domingo, 28 de março de 2010

NOVAS PRÁTICAS DOCENTES E SUAS RESISTÊNCIAS

Muitas são as hipóteses levantadas que tentam buscar justificativas para as dificuldades em alcançar uma educação mais enraizada em perspectivas dialógicas, participativas e que concebam o conhecimento como um processo de co-construção, como as chamadas, por exemplo, correntes construtivistas e interacionistas. Não são apenas questões de domínio dos conceitos, ou questões políticas que entravam, nessas perspectivas, as reformas no sistema educacional. Estamos também diante de um processo de resistências às mudanças. Resistências essas que perpassam pelas vivencias dos sujeitos.
Entendemos por resistência a ambiguidade e o conflito vivenciado por aqueles que, mesmo percebendo seu status quo deficitário, não respondem adequadamente a realidade, insistindo, através de mecanismos de defesas, na manutenção do mesmo status quo.
Para trazermos uma situação mais concreta, imaginemos certa sala de aula onde, por exemplo, a professora que acabou de ser capacitada (numa orientação construtivista) domina todos os conceitos mais atualizados a respeito dos processos participativos do ensino e aprendizagem, mas que na sua prática não consegue abrir mão de certos hábitos e posturas de antigos modelos, sobretudo aquelas autoritários e que impedem que os alunos sejam protagonistas da construção do conhecimento. Tal professora tem, por vezes, clareza de suas dificuldades, mas não consegue superá-los. A mudança exige dela um arriscar-se, um colocar-se numa posição nunca vivida antes. Ela não consegue assumir, na prática, essa nova perspectiva aprendida na capacitação mesmo que, racionalmente, queira mudar. Isto se dá muitas vezes por causa da insegurança, por causa do medo as mudanças, por causa da história de vida, das tradições que terminam falando mais alto, dos valores culturais, entre outros. Assim, propor e desenvolver uma educação, por exemplo, de base progressista e interacionista implica em assumir novos paradigmas, ou seja, assumir uma visão de ser humano e mundo diferente, uma maneira nova de organizar o pensamento e nortear a conduta diante da vida.
Isto implica em uma mudança radical, ou seja, uma mudança que não se restrinja apenas ao nível racional, ao nível intelectual, ao nível das ideias. Exige uma mudança que perpasse ao nível do corpo, do vivido, dos sentidos, uma mudança que se presentifique no cotidiano das ações das pessoas.
Para tanto, se faz necessário que os modelos e propostas de formações de professores assumam essa dimensão da formação da pessoa do professor. É necessário que o professor efetue sua transformação pessoal na medida em que incorpore os paradigmas implícitos das propostas progressistas e interacionistas da educação. Não adianta termos professores que conheçam as teorias educacionais, que defendam no plano das ideias uma perspectiva mais dialógica, participativa ou que sustentem a ideia do conhecimento como um processo de co-construção se nada disso é vivenciado e transposto às suas práticas.
Desta forma, os professores inseridos em uma formação que contemple a dimensão da pessoa estão mais propensos a atuar condizentemente em termos de discurso e prática justamente porque há uma exigência maior de se desenvolver profissionalmente a partir da tomada de consciência das vivencias, da relação entre história de vida e desempenho profissional e o autoconhecimento. Isto significa dizer que poderão contribuir de maneira eficiente e eficaz para um processo de ensino-aprendizagem voltado para formação do aluno cidadão.
Algumas outras questões podem ser discutidas a partir do que foi contemplado, seguindo a nossa linha que e a necessidade da coerência entre a teoria e a pratica, entre os discursos e as ações dos professores.
É importante entender, antes de tudo, o conceito de mediação. O professor enquanto mediador é aquele que interatua com o aluno. É aquele que instiga, que promove, que se assume como diferente na relação, mas é também aquele que se coloca numa posição horizontal sem perder de vista sua especificidade de professor e aquele que em última instância está interessado em o aluno que possa crescer de um modo autônomo e crítico. Desta forma o professor que tem sempre respostas prontas e acabadas para seus alunos não permite o desenvolvimento das competências, habilidades, autonomia e postura críticas de seus alunos. O professor obsessivo em amarrar todas as questões de sala de aula, termina amarrando seus alunos. É importante que o professor saiba trazer sua perspectiva de professor, de formador, de leitor maduro, de observador atento, mas isso não quer dizer deixar tudo correr solto de um modo "espontaneístico" (há diferença entre espontaneidade e espontaneísmo) e nem frustrar a capacidade criativa de seus alunos. Ao assumir uma “postura de não amarras” é necessário que o professor saiba esperar, tenha firmeza e crença na capacidade de seus alunos e também tenha a habilidade de provocar, jogar as perguntas certas, retomar o "fio da meada", propor uma síntese. Nesse sentido, o professor está mais para a parteira do que para o obstetra em um parto Cesário. Com a parteira há um acompanhar, um se posicionar firme, mas ao mesmo tempo em que permite que a parturiente seja ativa em todo o processo. Já no parto Cesário aplica-se logo a anestesia e tira-se o recém nascido de uma maneira que a parturiente fique passiva em todo processo. Esse exemplo, apesar da simplificação que foi exposto, serve como analogia para entendermos a relação do professor que mantém seu aluno em condição passiva ou ativa a depender das suas "amarras".
Outro aspecto que nos serve de orientação para entendermos o grau de necessidade de mudança no jeito de ser do professor, para que este possa assimilar uma proposta que traz novas concepções de humano e mundo, é o que diz respeito a questão da liberdade e do autoritarismo na sala de aula. O professor que não tenha se disponibilizado e investido em uma auto-percepção e tomada de consciência de suas relações de poder, muito provavelmente encontrará graves problemas na relação com seus alunos. Primeiro porque culturalmente herdamos uma tradição de relações autoritárias (e não só em sala de aula) e segundo, porque o processo de construção de relações não autoritárias exige muito mais em termos de investimento do professor. Há, especificamente neste exemplo, uma questão interessante a ser abordada. Muitos professores confundem a proposta de liberdade com a ausência de limites em sala de aula e então dizem que a educação pautada nessa proposta não funciona, os alunos ficam “impossíveis” e o professor perde o comando de classe (aliás, esta frase é muito indicativa: parece um general se referindo aos seus subalternos no quartel). Na verdade, a proposta pautada numa relação de liberdade entre professor e aluno passa, como já foi dito, pela noção de limites. É como se fosse a água de um rio. Ela corre fluindo livremente, descobrindo suas passagens, contornos os obstáculos, criando formas em cada etapa do leito, mas tudo isso só é possível porque as margens do rio dão o limite para a água correr e cumprir seu destino, que é desaguar no mar. Já pensou se não existisse margem ou limites? A água do rio não cumpriria seu destino, ela se esparramaria pela terra formando grandes poças inertes, sem tanta criatividade e vividez quanto a água do rio.
A questão da resistência em mudar, portanto, faz parte do próprio processo mesmo da mudança, mas tem que ser compreendido e devidamente contemplado nas formações dos professores. E quanto maiores forem as exigências para mudanças relacionadas às práticas docentes participativas, dialógicas e que concebem o conhecimento como algo co-construído, maiores serão os desafios e, consequentemente, resistências às mudanças. Isto parece se dar porque essas novas práticas desafiam radicalmente os modelos arraigados na formação e constituição do professor.


Petrolina, Recife, Olinda – fevereiro de 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário