segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

A Universidade pública precisa ir até a montanha








Marcelo Silva de Souza Ribeiro

marcelo.ribeiro@univasf.edu.br

Prof. Do Colegiado de Psicologia da Univasf

Pró-reitor de Ensino 

 

Sued Sheila Sarmento 

sued.sarmento@univasf.edu.br

Profa. do Colegiado de Enfermagem da Univasf

Pró-reitora Adjunta

 

 

Há um velho e conhecido ditado que diz que: “se a montanha não vai a Maomé, vai Maomé à montanha”. Tal frase geralmente é utilizada para expressar o sentido de tomar a iniciativa para que algo aconteça ou se realize. E isso nos parece pertinente quando refletimos sobre os desafios do ensino superior, sobretudo das universidades públicas no que diz respeito ao preenchimento de vagas ofertadas em seus cursos de graduação. Há uma convocação por parte dos órgãos superiores, da comunidade acadêmica e da sociedade civil que algo seja feito no sentido de melhorar as taxas de preenchimento das vagas ofertadas em cursos de graduação, contudo, essa questão não é simples e envolve tantos outros aspectos. 

 

Segundo o Censo de Educação Superior de 2023, 27 % das vagas novas não são preenchidas na rede pública. Se olharmos para a rede privada, que oferta aproximadamente 95% de todas as vagas (incluindo aí as vagas para os cursos na modalidade da Educação a Distância – EaD), há 77% de taxa não ocupada. No caso específico da nossa universidade, a Univasf, em 2023 houve uma taxa média de 20% das vagas não preenchidas. As causas para o não preenchimento destas vagas são variadas e multicausais, mas sem dúvida há também o fator “desconhecimento” sobre a  universidade e mesmo sobre os cursos por parte significativa dos possíveis candidatos. Em nossas atuações como docentes e em atividades de campo, por várias vezes testemunhamos questionamentos sobre a nossa instituição, no caso a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), no sentido de quanto custaria para estudar. Alguns estudantes de escolas públicas, principalmente da periferia de Juazeiro (Bahia) e Petrolina (Pernambuco) apresentam conhecimento apenas dos cursos de Medicina e Direito. Obviamente que esta realidade é apenas uma dentre tantos contextos diferentes do Brasil. 

 

Voltando à questão das taxas propriamente ditas, em um primeiro momento os números parecem não trazer grandes preocupações, uma vez que as vagas remanescentes podem ser reofertadas. Então o não preenchimento de 20% de vagas seria algo contornável. Contudo, as instituições públicas de ensino superior, especialmente as que aderem ao sistema de ingresso via SISU/Enem, dependem do calendário de divulgação dos resultados deste processo liberado pelo MEC, geralmente esta ocorre no final de fevereiro. Daí, isso termina aumentando as dificuldades de exaurir o máximo de chamadas possíveis até o preenchimento das vagas remanescentes. Por exemplo, muitas vezes as instituições têm necessidade de fazer mais de sete chamadas para tentar preencher as vagas, mas por conta do início do semestre, geralmente em março (muitas universidades convivem com o chamado descompasso do calendário acadêmico em relação ao calendário civil, tornando essa situação muito mais dramática), essas chamadas findam, algumas vezes, em sua terceira rodada. 

 

Obviamente que esta não é a única causa para o não preenchimento das chamadas vagas remanescentes. Além disso, importante que se diga, a observação de um calendário acadêmico apertado para as reofertas destas vagas remanescentes não significa dizer que o sistema SISU/Enem seja ruim. O nosso entendimento é que o Sisu/Enem foi e é muito importante para uma série de avanços na política do ensino superior no Brasil, como exemplo dessa importância podemos citar a mobilidade estudante/região, democratização do acesso, integração de instrumento que avalia a educação básica e que possibilita acesso ao ensino superior...

 

Um outro ponto a ser considerado é que há uma significativa variação em termos de taxas de ocupação quando olhamos para os cursos e mesmo as diversas regiões de ofertas destes cursos. Se pegarmos só o exemplo dos cursos da Univasf, que é uma universidade multicampi (7 campi, 3 Estados) do interior do nordeste, encontramos no ano de 2023, cursos com 67% de taxa de vagas não ocupadas, enquanto outros vão ter 0%. E as variações quanto a ocupação de vagas, que vem desde a primeira oferta, tende a se repetir nas reofertas. 

