sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Aula sobre amor - ou sobre "realidade e sonho"


Vou levar você para os meus sonhos

Alguns dizem que o amor platônico é sintomático de alguém que, na impotência ou na impossibilidade da realização plena do seu amor, busca, no mundo das ideias, uma compensação. Deixando de lado todo o psicologismo que se encerra neste tipo de leitura, o amor platônico ainda assim é uma vivência, é uma experiência do possível, do que é possível (pelo menos no momento) - não que esteja a defender o amor platônico como modelo de existência. Na verdade, na verdade mesmo, o melhor, pelo menos acredito eu, o melhor é o amor encarnado, realizado em suas máximas. 
Mas quando ele, o amor, é dificultado, é não correspondido, é proibido, é inviabilizado ou mesmo quando é interrompido, o que resta? Resta o sonho, resta o mundo onírico, resta a fantasia, resta o mundo das ideias. Aliás, o sonho é outra coisa em relação ao mundo das ideias. O mundo das ideias, tal como o modelo platônico, é um mundo da razão. O mundo dos sonhos é regido pelo desejo, pelo inconsciente, pela volúpia, pela lassidão, pela libertação total dos instintos. Portanto, não tem nada a ver com aquele mundo das ideias platônico.
De uma maneira diferente, o sonho para alguns é visto como uma realidade que, muitas vezes, se confunde com essa nossa outra realidade. Diz uma história de um sábio oriental que, ao sonhar sendo uma borboleta acordou acreditando que poderia estar sonhando em ser um homem que havia sonhado em ser uma borboleta. Então aonde existiria mesmo a linha divisória entre aquilo que comumente se chama realidade e o sonho?
O sonho, nesse sentido, seria uma realidade. Ou pelo menos outro tipo de realidade. Realidade enquanto vivência, enquanto experiência...
Levá-la, portanto, para o mundo dos sonhos, é o que resta, é o que é possível. Levar o amor, quer dizer, viver o amor na sua dimensão onírica é se entregar a sofreguidão da experiência inevitável de se largar no embalo de tudo que consiste em relação ao amor.
Sim, a experiência. Ainda assim é uma experiência. O amor sofrido, doido, não juntado, não colado, não amancebado, interrompido, vivido por um ente apenas é ainda digno de afirmação. E diria até mais: é privilégio daquele que o vive, é expressão de vida daquele que sente, mesmo que sinta na “sofrência”.
Por estas e outras é que levarei você aos meus sonhos. Neles, carregarei você em cavalos selvagens e nobres. Andarei contigo em campos formosos, aonde o vento soprará teus longos cabelos. De mãos dadas caminharemos pelos prados, nos olharemos apaixonadamente e sentiremos o mundo perfeito porque nossa união quer assim. A vida será uma delícia na medida da nossa entrega e tudo de um será do outro. Os sentidos, tão absurdamente acentuadas, dominarão nossos corpos em insaciáveis reincidências de querer mais, mais uma vez e cada vez mais. Tudo, tudo isso repleto de uma abençoada pureza que transcende a fugacidade de um querer saciar os desejos. É algo a mais, com toda certeza tem algo que ultrapassa o tempo e o espaço. É tão incomensurável e tão, muitas vezes, sem sentido, que piram as explicações que queiram ser lógicas. Mas para que a lógica?
Levarei você para os meus sonhos. Assim, poderei dormir contigo e estarei ao teu lado, livre, liberto. Ao dormir, acordarei em sonho com você. Você será minha, sem problemas, sem medos, sem culpas, sem preocupações. O que resta... Não por minha verdadeira vontade... mas é que me resta e o que posso afirmar.
Nos sonhos você será minha rainha, minha deusa.. eu serei teu homem, teu forte, teu tudo. A posse será desejada as inversas porque adorarei te pertencer e você adorará me pertencer. E as palavras, muitas vezes supérfluas, serão proferidas para ratificar o que já é óbvio e para mimar os ouvidos.
Tantos, tantos sonhos desejados porque neles você estará. Tantos, tantos sonhos sonhados quanto forte e intenso for o amor. E neles poderemos viver o que for possível porque em outra dada realidade foi impossível.  
Vou levar você para os meus sonhos como quem rouba a mulher alheia. Tomarei posse de você e será minha para sempre. Serei teu dono, todo seu, passível, apaixonado, doido por você. E no gosto dos teus beijos deixarei tudo rolar, abrindo minha alma, misturando a você. Apertarei teu corpo, trarei você para mim, sentirei teu calor, alisarei tua pele, brincarei em teus lábios... Finalmente, rolaremos como perdidos e deixaremos tudo acontecer, oscilando entre a brabeza de um duelo e a doçura de duas crianças. Risos fugirão de nossas faces ao mesmo tempo em que o desespero do saciar comporá tudo que há. Corpos molhados, suados, ávidos, duros, tesos, sedentos, famintos, querendo e impossíveis de se deter serão donos soberanos.
Nos sonhos, tudo liberto, não haverá limites para o pare, para o não pode, para o tenho que ir, para o que vão pensar. Tudo estará em paz e todo o sossego necessário já estará lá. A culpa, a dúvida e a insegurança serão banidas eternamente. Sua vida e minha vida não serão jamais duas partes. Embora dois corpos visíveis... o sentido será um só. As trocas, os fluidos, as entranças, o de um e o de outro, tudo estará confluindo e convergido em um apenas. As mãos, as nossas mãos juntas, as pernas, as nossas pernas cruzadas, os braços, os nossos braços nos enlaçando, os rostos, os nossos rostos juntinhos, as bocas, as nossas bocas coladas, os olhos, os nossos olhares fitando um ao outro apaixonados. De tudo um tudo, de um detalhe o máximo, de um simples toque todo o prazer. E a vida vai encantada dançando uma música produzida pelo amor que exala de nós.
Vou levar você para os meus sonhos...esta noite, ao menos quero sonhar com você e lá tudo será. Será a verdade, será a brevidade do que for possível mesmo que na volátil substância onírica. Viveremos nossos destinos e acatarei o que for produzido pela chama. E estarei lá com você até a última gota de luz. Serei testemunha do fim quando este chegar.
Vou levar você para os meus sonhos e serei fiel e íntegro indo aonde for, chegando aonde chegar, mesmo que um dia acorde e não mais consiga te encontrar.
Vou levar você para os meus sonhos.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Dia do professor 2010


