Eu
tive a alegria de passar alguns dias na companhia de amigos canadenses, um
casal com sua simpatissíma filha de três anos. Foram dias para matar as
saudades e também para discutir e organizar projetos em comum. Afinal,
compartilhamos da mesma vida profissional, que é a universidade.
Entre
um papo e outro falávamos das diferenças culturais dos nossos países, mas
sobretudo do jeito de educarmos os filhos. Longe de buscarmos generalizações,
intencionávamos apreender um jeito comum do brasileiro e do canadense educar
seus crianças. Entre uma conversa e outra lembrei de algumas cenas de crianças,
sobretudo quando da minha estada no Canadá.
Lembrei,
por exemplo, que era comum encontrar um monte de crianças circulando nas ruas.
Estas, certamente em alguma atividade escolar, ficavam segurando uma espécie de
corda (algo como uma centopeia, onde cada criança segurava uma perninha) e
sendo guiada pela professora. Eu ficava admirando aquela cena, onde as crianças
caminhavam de maneira comportada. Ficava imaginando tal situação no Brasil.
Pelo menos o Brasil que eu conheço as professoras teriam um certo trabalho para
manter a ordem da fila e a disciplina das crianças.
Comentava
com os meus amigos que no Brasil tendemos a nos relacionar de maneira mais
dengosa com os nossos filhos, tendo um cuidado e atenção que beiraria a
proteção demasiada. Sinto que nós brasileiros, dizia para eles, nos
“derretemos” muito com as crianças, sentimos até pena por vê-las se debulhando com
algo. Não nos contemos com o nosso sentimento de pegar, apertar, de fazer
“bilulu” e terminamos por fazer por ales aquilo que elas, talvez, pudessem fazer
sozinhas.
Dizia
ainda que os via todo o tempo incentivando os filhos a fazer por eles mesmo e
uma frase muito comum era: “tu es capable”
(esse casal era do Québec, o lado francês do Canada). Isso nos remeteu a
refletirmos sobre a questão da autonomia e como esta tem a ver com a disciplina
e com a questão dos limites. Realmente, não há como conceber a autonomia sem
relacionar com o limite. Assim, uma educação voltada para autonomia implica,
necessariamente, em uma educação onde a criança lida melhor com os limites e,
consequentemente, com a disciplina.
Resgatando
alguns princípios piagetianos sobre o conceito de autonomia (sobre
desenvolvimento moral) este se dá de maneira mais favorável quando a criança é
exposta a um contexto de diálogo e também de responsabilização por seus atos.
Tal contexto ajudaria a criança situar suas relações com os outros e
compreenderia melhor as regras sociais.
Mas
voltando a história com os meus amigos, houve um dia que fomos a praia. Além da
oportunidade de brincar na areia e na água com a filhinha deles, vivemos uma
situação que recuperou o nosso papo sobre educação. Quando estávamos a sair da
praia, fomos lavar os pés em um chuveiro (desses que ficam instaladas ao lado
das barracas de praia) para tirar o excesso de areia. Quando chegou a vez da menininha,
esta pediu ajuda dizendo que não conseguia esticar seus pezinhos até encontrar
a água. Novamente veio a fala dos pais: “tu
es capable”. Então ela se esforçou mais um pouquinho e conseguiu. Eu tive
que me conter, pois estava quase pegando a coitadinha e ajudando ela a lavar os
pés (repararam meus diminutivos?!).
Não
quero dizer que os meus amigos são frios ou negligentes com a filha,.
Totalmente longe disso. Ao contrário mesmo. Eles são muito afetuosos e
cuidadosos com a filha. O tempo todo eles se beijam, se tocam e trocam palavras
de carinho. Também não quero dizer que há um jeito cultural mais certo de
educar do que outro (até porque pensar genericamente é muito perigoso). Nossa
conversação versava sobre as diferenças culturais nos processos educativos e
como isto parecia ter repercussões na aprendizagem e no desenvolvimento das
crianças. É certo que a fronteira entre excesso de autonomia e negligência pode
ser tênue, ou do excesso de cuidado e proteção pode prejudicar as crianças.
Essas situações extremas não correspondem aos modos culturais de se educar.
Além disso há toda a questão de que as culturas produzem sentidos relativos aos
seus próprios mundos. Ademais, essas diferenças culturais nos ajudam a refletir
sobre nós mesmos, principalmente, aqui em questão, sobre o nosso jeito de
educar as crianças.