 

Toda esta questão do calendário estipulado pelo MEC para ingresso via SISU/Enem, aliado aos demais fatores como a falta de conhecimento por parte de possíveis candidatos, têm contribuído para um acúmulo de vagas não preenchidas, o que não é tão agudo para a média destas vagas, mas que pode ser dramático para alguns cursos e regiões. 

 

Este cenário demanda que as universidades públicas sejam mais protagonistas, no sentido de buscar formas alternativas ao Sisu/Enem de ocupação de vagas remanescentes, bem como busquem uma maior aproximação com a comunidade externa, desta forma melhorando a divulgação de seus cursos. Este protagonismo das universidades públicas, que já vem sendo exercido em muitas instituições, precisa ganhar um caráter mais sistêmico e com financiamentos necessários. “Se a montanha não vai a Maomé, vai Maomé à montanha”, mas precisa saber como e ter as condições para caminhar.

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Quem vem para a Univasf? Os desafios da evasão, retenção e não preenchimento de vagas

 



Danielle Santiago Câmara Dantas

danielle.dantas@univasf.edu.br

Pedagoga – Univasf 

Mestra em Educação

 

Josenice Barbosa Gonçalves

josenice.goncalves@univasf.edu.br

Técnica em Assuntos Educacionais – Univasf

Mestra em Ensino de Sociologia

 

Lícia Regina Gonzaga do Nascimento

licia.nascimento@univasf.edu.br

Assistente Social - Univasf

Especialista em recursos humanos com ênfase em gestão de pessoas

 

Márcia Andréa de Souza Silva

marcia.andrea@univasf.edu.br

Psicóloga. Coordenadora da Coordenação Pedagógica – Univasf

Mestra em Psicologia

 

Marcelo Silva de Souza Ribeiro

marcelo.ribeiro@univasf.edu.br

Professor. Pró-Reitor de Ensino – Univasf Doutor em Educação




A Pró-Reitoria de Ensino (Proen) da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), por meio da Coordenação Pedagógica/Proen, vem executando o projeto “Vem pra Univasf”, que consiste em apresentar aos estudantes dos terceiros anos do ensino médio os cursos de graduação da Univasf a sua forma de ingresso, além de apresentar as políticas de permanência e um pouco da infraestrutura da instituição. Trata-se de uma ação de suma importância para o ensino superior, principalmente ao considerar os desafios da evasão, da retenção e do não preenchimento de vagas no âmbito da própria Universidade. 

Esses desafios mostram que chegou o momento de as universidades, sobretudo as públicas, saírem de suas “zonas de conforto” e serem mais proativas na obtenção de novos estudantes, estabelecendo contato com os jovens ainda no ensino médio, para, em um processo de convencimento, mostrar que a universidade pode ser importante para as suas vidas.

Mesmo considerando algumas restrições, como a abrangência das visitas circunscritas aos campi de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE)[1] e as dificuldades de recursos e integração setorial para que as ações pudessem envolver mais pessoas, principalmente mais escolas e, consequentemente, mais estudantes do ensino médio, esse projeto pode ser considerado como exitoso. Em sua última edição (2ª edição realizada em 2023), durante os cinco dias de execução do projeto, mais de 800 alunos, de 16 escolas, visitaram os campiSede (Petrolina e Juazeiro), incluindo aí visitas em laboratórios de anatomia, práticas cirúrgicas, semiologia, farmacologia e demais espaços dos cursos de engenharia. Além disso, houve visita à biblioteca, ao restaurante universitário, ao complexo de educação física, ao ateliê de artes e ao bloco de salas de aula. Embora essas ações possam aparentar singelas há, contudo, indicações da efetividade no que diz respeito ao proporcionar aos visitantes informações sobre a universidade e os cursos, além de suscitar interesse em viver a experiência universitária. 