Hoje o dia insistiu em acordar. As previsões para o tempo indicam céu parcialmente nublado, mas no período da tarde a temperatura tende a se elevar, chegando aos 35°.
No mundo... as belicosas tensões no oriente médio, fruto de confrontos civilizatórios... Lama tóxica que devasta vilas e contamina rios na Europa... Rodopiantes ruídos de guerra contra um questionável terror que é mediado por intolerâncias às diferenças... Emoções transmitidas pelo heroísmo dos mineradores no Chile e seus respectivos resgates...
Em terra brasilis, uma etapa da campanha presidencial reduz-se a discussões moralistas enquanto um projeto de lei corre sorrateiro, pondo em cheque toda uma perspectiva da carreira do magistério superior... Há também empolgações com os avanços de um país que aponta para um futuro melhor... É possível até sentir uma educação sendo ampliada e de qualidade, além de uma sociedade menos desigual em andamento. Nesse dia que insiste em acordar, relembro que é dia do professor... e uma frase me faz chegar: “na educação os desafios são gigantescos e para ontem, enquanto os resultados não acompanham esse tamanho e nem a velocidade desejada”. Paciência e esperança seriam as palavras que deveríamos nos desejar?

Juazeiro/Petrolina, 15 de outubro de 2010

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Finitude e docência



Como gostaríamos de ser lembrados enquanto ainda houver memória? Esta era a pergunta que os gregos antigos se faziam. Para eles, a compreensão da finitude era presente no cotidiano e o que importava não era a imortalidade, mas o impacto de suas ações na vida.
Algumas coisas são basilares a condição humana e marcam “linhas”, como a história coletiva, a cultura, a história do ser e do indivíduo. Estas linhas, foram chamadas “linhas de desenvolvimento” por Vygotsky. Ele identificava a filogênese (história espécie), a macrogênese (cultura), a ontogênese (história do ser) e a microgênese (história particular do indivíduo). Por muitas vezes, estas linhas se entrecruzam e são marcadas por certas “chamadas existenciais”.
As “chamadas existenciais” têm a ver com o que existe de mais básico a condição humana. Uma delas, por exemplo, tem a ver com a finitude da vida. Em toda história humana, em qualquer cultura ou na vida de qualquer indivíduo, houve sempre (e sempre haverá) algum momento que a finitude aparece ou apareceu como uma força que provoca reflexões, posturas, ações e perspectivas diante da existência.
Sendo leviano ao abordar tema de grande complexidade em um simples lampejo delimitado por este pequeno ensaio, diríamos que a questão da finitude é deveras importante em todas as linhas do desenvolvimento. Cremos que não há como escapar, mesmo que haja completa negação sobre o assunto (a negação é uma vã tentativa de fugir) como, por exemplo, a contemporaneidade excessivamente materialista, coisificante, mercantilizada e pragmática. Como diria o filósofo alemão, Martin Hidegger, somos seres para a morte. E nisto não há nada de macabro. Ao contrário, há um filosofar para a vida, para o saber viver, para o modo como estamos vivendo. Tudo isto, indubitavelmente, conduz a outra questão, que é a ética.
Sinteticamente, é possível, pois, dizer que ao assumirmos a questão da finitude como condição natural e inerente a existência, somos forçados a refletir sobre o modo de vida que levamos, sobre os valores que atribuímos as coisas, ao jeito que nos relacionamos, as nossas ações, etc. A ética, neste sentido, recupera o significado grego que quer dizer “morada”. A ética, portanto, é a morada do ser, é a própria possibilidade de ser humano no mundo e com os outros.
É importante, porém, um pequeno esclarecimento. Assumir a finitude não é uma questão de ser ateu ou não, não é uma questão de admitir que um dia irá morrer. A questão em assumir a finitude tem muito mais a ver com o modo como nos apegamos ou não as coisas e com a necessidade de querer controlar ou não a vida e as pessoas. Ao assumir a finitude, a vida passa a ser vivida com mais responsabilidade e com mais respeito.
Temos uma terrível mania de conduzir nossas vidas sem lembrarmos que há um fim. Aceitar o fim representa uma ética propiciadora para uma vida com menos desejo de controle, de opressão, de agressões demasiadamente desnecessárias, de inseguranças que buscam compensações via complexos de inferioridades... Como nos brinda o músico Paulinho Moska, “vamos começar colocando o ponto final, pelo menos já é um sinal de que tudo na vida tem fim.”
Admitimos que é demasiado atrasado ligar agora essa discussão com a questão da docência. Deveríamos ter introduzido alguma problemática sobre esses dois assuntos logo no início, mas o magnetismo das idéias se apoderou e exigiu seus próprios percursos. Porém, forçaremos um pouco a barra só para compor algumas (re)percussões entre a questão da finitude e sua ética com a docência em suas várias dimensões.
O professor centra sua atividade, sobretudo, na relação com os seus estudantes, seja na dimensão do ensino, da pesquisa ou da extensão. A qualidade da relação é o grande canal mediador que irá facilitar o processo ensino-aprendizagem (é claro que existem vários outros aspectos em jogo nesse processo e também há a competência técnica do professor, domínio do assunto, etc.). Sendo a relação um dos principais cernes que qualifica e respalda a atuação profissional do professor, a ética vai estar, queira não, permeando as construções de conhecimentos, as formações profissionais e as subjetivações dos estudantes.
Ao pensarmos na dimensão gestão, o professor universitário, particularmente para o nosso interesse, tem ainda outro agravante. Além de estar centrado na qualidade das relações organizacionais, lida também com a produção da cultura institucional. Uma cultura institucional universitária tem suas características próprias. Assim, uma universidade pública, por exemplo, não pode ser confundida com uma empresa privada, não deve ser conduzida meramente como instrumento político-partidário ou mesmo não presta a ser concebida como uma prisão nas formas como as relações de poder são estabelecidas (grupos que se digladiam e a força bruta através de intimidações que imperam).
Ao assumir a finitude e, consequentemente, a ética daí decorrida, o professor em suas dimensões não vive para se eternizar via o controle excessivo. A compreensão de que “tudo passa”, orienta a prática e a atitude do professor, relativizando a ideia de verdade única e imutável, deixando-o mais complacente com os múltiplos olhares, não caindo na ilusão de que é dono da disciplina que leciona, que descobriu a verdade na pesquisa, que é o mais sabido, que é o proprietário da instituição (pública), que domina e controla as relações das pessoas...
No fundo tudo pode até parecer ser ilusão (e é!), mas esse não é o problema. A nosso ver, o problema é não considerar que há finitude em termos existenciais. Isto pode contribuir para graves equívocos na forma de se viver, levando a incapacitação da vida. Quando ligamos essa discussão da finitude com a questão da docência (principalmente em suas várias dimensões), reconhecemos uma importância capital, sobretudo porque o professor é um profissional da relação.

