quarta-feira, 8 de setembro de 2010

GESTÃO SER MAIS – UMA QUESTÃO DE PODER (SER)


Um dos grandes legados de Paulo Freire foi ter pensado, agido e vivido a educação como possibilitadora para o SER MAIS do outro e de si mesmo. Esse SER MAIS, explicando de maneira bem resumida, seria a atualização das potencialidades do ser. Também, em outras palavras, pode significar a atualização da pessoa, o tornar-se cada vez mais humano, o desdobrar das possibilidades de ser, o construir-se na relação de abertura para o diferente consigo mesmo e com o mundo, na curiosidade prazerosa de aprender e no constante diálogo, que não presume nenhum tipo de dominação ou de anulação.
Se trouxermos esse legado freiniano para o campo da gestão (sobretudo da gestão educacional) vislumbraremos uma perspectiva da gestão pelo empoderamento[1]. Um tipo de gestão assim significa estar voltado para dispor a ordem e a dinâmica da organização no sentido de afirmar a criatividade, a inventividade, o desenvolvimento, a autonomia e a liderança das pessoas. No que diz respeito a questão do poder em um tipo de “gestão SER MAIS”, esta não estaria voltada para o domínio centralizador, para o abafamento das capacidades criativas e autônomas das pessoas.
A ideia da “gestão SER MAIS” tem tudo a ver com o que, certa feita, Caetano Veloso falou: “Gente foi feita para brilhar”. Assim, nesse tipo de gestão, os dispositivos administrativos estariam voltados para ajudar o “brilhar das pessoas” e quanto mais estas poderem brilhar, mais potente tenderá a ser a própria organização como um todo.
Uma pergunta pode “pular-aparecer” ao se pensar desse jeito: com tanto brilho entre as pessoas não poderia estar promovendo ou correndo o risco delas desenvolverem grandes egos, ciúmes excessivos ou coisas semelhantes, de modo que a crescente constelação (a famosa frase “muita estrela para pouca constelação”) imploda em um imenso buraco negro, que tudo suga e aniquila?
Tal pensamento só faria sentido se o “brilho” fosse estimulado em uma perspectiva de competição e nessa condição o que existiria em termos de relação não seria o empoderamento, mas a negação do outro como condição para o crescimento de si mesmo. No entendimento de Humberto Maturana, as sociedades atuais são mediadas pela hipertrofia da competição em que as pessoas contradizem a própria gênese da condição humana (que se funda a partir da relação amorosa), colocando em risco a viabilidade humana no planeta.
Na “gestão SER MAIS”, o brilhar do outro não ofusca a luz de si mesmo, mas alimenta. Isto se passa porque o poder vivido não é ameaçador e nem gera insegurança. O poder vivido não quer se cristalizar, não quer se perpetuar de maneira estática. O poder está centrado no devir. Então não há o embate para a anulação do outro ou o domínio para perpetuação de si no poder ou a manutenção a “ferro e fogo” de certo ponto de vista. É óbvio que os conflitos, as diferenças, as tensões e os embates existirão e serão partes importantes da “gestão SER MAIS” enquanto gestão que afirma o empoderamento, a criatividade, a autonomia e a superação como condições essenciais ou como características elementares.
Muito provavelmente uma “gestão SER MAIS” seja propícia a haver mais conflitos e tensões. Isto tende a se dar porque a “gestão SER MAIS” possibilita posicionamentos divergentes, o que é alérgico para um tipo de gestão do tipo opressora. Esta, pode buscar homogeneizar a organização e a pasteurizar as relações, sobrando muito pouco para os diferentes posicionamentos ou alteridades. Entretanto, na “gestão SER MAIS” o que prepondera é uma ética da alteridade. E mesmo no conflito de ideias e posições, o importante é a afirmação do outro enquanto diferente.
Uma gestão do tipo opressora pressupõe a arrogância de que é a melhor e, portanto, merece se perpetuar. Geralmente tem horror às possibilidades, às novidades. Aplaca ferozmente as lideranças insurgentes (ou potenciais) nas organizações, seja anulando mesmo ou cooptando-as para domesticá-las, adocicá-las. Há nesse sentido uma nítida diferença entre a gestão do tipo opressora, que se alinha com a estagnação e a “gestão SER MAIS”, que se baseia com a ideia de possibilidade.
Para falar sobre isso de outra forma, trazemos à baila a posição de Platão, que dizia que após a efetivação da república todas as possibilidades (novidades) devem desaparecer para não atrapalhar o equilíbrio. Em outro ângulo, o filósofo Heidegger aborda a possibilidade como algo mais importante do que a realidade (no sentido daquilo que já está pronto, que já se atualizou...).
O sentido de ser superado e de superar perpassa outro ponto da ética da “gestão SER MAIS”.
Mesmo correndo o risco da estranheza em aproximar essas ideias com aquilo que interpretamos de Trotsky, não poderíamos deixar de comentar aquilo que ele chamava de “revolução permanente”. Para Trotsky, a revolução só lograria êxito se ela não se satisfizesse com alguns avanços. A revolução teria de se expandir horizontalmente (para si ou para os outros) e verticalmente (em si mesmo e para si mesmo). A ideia de superação está contida aí, mesmo que defina a casos bem específicos.
A gestão SER MAIS estaria relacionada com o devir criativo, com a vontade do gestor e ou da gestão ser auto-superada. Para isto, estaria voltada para cultivar sempre o brilho dos outros. E nesse processo de facilitar o desenvolvimento do outro, o próprio desenvolvimento de si mesmo e da organização se dariam via a retroalimentação ou por sinergia.
Para finalizar, queremos apenas dizer que, no fundo, falamos aqui de poder. A questão não é abordar ou não, encarar ou não o poder. Isto não seria possível, até porque, como muitos já colocaram (F. Bacon, M. Foucault...) tudo é poder, toda relação é poder... A grande questão que devemos nos colocar é que tipo de poder queremos, é que tipo de poder fazemos, é que tipo de poder medeia a gestão, sobretudo a gestão educacional.

Juazeiro / Petrolina, setembro de 2010.



[1] Neologismo oriundo da palavra inglesa empowerment, que significa possibilitar ao outro ganhar/assumir/tornar o seu próprio poder pessoal

Um comentário:

  1. Olá professor! Eu que agradeço ter 'seguidores' do seu calibre! Ser professor(a) hoje, não é somente lecionar, é se comprometer... e para quem é comprometido não faltam 'causas' nem 'bandeiras'... umas das minhas, sem dúvida é a ECSA, e nesta sempre cabe mais um: bem-vindo!!!

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