Por Marcelo Ribeiro
As discussões sobre os antagonismos entre razão e desrazão (tudo que equivale ao contrário de razão) não é novidade. Estas remontam aos filósofos antigos da Grécia, passando por pensadores da idade moderna até psicólogos e neurocientistas contemporâneos. Não caberá, portanto, neste ensaio uma resenha dessas discussões. Irei sugerir, tão somente, um equilíbrio por vezes necessário em um contexto que tende, em certa medida e para algumas coisas, supervalorizar a dimensão da razão. Por fim, tentarei articular a busca desse equilíbrio no âmbito da educação.
Normalmente ouvimos as seguintes frases: “cuidado, você não pode perder a cabeça”, “não perca a cabeça”, “não haja assim, você não tem cabeça para isso”. Bem, o que pretendo propor é justamente o contrário. “Percam a cabeça”!
Mas o que significa o apregoado pelo senso comum (“não percam a cabeça)? Significa que há uma tendência a racionalizar as ações. Tem a ver também com certa tradição que remonta tempos imemoráveis da formação cultural da civilização ocidental, e que se baseia em uma descrença em tudo aquilo que não seja racional. Neste sentido, estamos falando das emoções, da intuição, de gestalt, de feeling, da percepção extra-sensorial, dos sonhos, etc.
Entretanto, um mundo que é regido ou pelo menos que tem como tradição valorizar padrões racionais de conduta e que recrimina ou desaconselha tomadas de decisões ou ações fora do padrão da razão, não parece ser tão eficiente quanto pretende. Poderia passar a descrever aqui de maneira indefinida uma série de exemplos mostrando que, por agir baseado em padrões racionais, muitas pessoas vivem de maneira infeliz, frustrada e, o que pode ser paradoxal, contrária a própria vida. “Perder a cabeça”, desse modo, poderia ser uma boa orientação para muita gente. É claro que não estou propondo abdicar da razão. De maneira alguma! Na verdade, em muitas situações, é necessário saber agir levando em consideração a razão. Isto nos ajuda a antecipar algumas ocorrências, a planejar outras, a criar estratégias, a avaliar e ponderar os passos, a classificar e seriar informações, etc. Essa maneira de agir é muito importante para a vida e não se precisa de modo algum abrir mão dela. A questão que se coloca é, muitas vezes, o excesso desse tipo de conduta na vida. Nem sempre, portanto, “perder a cabeça” é uma coisa ruim. As vezes, agir “perdendo a cabeça” pode ser uma boa oportunidade para a ruptura de um estilo de vida, para fazer viver uma loucura e liberar o potencial criativo, dando vazão a algo reprimido e resgatando a vitalidade existencial. Agir “perdendo a cabeça” pode permitir também a simples experiência de maneira solta, leve e lúdica.
Como foi frisado anteriormente, não há porque abrir mão da razão. Acrescentaria também que viver constantemente “perdendo a cabeça” pode se tornar um padrão comportamental prejudicial, justamente porque se deixou de lado a dimensão racional. O “perder a cabeça” que é defendido tem muito mais a ver com a necessidade de equilibrar uma tendência, muitas vezes excessiva, em nossas sociedades no que diz respeito a super-valorização de condutas racionais. Assim, para algumas pessoas pode ser importante saber e poder “perder a cabeça” para recuperar o equilíbrio de uma vida que estava deveras racional e que a impedia de ser mais vitalizada.
Depois dessa conversa sobre a importância de saber e poder “perder a cabeça” em alguns momentos da vida resta pensar essa questão no âmbito da educação.
Os professores normalmente assumem uma tendência a reforçar as condutas racionais. Em suas classes sempre estão geralmente mais interessados no pensamento dos alunos, em seus argumentos racionais e em suas sistematizações bem encadeadas por uma lógica impecável.
Mas essa postura insistente do professor não poderia também estar colaborando para perda de oportunidade em desenvolver certas habilidades nos alunos? Seria então possível ensinar a alguém “perder a cabeça”? Não, óbvio que não. “Perder a cabeça” seria uma daquelas coisas que tem a ver com o sentir o gosto de algo. Você não ensina uma pessoa o gosto de algo. O máximo que se pode fazer é ajudar a descrever o gosto, é dar algumas dicas. No caso do professor, o que ele pode fazer é valorizar no aluno respostas ou produções que brotem, por exemplo, da intuição. O processo criativo, extremamente necessário não só nas artes, mas também nas engenharias e até na medicina é muito pouco trabalhado pelos professores. Independe da área que se ensine, o professor pode, por exemplo, valorizar em alguns momentos a intuição, as emoções, as gestalts e os feelings dos seus alunos. Assim, por exemplo, para um estudante de engenharia, uma resposta adequada poderia ter como base o uso de recursos criativos, imaginativos e inventivos para a projeção de uma imagem, para prospecção de uma solução mecânica ou elétrica. Para um estudante de medicina um diagnóstico poderia ser elaborado de maneira mais eficiente se ele puder levar em consideração não uma análise mecânica dos sintomas, mas sim uma compreensão do todo que se apresenta.
Uma educação que se baseia ou que pelo menos é aberta para outras tendências que não apenas a racional, abre possibilidades de expressões e produções de respostas mais diversas aos alunos. Estes, por sua vez, podem se sentir mais a vontade em classe porque estariam “mais inteiros”. Isto significa dizer que um tipo de educação nos termos aqui colocados seria menos dicotomizante, permitindo a integração de dimensões e aspectos humanos que foram, historicamente, escorraçados. Tudo isto não significaria a abdicação do rigor acadêmico ou o descaso para com a pertinência da escola. Pensar e fazer uma educação que envolva elementos da razão e da “desrazão” é adotar uma démarche do equilíbrio, uma busca de uma educação integrada.
Praia de Jauá (Camaçari-BA), 04 de janeiro de 2011.
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