Juazeiro / Petrolina, setembro de 2010.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

GESTÃO SER MAIS – UMA QUESTÃO DE PODER (SER)


Um dos grandes legados de Paulo Freire foi ter pensado, agido e vivido a educação como possibilitadora para o SER MAIS do outro e de si mesmo. Esse SER MAIS, explicando de maneira bem resumida, seria a atualização das potencialidades do ser. Também, em outras palavras, pode significar a atualização da pessoa, o tornar-se cada vez mais humano, o desdobrar das possibilidades de ser, o construir-se na relação de abertura para o diferente consigo mesmo e com o mundo, na curiosidade prazerosa de aprender e no constante diálogo, que não presume nenhum tipo de dominação ou de anulação.
Se trouxermos esse legado freiniano para o campo da gestão (sobretudo da gestão educacional) vislumbraremos uma perspectiva da gestão pelo empoderamento[1]. Um tipo de gestão assim significa estar voltado para dispor a ordem e a dinâmica da organização no sentido de afirmar a criatividade, a inventividade, o desenvolvimento, a autonomia e a liderança das pessoas. No que diz respeito a questão do poder em um tipo de “gestão SER MAIS”, esta não estaria voltada para o domínio centralizador, para o abafamento das capacidades criativas e autônomas das pessoas.
A ideia da “gestão SER MAIS” tem tudo a ver com o que, certa feita, Caetano Veloso falou: “Gente foi feita para brilhar”. Assim, nesse tipo de gestão, os dispositivos administrativos estariam voltados para ajudar o “brilhar das pessoas” e quanto mais estas poderem brilhar, mais potente tenderá a ser a própria organização como um todo.
Uma pergunta pode “pular-aparecer” ao se pensar desse jeito: com tanto brilho entre as pessoas não poderia estar promovendo ou correndo o risco delas desenvolverem grandes egos, ciúmes excessivos ou coisas semelhantes, de modo que a crescente constelação (a famosa frase “muita estrela para pouca constelação”) imploda em um imenso buraco negro, que tudo suga e aniquila?
Tal pensamento só faria sentido se o “brilho” fosse estimulado em uma perspectiva de competição e nessa condição o que existiria em termos de relação não seria o empoderamento, mas a negação do outro como condição para o crescimento de si mesmo. No entendimento de Humberto Maturana, as sociedades atuais são mediadas pela hipertrofia da competição em que as pessoas contradizem a própria gênese da condição humana (que se funda a partir da relação amorosa), colocando em risco a viabilidade humana no planeta.
Na “gestão SER MAIS”, o brilhar do outro não ofusca a luz de si mesmo, mas alimenta. Isto se passa porque o poder vivido não é ameaçador e nem gera insegurança. O poder vivido não quer se cristalizar, não quer se perpetuar de maneira estática. O poder está centrado no devir. Então não há o embate para a anulação do outro ou o domínio para perpetuação de si no poder ou a manutenção a “ferro e fogo” de certo ponto de vista. É óbvio que os conflitos, as diferenças, as tensões e os embates existirão e serão partes importantes da “gestão SER MAIS” enquanto gestão que afirma o empoderamento, a criatividade, a autonomia e a superação como condições essenciais ou como características elementares.
Muito provavelmente uma “gestão SER MAIS” seja propícia a haver mais conflitos e tensões. Isto tende a se dar porque a “gestão SER MAIS” possibilita posicionamentos divergentes, o que é alérgico para um tipo de gestão do tipo opressora. Esta, pode buscar homogeneizar a organização e a pasteurizar as relações, sobrando muito pouco para os diferentes posicionamentos ou alteridades. Entretanto, na “gestão SER MAIS” o que prepondera é uma ética da alteridade. E mesmo no conflito de ideias e posições, o importante é a afirmação do outro enquanto diferente.
Uma gestão do tipo opressora pressupõe a arrogância de que é a melhor e, portanto, merece se perpetuar. Geralmente tem horror às possibilidades, às novidades. Aplaca ferozmente as lideranças insurgentes (ou potenciais) nas organizações, seja anulando mesmo ou cooptando-as para domesticá-las, adocicá-las. Há nesse sentido uma nítida diferença entre a gestão do tipo opressora, que se alinha com a estagnação e a “gestão SER MAIS”, que se baseia com a ideia de possibilidade.
Para falar sobre isso de outra forma, trazemos à baila a posição de Platão, que dizia que após a efetivação da república todas as possibilidades (novidades) devem desaparecer para não atrapalhar o equilíbrio. Em outro ângulo, o filósofo Heidegger aborda a possibilidade como algo mais importante do que a realidade (no sentido daquilo que já está pronto, que já se atualizou...).
O sentido de ser superado e de superar perpassa outro ponto da ética da “gestão SER MAIS”.
Mesmo correndo o risco da estranheza em aproximar essas ideias com aquilo que interpretamos de Trotsky, não poderíamos deixar de comentar aquilo que ele chamava de “revolução permanente”. Para Trotsky, a revolução só lograria êxito se ela não se satisfizesse com alguns avanços. A revolução teria de se expandir horizontalmente (para si ou para os outros) e verticalmente (em si mesmo e para si mesmo). A ideia de superação está contida aí, mesmo que defina a casos bem específicos.
A gestão SER MAIS estaria relacionada com o devir criativo, com a vontade do gestor e ou da gestão ser auto-superada. Para isto, estaria voltada para cultivar sempre o brilho dos outros. E nesse processo de facilitar o desenvolvimento do outro, o próprio desenvolvimento de si mesmo e da organização se dariam via a retroalimentação ou por sinergia.
Para finalizar, queremos apenas dizer que, no fundo, falamos aqui de poder. A questão não é abordar ou não, encarar ou não o poder. Isto não seria possível, até porque, como muitos já colocaram (F. Bacon, M. Foucault...) tudo é poder, toda relação é poder... A grande questão que devemos nos colocar é que tipo de poder queremos, é que tipo de poder fazemos, é que tipo de poder medeia a gestão, sobretudo a gestão educacional.

Juazeiro / Petrolina, setembro de 2010.



