segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Uma experiência de banca de mestrado: Processo identitário, memórias, representações e gestos.

Por Marcelo Silva de Souza Ribeiro
 
Recentemente tive a oportunidade de participar da banca de mestrado de Thyale Vasconcelos Velozo, do mestrado de Psicologia da Universidade Estadual de Pernambuco (UPE), campus Garanhuns, compartilhando a mesa com os professores Mário Medeiros da Silva (orientador), Antônio Pereira Filho (co orientador) e Wanessa Gomes. Além de ser um momento rico e entusiasmante, em relação a defesa propriamente dita, estar na presença desses professores e da mestranda me provocou uma série de reflexões.
 
Depois de ser bem acolhido por Thyale e estar devidamente acomodado em um pequeno hotel ao lado do campus, recebi um convite dos professores Mário e Antônio para o almoço. Logo no nosso reencontro (já os conhecia de outras bancas) senti o entusiasmo daqueles sábios professores. Enquanto esperávamos chegar à mesa as saborosas refeições de Dona Maria, uma costela suína assada e uma galinha cabidela, deleitávamos um suco de limão cravo e proseávamos sobre os últimos e tenebrosos acontecimentos da política e economia brasileira. Após algumas duras e pertinentes análises dos professores que estavam em seus altos dos sessenta e tantos anos, foi anunciado que não estavam “aposentados”, mas sim “jubilados”. Prof. Antônio foi logo explicando que “aposentar” significa voltar aos aposentos e que “jubilado” significa estar em júbilo, um estado de regozijo. Aqueles dois professores mais velhos do que eu, já jubilados, conseguiam lançar um olhar para a universidade, para a sociedade e para a produção cultural e científica de um modo particular e, por vezes, realisticamente duro, mas ao mesmo tempo com profundo sentimento e empatia. Diziam eles que aquela banca, fim de um processo de orientação, seria o derradeiro ato da docência, um resquício de suas fases pré-júbilo. Diziam isso sentidamente.
 
Após o almoço nos dirigimos tranquilamente ao campus e já no corredor do prédio de aulas, o prof. Antônio falou do seu estranhamento em estar ali, afinal viveu seus quase 30 anos naquele recinto e agora voltara meio estrangeiro. Prof. Mário complementou a observação do amigo dizendo que o exercício do desapego era, por vezes, doloroso.
 
Essa experiência de jubilamento para professores, pelo menos para alguns, pode ser algo nada fácil e isso, por sua vez, parece ter relação com a própria condição de ser professor justamente porque demanda uma intensidade nas relações, um envolvimento no fazer e uma identificação de profundidade. A identidade docente é uma daquelas onde a dimensão pessoal e profissional se fundem drasticamente. Fico a imaginar a experiência de jubilamento afinal.  Mesmo para aqueles outros que a desejam e a sentem como alívio, a nostalgia da sala de aula deve ser algo muito próprio.
 
Entre olhares, os meus nos deles e os deles lambendo os corredores, as portas das salas, os pisos e os rostos novos que ali circulavam fez que com os passos se dessem em silêncio até chegarmos ao salão de defesa. Lá estava Thyale, a jovem psicóloga, de braços abertos para a vida e também a simpática jovem professora Wanessa, colega de banca. Duas jovens mulheres, dois maduros e jubilados professores. Eu no meio, ou na ponta de um dos lados, tanto faz. Aquele cruzamento de gerações e de lugares onde seres humanos ocupavam, faziam do momento solene de uma defesa de mestrado algo a mais, que transcendia os acontecimentos do relatório de um processo de pesquisa e sua consequente comunicação.
 
O novo, o velho. O velho que era novo e o novo que podia ser velho. Os professores jubilados que olhavam com nostalgia para a universidade, a jovem professora que iniciava sua carreira com entusiasmo e atenta para aprender com as novidades. A mestranda que dissera não saber o que fazer após a conclusão do seu mestrado. O ciclo de vida e o jeito de cada um ser constituíam, de alguma forma, o processo identitário onde memórias, representações e gestos se faziam e refaziam.
 
O belo dessa história, pelo menos no que foi possível apreender, estava na possibilidade de interagir e de se contagiar com as diferenças de cada um: dos professores em júbilo sentirem presentes no recomeço de outrens, da professora jovem beber de fontes sábias, da mestranda se imiscuir nas experiências ali cruzadas e também produzir as suas para retroalimentar a de todos. O processo identitário, a experiência de ser, se vitalizava, se tornava vital, no encontro com o diferente.
 
Não saímos mais felizes daquela banca, embora fosse vivida com muito contentamento. Saímos mais gente.
 
 

Garanhuns, 13 de dezembro de 2017.



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