Sabemos que os fenômenos da evasão, da retenção e do não preenchimento de vagas têm origens diversas, como o próprio contexto de um “mundo líquido” marcado pelas incertezas e imediatismos dos resultados e a crise do mundo do trabalho, contribuindo para que o jovem não insira em seu projeto de vida a formação do ensino superior. Por isso, vez por outra, pode-se ouvir falas do tipo: “Para que estudar se eu posso ganhar muito mais dinheiro sendo um youtuber?”, “Eu?! Passar cinco anos na universidade e depois ficar desempregado?! Para que se formar?”.

No contexto brasileiro é possível acrescentar os ataques que as universidades sofreram nos últimos anos por conta de um governo negacionista, que disseminou diversas fake news e maculou a imagem da universidade, sobretudo das instituições públicas. “Nas universidades só tem vagabundo”, “nas universidades os alunos fazem bacanal e plantam maconha” e outras coisas do tipo, era o que se dizia.

Alinhado a isso tudo não se pode perder de vista que a situação da pandemia intensificou a evasão, a retenção e o não preenchimento de vagas, por meio dos impactos negativos na saúde mental e no empobrecimento da população.

Há que se pontuar, tendo um peso indelével, justamente a questão do empobrecimento da população com a consequente necessidade dos jovens trabalharem. Isso certamente contribuiu para agravar os quadros de evasão, retenção e não preenchimento de vagas nas universidades. 

De acordo com o site do Observatório de Educação, Ensino Médio e Gestão, do Instituto Unibanco (https://observatoriodeeducacao.institutounibanco.org.br/ ), que apresenta dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), 47,3 milhões de brasileiros terminaram o ano de 2021 na pobreza, o equivalente a 22,3% da população total. Nesse mesmo site há apresentação de um estudo promovido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional demonstrando a correlação entre insegurança alimentar e escolaridade. Quanto menor a escolaridade maior é o nível de insegurança alimentar.

Sabendo que os desafios da evasão, da retenção e do não preenchimento de vagas são de ordens complexas, não se pode perder de vista alguns aspectos que atuam nesses desafios e que têm relação com os currículos engessados, as relações pouco dialógicas e excludentes dos professores, não favorecendo a um ambiente de segurança psicológica, e mesmo as estruturas da instituição pouco convidativas para os estudantes. 

Longe de esgotar as reflexões sobre as ações proporcionadas pelo projeto “Vem pra Univasf”, é importante considerar, numa política de incentivo ao ensino superior, as especificidades das escolas: escola pública, escola privada, escola em tempo integral, escola pública da periferia. Há que considerar as especificidades desses públicos de modo a ter uma atuação mais efetiva, até porque são jovens oriundos de famílias com condições variadas (condições sociais, econômicas, valores que as famílias depositam nos estudos...) e mesmo a “dinâmica” entre essas famílias e as escolas.

No caso das regiões de Petrolina e Juazeiro, uma quantidade significativa de alunos mais abastados e preparados indicam querer sair da região e estudar fora. Daí, talvez, isso leve a pensar no público-alvo que precisa ser mais focado em um trabalho de incentivo ao ensino superior, ou seja, são estudantes que tendem a ficar na região, os que não conhecem a Univasf… portanto, possível público prioritário do projeto.

 

 

 

Dificuldades encontradas e sugestões de melhorias em relação ao projeto “Vem para Univasf”:

 

- A falta de adesão e postura inadequada e constrangedora por parte de um professor.

- É necessário que esse projeto seja visto como prioritário pela instituição, considerando o não preenchimento de vagas como também alto índice de evasão, e seja “abraçado” por toda a Univasf – um evento geral, intersetorial.

- É necessário que os estudantes e mesmo os egressos também se envolvam, tendo participação ativa nas atividades

- Reunião prévia com os setores, inclusive na própria PROEN

- Integrar com a feira das profissões

- Necessidade de um trabalho de comunicação institucional

- Envolver os demais campi

 

Pontos a serem realçados:

- Os técnicos de laboratórios têm uma participação especial e foram fundamentais para o êxito do projeto.

- A participação dos monitores (estudantes) também foi muito importante

 



[1] A Univasf é uma Universidade multicampi, tendo 7 campi.