[1] Neologismo oriundo da palavra inglesa empowerment, que significa possibilitar ao outro ganhar/assumir/tornar o seu próprio poder pessoal

A Educação pela Pedra


Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, freqüentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
[pela de dicção ela começa as aulas].
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra [de fora para dentro,
Cartilha muda], para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
[de dentro para fora, e pré-didática].
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.

Uma didática da invenção


1.
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:

a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre 2 lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
etc.
etc.
etc.
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.

2.
Desinventar objetos. O pente, por exemplo.
Dar ao pente funções de não pentear. Até que
ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou
uma gravanha.

Usar algumas palavras que ainda não tenham
idioma.

3.
Repetir repetir – até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo.

4.
No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava
escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para
dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa.
É quando um trevo assume a noite
E um sapo engole as auroras.

5.
Formigas carregadeiras entram em casa de bunda.

6.
As coisas que não têm nome são mais pronunciadas
por crianças.

7.
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a cor dos
passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um
verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos –
O verbo tem que pegar delírio.

8.
Um girassol se apropriou de Deus: foi em
Van Gogh.

9.
Para entrar em estado de árvore é preciso
partir de um torpor animal de lagarto às
3 horas da tarde, no mês de agosto.
Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer
em nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até
o mato sair na voz .

Hoje eu desenho o cheiro das árvores.

10.
Não tem altura o silêncio das pedras.

11.
Adoecer de nós a Natureza:
– Botar aflição nas pedras
(Como fez Rodin).

12.
Pegar no espaço contigüidades verbais é o
mesmo que pegar mosca no hospício para dar
banho nelas.
Essa é uma prática sem dor.
É como estar amanhecido a pássaros.

Qualquer defeito vegetal de um pássaro pode
modificar os seus gorjeios.

13.
As coisas não querem mais ser vistas por
pessoas razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul –
Que nem uma criança que você olha de ave.

14.
Poesia é voar fora da asa.

15.
Aos blocos semânticos dar equilíbrio. Onde o
abstrato entre, amarre com arame. Ao lado de
um primal deixe um termo erudito. Aplique na
aridez intumescências. Encoste um cago ao
sublime. E no solene um pênis sujo.

16.
Entra um chamejamento de luxúria em mim:
Ela há de se deitar sobre meu corpo em toda
a espessura de sua boca!
Agora estou varado de entremências.
(Sou pervertido pelas castidades? Santificado
pelas imundícias?)

Há certas frases que se iluminam pelo opaco.

17.
Em casa de caramujo até o sol encarde.

18.
As coisas da terra lhe davam gala.
Se batesse um azul no horizonte seu olho
entoasse.
Todos lhe ensinavam para inútil
Aves faziam bosta nos seus cabelos.

19.
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa
era a imagem de um vidro mole que fazia uma
volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta
que o rio faz por trás de sua casa se chama
enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.

20.
Lembro um menino repetindo as tardes naquele
quintal.

21.
Ocupo muito de mim com o meu desconhecer.
Sou um sujeito letrado em dicionários.
Não tenho que 100 palavras.
Pelo menos uma vez por dia me vou no Morais
ou no Viterbo –
A fim de consertar a minha ignorãça,
mas só acrescenta.
Despesas para minha erudição tiro nos almanaques:
– Ser ou não ser, eis a questão.
Ou na porta dos cemitérios:
– Lembra que és pó e que ao pó tu voltarás.
Ou no verso das folhinhas:
– Conhece-te a ti mesmo.
Ou na boca do povinho:
– Coisa que não acaba no mundo é gente besta
e pau seco.
Etc.
Etc.
Etc.

Maior que o infinito é a encomenda.

Manoel de Barros

sábado, 28 de agosto de 2010

TEMPO PARA TUDO

(Acho que essa bela passagem bíblica é de grande sabedoria e pode ser muito educador para nós professores...)


Tudo neste mundo tem seu tempo;
cada coisa tem sua ocasião.
Há um tempo de nascer e tempo de morrer;
tempo de plantar e tempo de arrancar;
tempo de matar e tempo de curar;
tempo de derrubar e tempo de construir;
Há tempo de ficar triste e tempo de se alegrar:
tempo de chorar e tempo de dançar;
tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las;
tempo de abraçar e tempo de afastar;
Há tempo de procurar e tempo de perder;
tempo de economizar e tempo de desperdiçar;
tempo de rasgar e tempo de remendar;
tempo de ficar calado e tempo de falar.
Há tempo de amar e tempo de odiar
tempo de guerra e tempo de paz.

Eclesiaste 3, 1-8

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Universidade compromissada com o desenvolvimento da região ou redentora?

Desde que a UNIVASF foi criada ou até mesmo no período das articulações para sua criação, havia uma expectativa acentuada a respeito do que uma universidade federal poderia impactar na região do Vale do São Francisco. Ao estabelecer contato com diversas pessoas, sobretudo dos municípios de Juazeiro, Petrolina e circunvizinhos, é fácil notar o quanto essas pessoas esperam da UNIVASF. As demandas, as expectativas e a ânsia em suprir tantas necessidades reprimidas têm nos preocupado em termos da articulação entre universidade e comunidade.
Uma das características da UNIVASF é sua vinculação com a região, tendo isto como missão explicitada em seu Estatuto e no Plano de Desenvolvimento Institucional - PDI. Assim, é imprescindível que a articulação e o diálogo entre a universidade e a comunidade possam existir. A grande questão é buscar essas articulações e diálogos de maneira tal que se efetive a missão, mas sem alimentar a ideia de que a UNIVASF poderia ser uma espécie de redentora da região. Isso nos inquieta, sobretudo quando nos lembramos das críticas já consagradas sobre o mito da ciência como salvadora do mundo. A universidade, como locus que privilegia a produção de conhecimento científico, pode “colar” com a ideia desse mito.
Depois de tanto tempo de quase inexistência de políticas públicas efetivas que provoquem transformações na região é de se esperar que as expectativas sejam muito grandes em relação a UNIVASF. Contudo, há um risco de se reforçar a ideia de uma universidade que pudesse resolver todos os problemas crônicos que assolam a região. Quando estávamos coordenador do colegiado de psicologia era rotineiro recebermos visitas das mais diversas representações da sociedade demandando (no que tange ás competências de um curso de psicologia, bem verdade) intervenções, ajudas, cooperações, projetos, etc. Na experiência da pro-reitoria de ensino e observando as demais pro-reitorias, percebemos que as demandas são ainda maiores. Muitas dessas relações são estabelecidas e profícuas, mas outras tantas não são atendidas.
Na nossa avaliação, a UNIVASF pode ainda fazer muito mais, dialogando e se articulando com a região, mas ao mesmo tempo ela não vai ser a redentora. Evitar os extremos e seguir o caminho do meio parece-nos ter sido princípios de sabedorias milenares. Sendo assim, pensamos ser urgente afirmar políticas universitárias que fortaleçam as relações com a comunidade e que potencializem o desenvolvimento regional. Ao mesmo tempo, consideramos prudente não reforçar a ideia de uma instituição “salvadora da pátria”. Não que alguém ou algum grupo (da Universidade ou fora) esteja reforçando tal ideia. Simplesmente abordamos isso para chamar atenção à necessidade de potencializar mais essa concepção elementar da UNIVASF, mas tendo o cuidado de não nutrir uma frustração a partir da universidade como redentora.
Entre Brasília e Recife
Agosto de 2010

