

BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O CORPO EDUCADO: PEDAGOGIAS DA SEXUALIDADE. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

FELIPE, Jane. Infância, Gênero e Sexualidade. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 25, n. 1, p.115-131. 2000.

FINCO, Daniela F.. Relações de gênero nas brincadeiras de meninos e meninas na educação infantil. Pro-posições, Campinas, v. 14, n. 3, p.89-101, set/dez. 2003.

FONSECA, Sibelle. Pretonobranco. Miguel Coelho ignora abaixo-assinado LGBT e sanciona lei que proíbe discussão de gênero nas escolas de Petrolina. Brasil. 2018. https://pretonobranco.org/2018/01/18/miguel-coelho-ignora-abaixo-assinado-lgbt-e-sanciona-lei-que-proibe-discussao-de-genero-nas-escolas-de-petrolina/.

LOURO, Guacira Lopes. Um Corpo Estranho: Ensaios sobre Sexualidade e Teoria Queer. Belo Horizonte: Autentica, 2004.

LOURO, Guacira Lopes. A construção escolar das diferenças. In: LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2003b. p. 57-87.

PRADO, Ricardo. Gazeta do Povo. Só para meninos (ou meninas): escolas com sexo único voltam a ganhar espaço. Brasil. 2017. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/so-para-meninos-ou-meninas-escolas-com-sexo-unico-voltam-a-ganhar-espaco-6ntf28dmqom2gy6q5z9yg0a6r/.

PSOL. PSOL questiona leis que proíbem disciplinas sobre gênero e orientação sexual. Brasil. 2018. 
https://psol50.org.br/psol-questiona-no-leis-que-proibem-disciplinas-sobre-genero-e-orientacao-sexual/.

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