segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O PRESENTE QUE EU DARIA A ELA

 
Por Marcelo Ribeiro

Sempre tive uma ligação com as crianças e elas a mim, pelo menos eu acho. Lembro como fazia sucesso quando, enquanto psicólogo, atendia crianças. Quando saia, na rua mesmo, as crianças facilmente interagiam comigo. Até mesmo acreditava que eu tinha alguma coisa com Cosme e Damião (santos da igreja católica, mas que na Bahia adquirem, via o sincretismo religioso, as representações de crianças para o candomblé – orixás como Erê).
Até hoje estou muito envolvido com esse universo da criança. Não é por menos que trabalho com educação infantil. Para mim, a criança e a infância (coisas que têm suas diferenças, bem certo) vêm a ser fontes de inspiração. Eu diria até que inspiram uma filosofia de vida. Lembra da música de Gonzaguinha quando ele diz que preferia as respostas das crianças? Eu mesmo me sinto, por diversas vezes, uma criança. E para mim, a criança e a infância, transcendem o próprio ser, a própria criança ali na minha frente. Para mim tem a ver com o amor, com a poesia, com um jeito de ser e de viver.
E é via essa inspiração, essa atração que atravessa minha vida que quero render uma adoração a tudo aquilo que, para mim, significa criança, infância. Sentei em um banco da praça e deixei a imaginação me levar ao sabor das brincadeiras dos pequenos.
Uma criança, em meio a muitas que “algazarriavam” no recreio da escola, dirigiu-se a mim e disse: “Professor, eu lhe trouxe esse presentinho”. A mão estava vazia, mas dava tanta ênfase a sua realidade que peguei com cuidado aquele “presente” e cheguei a entrar em seu universo. Então retornei: “Uh! Muito obrigado! Mas eu posso saber o que é?” E esta retrucou: “Professor! Você não sabe!? É a coisa mas importante que existe!” Como fiquei com muita vergonha, agradeci novamente e com todo jeitinho coloquei o presente na minha mesa. Voltei para a casa encucado com tudo aquilo.
Meses depois, o ano estava quase acabando e aquela turma tinha sido deveras especial, sobretudo a pequena que um certo dia havia me dado o presente. Não me contive e mesmo sabendo que poderia falar sem ser muito entendido (ledo engano!), resolvi fazer alguns agradecimentos aos pequeninos pela bela companhia que desfrutei durante o período letivo.
“Minhas adoráveis crianças, eu quero muito agradecer do fundo do meu coração todo esse tempo que tivemos juntos e dizer que vocês são muito sabidos e que cresceram bastante. Estou certo que vão continuar aprendendo um montão de novas coisas”. E depois de abraçar cada uma delas, não me contive e perguntei a menininha que havia me dado o presente: “o que é mesmo a coisa mais importante?”
Foi então que, para minha surpresa, escutei algo muito profundo e que me surpreendeu: “Professor, o mais importante é o presente”.
Aquela simples resposta, e que poderia ter algumas interpretações, havia mexido comigo e de novo a menininha me sacudia. Foi então que fiquei com um monte de coisas zunando a minha cabeça. Havia assumido que o presente que a menininha se referia era o presente do presente, ou seja, a própria vida, em seu fluxo, se apresentando como um presente.
Foi então que matutei qual o presente (nesse sentido) que eu daria para “ela”. Acho que essa seria uma pergunta que diria muita coisa, inclusive para a minha própria vida. “Eu daria... Eu daria...” Ficava a pensar. Bem, eu daria o que poderia dar. Daria o meu máximo e o meu melhor. Daria a mim mesmo como a maior prova de doação. Daria sem querer nada em troca. Daria de coração sem cobrar resposta. Daria o meu alcance em inteireza. Daria a beleza, a pureza. Daria o frescor do dia e a noite da magia. Daria toda minha vida se assim exigida. Daria porque simplesmente daria como gesto que se põe e faz movimento. Daria a alegria de dar e com toda a certeza na presença. Daria o que não se pode comprar porque é lá o mais importante. Daria a riqueza da existência para alegrar e enobrecer a sua. Daria o presente em seu aniversário mesmo que ela não soubesse que estava ganhando algo. Daria com o mesmo amor.  

Salvador, 03 de janeiro de 2011.

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