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

DIMENSÃO DA GESTÃO NA DOCÊNCIA - GOVERNABILIDADE E GOVERNANAÇA: UMA QUESTÃO DE VÍNCULOS


Dando prosseguimento as nossas discussões sobre a questão da dimensão da gestão na docência, queremos chamar atenção para dois aspectos que consideramos importantes: a chamada governabilidade e governa. Estes dois conceitos são oriundos das áreas relacionadas à gestão (administração, economia, ciências políticas, etc.). A governabilidade se refere as condições de legalidade e de credibilidade de um determinado governo para atentar às transformações necessárias. Já a governança está relacionada à capacidade de colocar as condições da governabilidade em ação, executá-las.
Os dois aspectos dizem respeito ou estão relacionados a condição de vínculos estabelecidos no interior da equipe que compõe a gestão, mas também entre a equipe e a comunidade diretamente ligada a ela.
Para que um gestor, ou uma equipe de gestão tenha condições de efetivar suas ações é necessário que as pessoas, diretamente ligadas, endossem, apóiem, acreditem, sustentem e interajam construtivamente com o gestor e ou a equipe de gestão. De maneira semelhante, para que o gestor possa executar ou colocar em ação as condições de governabilidade é preciso que os parceiros e a equipe tenham um bom nível de comunicação, que tenham cadência, sintonia e reverberação entre o que emana do gestor e o que é transmitido em toda a escala da gestão.
A governabilidade e a governança necessitam de uma qualidade de vínculo entre as pessoas. É óbvio que, quando se refere ao nível de uma sociedade a coisa se torna muito mais complexa e entram muitos outros elementos que vão influenciar a governabilidade e a governança.  Quando se trata, contudo, de uma gestão no campo da educação (e este é o nosso caso) a qualidade dos vínculos entre as pessoas é o que marca como fundamental.
A qualidade dos vínculos, portanto, deve trazer características de diálogo, de compreensão, de abertura, de participação, de liberdade (sem excesso, não confundido com libertinagem), de confiança, respeito mútuo, transparência e, acima de tudo, atitudes que potencializem o SER MAIS dos outros.
A responsabilidade maior, obviamente, para que essas características possam preponderar recai sobre o gestor. Ele, nesse sentido, ganha um papel análogo ao do maestro que conduz sua orquestra. Ele opera um ritmo, dá o seu exemplo, se coloca a frente, orienta o compasso, aponta para as ações e coordena o processo. O gestor no campo da educação precisa estar atento a qualidade dos vínculos, das relações, porque esta é indissociada da governabilidade e governança.
A dimensão da gestão para a docência diz respeito, sobretudo, a qualidade dos vínculos que são estabelecidas. Para dar um exemplo, citemos as inúmeras situações já vivenciadas por algumas escolas que obtiveram sucesso na implantação de algum programa (há pesquisas interessantes sobre esse assunto). Conheci algumas diretoras que assumiram a questão da inclusão e que por isso foi fundamental para o sucesso do programa. Em outras escolas que também conheci, a inclusão não se deu de maneira satisfatória porque não houve a adesão das diretoras. Pude também constatar que além da adesão das diretoras estas foram cativantes, comunicativas, motivadoras, líderes... Estes elementos, por sua vez, dizem respeito as qualidades dos vínculos e atuam diretamente sobre a questão da governabilidade e governança.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

UNIVASF VIDA DOCENTE E DIMENSÃO DA GESTÃO: O PODER DE AMARRAR x O PODER DE AMAR



 Um espaço como um BLOG não é propício para aprofundar e desenvolver reflexões, mas serve para “salpicar” algumas ideias, provocar e suscitar discussões. Valendo-se da modéstia do espaço BLOG, pretendo discorrer um pouco sobre uma questão que considero deveras importante, que é o poder.  Sei que essa questão perpassa todas as esferas da existência humana, mas darei um encaminhamento para a vida docente de um modo geral e mais particularmente para a dimensão da gestão na carreira docente.
Muito se tem falado sobre o poder. De Freud à Maquiavel, de Francis Bacon à Foucault, de Stalin à ao senso comum. A ideia sobre poder que vou defender talvez fuja um pouco ao convencional (embora muitos já tenham abordado na perspectiva que esboçarei neste texto), justamente porque parto de um entendimento que o poder é uma força e como tal não precisa estar, necessariamente, a serviço da opressão, a serviço do domínio, a serviço da imposição autoritária. Para uma estrela brilhar as outras não precisam se apagar, poderia dizer um poeta inspirado nessa óptica.
Inúmeros pensadores abordaram a questão do poder enquanto força libertadora e a serviço da atualização das pessoas. Trago à baila só para deixar registrado alguns que explicitamente desenvolveram e, o que é mais importante, viveram tal posicionamento, embora cada um tenha trazido especificidades: Humberto Maturana, Carl Rogers, Nietzsche, Ghandi, o próprio Jesus, Suzuki (Zen), Buber, Paulo Freire...
Obviamente, que muitos homens do universo pragmático argumentam que essas pessoas citadas foram idealistas, sonhadoras, românticas e que, objetivamente, não demonstraram transformações efetivas no mundo. Este continuaria a ser cruel e nele os vencedores seriam os mais fortes, aqueles que sabem oprimir e impor sua força para obstaculizar a ascensão do outro, etc.
Entretanto, estes mesmos homens do universo (excessivamente) pragmático esquecem alguns dos sentidos da vida e das suas próprias ontologias. Talvez em curto prazo esses homens tenham êxito, mas ao longo de um percurso histórico e existencial sucumbem em suas próprias armadilhas. Só para dar um exemplo de truz, vivemos atualmente um impasse na forma como nos relacionamos com o ambiente. Vivemos de maneira dicotomizada (eu aqui e o mundo ali), excessivamente objetivante (a natureza é uma coisa que deve ser usada) e não reconhecemos nossa ligação (somos também o ambiente) e dependência (só somos porque existimos em uma relação indissociável com o ambiente). Esse exemplo tem tudo a ver com o modo como o ser humano assume a relação de poder (neste caso, a relação de poder com o ambiente – poder de impor, poder de usar, poder de assenhorear-se...)
Quando se adentra na educação e na gestão de uma instituição educativa (como a universidade, por exemplo) essa problemática fica muito mais acentuada. É mais do que “batido” que a relação educador - educando (o gestor no campo da educação é antes de tudo um educador e ele não pode esquecer disto!) é mediada por uma relação de poder. A questão crucial é saber que poder ou que tipo de poder é esse.
Grosso modo, é possível distinguir dois tipos de poder nessa relação entre educador e educando. Uma relação que pode ser chamada “poder de amar” e outra que pode ser chamada “poder de amar”. A primeira está caracterizada pela negação do outro, pelo narcisismo (o poder de se ver nos outros, de se reproduzir em tudo que é outro), na perpetuação de si mesmo, da reprodução do igual (igual a si), no autoritarismo, no centralismo, na desconfiança como princípio de conduta, no pragmatismo excessivo (onde os fins vão sempre justificar os meios), nas manobras não éticas em nome dos efeitos de domínio... A segunda está caracterizada a partir do princípio de querer ver o outro sempre mais, de amar a superação de si e dos outros, de uma relação dialógica... está caracterizada pela aceitação do outro enquanto alteridade, pelo contentamento do outro PODER SER MAIS, do poder delegado estar a serviço do empoderamento do outro, de ter os fins como norteadores dos meios, mas ao mesmo tempo saber limitá-los pelos princípios éticos (alteridade, responsabilidade, liberdade e autonomia – palavras tão caras...).
Até entendo que a depender das vivências e dos contextos que as pessoas têm em relação ao poder vão produzir visões e condutas particulares. Por exemplo: um contexto adverso pode fazer com que alguém passe a acreditar somente naquela possibilidade de lidar com o poder (as vezes o contexto não é suficiente para condicionar a forma de lidar com o poder e um caso exemplar é o de Victor Frankl – médico psiquiatra judeu que viveu no campo de concentração nazista). Entretanto, não se pode permitir a restrição dessas vivências e interpretações sobre o poder. Outras possibilidades são possíveis, sobretudo quando se trata de educadores.
Finalmente, quero chamar a atenção de que é possível pensar e viver formas diferentes (das convencionais) de poder nas relações experienciadas por educadores, mesmo quando este vive a dimensão da gestão. É fundamentalmente coerente para um educador alicerçar-se no PODER DE AMAR.
 Salvador, julho de 2010.

Pró-Reitoria de Ensino (PROEN) na UNIVASF: uma experiência da complexidade


Como já havíamos dito em um de nossos textos , uma das dimensões da docência é a gestão (administrativa). Partindo dessa premissa, discorreremos, portanto, um pouco sobre a nossa vivência na Pró-Reitoria de Ensino (PROEN) da UNIVASF, onde abordaremos a experiência enquanto docente que vive a dimensão da gestão em uma pró-reitoria que consideramos complexa.
Ser docente e poder estar vivendo, de maneira contundente, a dimensão da gestão em uma pró-reitoria responsável pelo ensino de graduação é algo deveras rico em termos de experiência profissional, sobretudo no que diz respeito aos constantes desafios que se é confrontado.
Acreditamos que para um professor, desde que tenha interesse, é óbvio, sempre será muito interessante viver a experiência de uma pró-reitoria de ensino. Isto porque uma instância administrativa como essa possibilita olhares mais panorâmicos a respeito das questões que tangem o ensino.
Quando um professor circunscrito apenas as suas disciplinas e ao seu colegiado, tem mais chances de ter uma visão diminuta sobre as questões do ensino na universidade. Essa visão diminuta não por incapacidade, mas por posicionamento, por perspectiva, por estar situado em posição menos panorâmica. Isto é compreensível e não há problemas em relação a isso. De outro modo, quando inserido no contexto de uma pró-reitoria, o professor pode ampliar sua visão e enxergar de maneira abrangente tudo aquilo que diz respeito ao mundo acadêmico da graduação.
É claro que essas visões, mais ou menos abrangentes, não dependem diretamente ou exclusivamente do lugar de onde se estar vendo. Depende também do olhar de que quem estar vendo. E isto tem a ver com o interesse, o desejo e a identificação daqueles docentes que se envolvem com tais empreitadas. É preciso querer estar nesse lugar.
Assim, estando na PROEN vivencio uma experiência enriquecedora não só porque coincide com a minha área de interesse (educação), mas sobretudo porque me sinto engajado com as questões e com as buscas na superação dos problemas que dizem respeito ao ensino superior. Vivo também, de maneira intensa, os desafios e a necessidade de colaborar junto a comunidade acadêmica e a sociedade respostas às demandas de todo um universo que diz respeito a Universidade.
Esta rica experiência tem também a ver com outra característica das pró-reitorias de ensino (em algumas universidades há preferência por chamar de pró-reitoria de graduação), que é a sua natureza complexa. Esta complexidade tem a ver com o lugar que ocupa, com as funções atribuídas e com as responsabilidades que ela absorve.
Uma pró-reitoria de ensino, de um modo geral, é o lugar de convergência de interesses diversos do coletivo dos estudantes, do coletivo dos professores e do coletivo dos técnicos que estão diretamente ligados ao ensino. Soma-se a isso, esporadicamente, interesses da comunidade (por exemplo: época da seleção ao ingresso para universidade – ENEM) e interfaces com interesses de outras esferas da própria universidade.
Não é por menos, por exemplo, que a pró-reitoria de ensino seja um espaço aonde os vários pontos de vistas se complementem, se choquem e se sobrepõem. Às vezes os pontos de vistas interagem de maneira conflituosa, as vezes requerem mediações mais intensas...mas sempre demandam uma abordagem complexa aonde devem ser levado em considerações as multiplicidades de olhares e de interesses.
A natureza complexa da pró-reitoria de ensino e a necessidade de uma abordagem complexa não significam, necessariamente, complicações (embora algumas vezes sejam realmente difícil lidar com algumas situações). Significam entendimentos que passam pelo nível da complexidade. Segundo Edgar Morin (1991) a complexidade seria “... um tecido (complexus: o que é tecido em conjunto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. (...) a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal. Mas então a complexidade apresenta-se com os traços inquietantes da confusão, do inextricável, da desordem, da ambigüidade, da incerteza... Daí a necessidade, para o conhecimento, de pôr ordem nos fenômenos ao rejeitar a desordem, de afastar o incerto, isto é, de selecionar os elementos de ordem e de certeza, de retirar a ambigüidade, de clarificar, de distinguir, de hierarquizar... Mas tais operações, necessárias à inteligibilidade, correm o risco de a tornar cega se eliminarem os outros caracteres do complexus; e efetivamente, como o indiquei, elas tornam-nos cegos."
Morin, ao definir o conceito de complexidade também apresenta como abordá-lo. Tudo isso pode ajudar a entender o que é uma pró-reitoria de ensino e como abordá-la ou como nela mediar as situações. Muitas vezes a nossa pró-reitoria de ensino é palco de confusões, de situações aonde não temos respostas prontas, de ambigüidades nos processos que chegam até nós, nos acasos que desestabilizam nossos planejamentos (falta de sala porque a obra atrasou, problemas no ENEM, etc.), de incertezas se vamos ter resultados ou não e nos inúmeros impasses, por exemplo, que vivemos com os estudantes que se queixam de alguns docentes, com os colegas professores que reclamam da carga horária, com os técnicos que demandam salas e computadores, etc. Não é possível idealizar uma pró-reitoria ou abordá-la se não puder acolher toda essa desordem, todo esse ruído. Costumamos sempre dizer que para estar aqui é importante saber “surfar na tempestade”.
Toda essa complexidade inerente a condição de uma pró-reitoria de ensino é possibilitada por uma visão mais ampla e múltipla da universidade porque se é obrigado a compreender a partir das várias perspectivas dos atores da comunidade acadêmica, mas também porque ela não é linear, não homogênea, não é precisa... ela é também incerta, composta por ambigüidades, por desordens, por acasos e por turbulências.
Nesse contexto, a experiência de um docente vivenciar a dimensão gestão em uma instância administrativa voltada para as questões do ensino pode proporcionar uma preciosa oportunidade de crescimento profissional, mas acima de tudo humano. Afinal, ao falar de ensino estamos também falando de aprendizagem, de mudanças e de desenvolvimento humano.

Salvador, julho de 2010.

1- Texto disponível no BLOG:
- http://mribeiro27.blogspot.com/2010/05/formacao-docente-o-papel-do-coordenador.html - http://mribeiro27.blogspot.com/2010/03/novas-praticas-docentes-e-suas.html


2- Introdução ao Pensamento Complexo, 1991:17/19

terça-feira, 6 de julho de 2010

O AMOR NA RELAÇÃO PROFESSOR ALUNO


Tão desgastado tem sido o uso da palavra amor. Muitas vezes, desgastado porque tem sido utilizado apenas no seu sentido romântico entre um casal apaixonado ou então pelo uso demagógico. Entendo que o sentido da palavra amor está para além do romântico (o englobando inclusive) e, certamente, expresso a partir de um real estado e, portanto, fora do Demagógico.
O amor é o princípio da relação que ajuda o outro a ser, a atualizar-se. O amor está na base do diálogo, da compreensão, do doar-se e do sorriso sereno diante da vida. Mas o amor também está presente no paradoxo da aceitação do que se é e na aposta da transformação. O amor enquanto base e princípio não é uma morada idílica onde a pessoa se encontra permanentemente. O amor pulsa o tempo todo, alimentando-a, mas não descarta a possibilidade da pessoa se enganar, machucar o outro, fazer bobagens em suas relações. Não protege e não há garantias. Não se pode fazer nada em nome do amor. Não em nome do amor. Em nome do amor, nada! O amor é que está em nome, quer dizer, o amor é que se presentifica em todas as relações, sobretudo naquelas que são intensas como as que acontece entre professor e aluno.
Acredito que o amor esteja na base das relações entre professor e aluno. O professor precisa amar seus alunos. Não de forma igual, não os romantizando, não acatando tudo e não pondo os limites necessários. O amor na relação professor aluno é condição necessária para a aprendizagem significativa. Aprender não só tecnicamente, mas aprender para ser. Este é o entendimento maior que o professor pode ter. O aluno não está ali simplesmente para se encher de informações, para desenvolver uma habilidade. Ele está ali, com os seus colegas e ao lado do seu professor para se formar. É lógico que se formar tem a ver com as informações, com o desenvolvimento de habilidades. Formar, entretanto, tem mais. Formar é intimar, é encontrar caminhos, é abertura para encontros com os diferentes. É as vezes conflito, é as vezes faísca e é disso tudo que vem o fruto. Fruto que nasce de relações. É isto que é formar.
Mais uma vez quero colocar distância dos entendimentos distorcidos do amor na relação professor aluno. Não é nada de paparicação, ou de preocupação com os alunos de modo que o professor passa a se sentir o responsável. Nada disso. É simples muitas vezes. É uma atitude, é um jeito de estar com os alunos, é um modo de estar na classe, é uma forma de olhar, é uma postura, é uma compreensão que se tem, é um gosto do se está fazendo.
Não é difícil viver a relação professor aluno a partir dessa base. É natural. Está na gente porque simplesmente nos constituímos via o amor e somos viabilizados pelo amor (apesar de tudo ainda). O que é, em alguns casos, complicado é o entendimento dessa vivência. E aí há tantos motivos... Até mesmo entre os alunos não é evidente a compreensão. Uma vez, após uma discussão com alguns dos meus alunos sobre questões de posicionamentos políticos da vida universitária, disse que os amava. Acho que eles não entenderam e soou como demagógico (acho que eles tiveram até razão em pensar daquele jeito, dadas as circunstâncias). Mas o que quero dizer é que não é fácil as pessoas entenderem. Há professores que rechaçam veementemente isso tudo que estou a dizer. Há outros que endossam de maneira oportunista. Há outros que só assimilam na visão romântica. Há...
Bem, fica aí algo para ser melhor refletido e levado com mais seriedade: o amor na relação entre professor aluno.


 Buenos Aires
Inverno, 2010.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

A Argentina vive um processo semelhante com o Brasil em termos de expansão e interiorização do ensino superior. Não sei até que ponto têm as mesmas proporções, mas com certeza algumas das experiências vividas pelos docentes e gestores que estão implantando essas instituições têm muito em comum.
A Universidad do Rio Negro está implantando um Campus na cidade de General Roca e meu amigo Carlos Bori é um dos diretores responsáveis. Eles têm apenas 6 meses e vivem toda a sorte de problemas de começar a oferecer cursos sem estruturas físicas adequadas e R.H. suficientes. Estão provisoriamente adaptados em uma casa doada por um banco, enquanto algumas aulas acontecem no refeitório de uma escola!
 É bom conhecer essas experiências para contrastar com as nossas.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Guerra de Cabo de Aço - A gestão no campo da educação: entre o fazer e o processo


Como uma corda que é tensionada, como em uma brincadeira de “guerra de cabo de aço”, assim o gestor (e aqui particularmente em refiro a minha experiência de gestão no campo da educação) vivencia sua condição, envolto às múltiplas exigências que se tesam de maneira, muitas vezes, opostas.
De modo geral, no campo da gestão, do gestor, são exigidas respostas céleres aos variados problemas e desafios constantemente apresentados. É ele, o gestor, uma espécie de maestro que organiza, dá ritmo e facilita a dinâmica das respostas a serem apresentadas para a organização das ações e das demandas que, às vezes, são planejadas ou que, às vezes, surgem inesperadamente.
A corda, utilizando essa metáfora da brincadeira da “guerra de cabo de aço”, não pode folgar e nem esticar demais. A corda precisa se manter tensionada até que haja uma fraqueza de força de um dos grupos para que o outro possa vencer. No âmbito da gestão isto significa dizer que a execução das ações, a produção de respostas às demandas e a efetivação do planejamento tem que acompanhar as necessidades da organização sem descompasso, sem a preguiça burocrática ou sem a letargia das intermináveis discussões inócuas, esvaziadas e diletantes. Mas se a gestão não pode ser morosa, também não deve ser “fazedeira”, não deve ser tarefeira, excessivamente pragmática e imediatista. Se assim for, a corda afrouxa e sendo a outra situação, a corda parte.
Muito provavelmente é mais fácil entender a necessidade da gestão ser célere nas respostas e nas ações, porque uma organização pró-ativa e eficiente nas respostas é, de modo geral, vista e bem quista. Entretanto, talvez não seja tão evidente a necessidade da organização ter a paciência fundamental, que é a paciência ativa para gestar, para gerar, para gerir e parir as respostas.
Esta necessidade da paciência ativa se justifica, sobretudo quando nos referimos ao campo da educação, pela exigência da vivência do processo, pelo entendimento de que os conhecimentos são produzidos quando vividos de maneira participativa, pois assim os sujeitos se engajam, tornam-se partícipes e ativos no processo de contribuir e construir a organização.
Uma corda demasiadamente esticada e, portanto, que irá se partir, não possibilita o exercício democrático. Uma corda demasiadamente esticada pode até, em termos da gestão, produzir muitos efeitos, pode até ser eficiente nas respostas, mas falhará, por mais brilhantes que sejam essas respostas, no fundamental, sobretudo no campo da educação, falhará na possibilidade de, no fazer, os sujeitos se fazerem, se construírem, se sentirem formadores e formandos na ação conjunta.
A educação, e não podemos nos esquecer, é sempre encontro, é sempre troca, é sempre atualização. Assim, a gestão no campo da educação deve ser educadora. Deve buscar a tensão, sempre buscada porque nunca perenemente alcançada, entre o tempo das respostas, o tempo do fazer e o tempo do gestar compartilhado, o tempo do processo.  
    
Petrolina, junho de 2010.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Um pouco de piada I

DE ONDE VEM A LONGEVIDADE DOS PROFESSORES...  
 
O SEGREDO...
 
Um médico saiu a caminhar e viu essa velhinha da foto sentada no banco de uma praça fumando um cigarrinho.
 
Aproximou-se e perguntou:
 
"Nota-se que está bem, qual é seu segredo??
 
Ela  então respondeu:
 
"Sou PROFESSORA, durmo às 4 da manhã elaborando provas, me levanto às 6.
Nos fins de semana não pratico esportes, não me divirto. Trabalho corrigindo avaliações, organizando as aulas, preenchendo diários de classe, fazendo planejamentos, procurando músicas para passar para os alunos, procurando vídeos na INTERNET para não deixar as aulas MONÓTONAS, não tenho tempo para os meus filhos, só para os FILHOS DOS OUTROS, todo final de semana estou sempre com algo para elaborar ou corrigir, inclusive nos feriado, como hoje 1º DE MAIO,DIA DO TRABALHO. Não tomo café da manhã, não almoço e nem janto porque não dá tempo.
 
O doutor então exclamou:
 
- "Mas isso é extraordinário". A senhora tem quantos anos?
 
 37, respondeu-lhe a velhinha...

sábado, 29 de maio de 2010

80% dos pré-requisitos são ideologias


 Cada vez mais venho constatando que uma boa parte das disciplinas que exigem pré-requisitos não passa de uma arbitrariedade, ou melhor, de uma idéia que visa, muitas vezes, ser corporativista. O título, a que se refere este breve texto, quer ter uma força de expressão. É claro que não houve nenhum tipo de mensuração para estipular esses 80%. O que se quer chamar a atenção é o fato de muitas exigências, em termos de pré-requisitos, não se sustentam em seus próprios argumentos. Algumas pesquisas (indutivas e dedutivas) e experiências pessoais, inclusive a minha, têm mostrado que os pré-requisitos não se sustentam. Estudantes que não cursaram ou perderam, por exemplo, em cálculo I, mas que fizeram (por algum motivo) cálculo II ou III, conseguiram alcançar a média e passar! Estudantes que se matricularam em disciplinas eletivas (de outro curso que não o seu), e que essas disciplinas teriam pré-requisitos para os cursos de origens, conseguiram ter desempenho igual ou melhor que os que tiveram que fazer cumprindo os pré-requisitos.
Não é nosso objetivo e nem interesse aprofundar aqui as causas e os porquês desse entendimento, mas simplesmente queremos chamar atenção para esse assunto (que posteriormente iremos melhor desenvolver).

Recife, maio de 2010.