sábado, 20 de maio de 2017

Ensaio sobre o Proibicionismo da Existência

Por Victória Ferreira Duarte
Disciplina Educação e Políticas Públicas


Este ensaio tem por objetivo evidenciar as incoerentes implementações de políticas públicas como não efetivadas pelo intuito do bem social, mas a serviço de interesses particulares e mantenedores do status quo. Pensando especificamente sobre o Brasil, muitas das políticas apresentam-se como conservadoras de uma eugenia eurocêntrica e patriarcal, embasada em uma moral cristã de separação entre bons e maus ao funcionamento da sociedade. De modo muitas vezes encoberto e naturalizado pelas mídias de massa, são justificadas guerras e colocados bodes expiatórios sobre sujeitos historicamente estigmatizados e marginalizados pela lógica do capital. Lógica essa que beneficia a poucos e cria uma ilusão meritocrática para que haja a continuidade e conservação das desigualdades socioeconômicas. Com o passar dos anos do nosso Brasil pós-colonial, muitos protestam e se indignam com as criações da classe elitista a mandar e desmandar sobre os demais e, em virtude desta pressão ocorrente, algumas reformulações são efetivadas de modo a ceder ou reescrever os modos de opressão.
Como exemplo a ser aqui debatido, trago a famosa guerra as drogas. Guerra esta que se ilude aquele que imagina que o real alvo são as substâncias ditas ilícitas, mas sim os povos negros, indígenas, periféricos, moradores das favelas como os quilombos urbanos. Pois a estes, restam a chibata transformada em arma de fogo, ou a senzala transformada em presídios de segurança máxima. E assim também, os seus capitães do mato intitulados hoje de policiais militares, que a serviço de seus senhores e a sua proteção, agridem sem dó aos povos periféricos e estudantes que se ousarem rebelar contra o poderoso "Estado Democrático". Democrático? Poder ao povo? Que povo é esse detentor de poder, se nem o poder de comer, morar, estudar, cuidar ou consumir lhe é concedido? E isso não estava escrito na constituição? Então para que serve essa tal constituição? Crime no Brasil é ser pobre, ser negro, ser mulher, ser periférico. Mas isso não está escrito na constituição, está escrito na realidade dos povos nativos (indígenas), nordestinos, e afrodescendentes.
Para melhor contextualização sobre a política de extermínio às “drogas”, podemos pensar o Brasil historicamente em suas produções e relações. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), droga é qualquer substância que ao entrar em contato com o organismo, resulta em alterações fisiológicas e/ou de comportamento.
A partir disto podemos enquadrar neste conceito diversas substâncias, tais como o café (costume brasileiro desde tenra idade à população, e grande fonte econômica do nosso país colonial), o álcool (também grande costume desde a produção açucareira de cana, e bem vista até os nossos dias atuais pela mídia), o chocolate (paixão de muitos), a ritalina (que tem hoje o Brasil como segundo maior consumidor mundial), a maconha (que também não fica atrás em seu alto consumo e sua vasta cultura, sendo historicamente predominante aos povos negros e sertanejos ribeirinhos no Brasil, e aos povos latinos nos EUA), a cocaína (que facilmente percebemos sua vasta circulação do senado aos seus helicópteros e aos bares de intensa bebedeira), entre outras substâncias.
Desse modo, fica fácil reinventar as políticas de manutenção do sistema, se os direitos humanos não nos deixam mais escravizar nossos iguais e criminalizá-los por não obedecer. Então, criminalizemos suas práticas. É só não lhes dar possibilidades de ascensão, de estudo, e como isca fácil, o tráfico de drogas como possibilidade de dinheiro rápido e respeitabilidade social. Tudo isso imposto através de políticas do medo e do poder do gatilho. Levando em consideração também, que através do artigo 33, responsável pelo tráfico de drogas e sua penalização, não é determinada uma distinção sobre aquele que é usuário e aquele que é traficante, cabendo ao contexto e a subjetividade daquele que julga, enquadrar ou não o sujeito.
É só parar e observar o saldo desta grande guerra, nesses anos de instituição da lei de drogas, vejam só que surpresa, as drogas ainda existem em quantidade igual ou quiçá maior ao decorrer do seu período de proibição. Em compensação, tantas vidas deixaram de existir, tantas vidas encarceradas e quantas outras enclausuradas em manicômios intituladas de doentes mentais. Seria essa então a lógica proibicionista, que proíbe os seres de sua própria existência? Assim, mais uma vez apresentando na história da humanidade que em uma guerra, só existem perdedores.
Quanto tempo mais levaremos para compreender que a melhor estratégia para implementação e avaliação de novas políticas públicas é aquela que se baseie pelo amor? Não aquele amor romântico percebido nas novelas ou romances dolorosos, mas amor enquanto empatia, união de povos, cooperação, cuidado, e reconhecimento do outro como parte de mim, em uma unicidade formada por átomos, pertencentes a um mesmo planeta girando em torno de um mesmo Sol. Amor frente aos animais, às plantas, águas, ao ar e aos demais homo sapiens sapiens. Quanto tempo mais nossa espécie - que já chegou a pisar na Lua e a resolver complexas fórmulas matemáticas - levará para a compreensão do respeito?

E assim, com a Psicologia e o estudo sobre as políticas públicas existentes, trazemos suas lógicas e incoerências, é o mal-estar da civilização, ou como eu chamo, a patologia do sistema em que se é colocado o ganho de capital como fim último em detrimento ao ganho social. Põe-se números, ambições e poder acima do bem maior que consiste no bem da vida. Sugiro aqui que retomemos ao amor e ao cuidado nas ações públicas, e descaracterizemos o uso de substâncias como caso de polícia, e sim como um sintoma societal que nos clama por diferentes intervenções. Devemos assumir que essas substâncias são parte importante de uma evolução conjunta entre o ser e o seu meio, aderindo a estratégias de Redução de Danos e aumento de segurança no uso. Precisamos de mais estudos, mais pesquisas que nos apresentem uma compreensão real, pesquisas essas também hoje embarreiradas pela proibição. Devemos nos atentar também às questões sociais e psíquicas envolventes ao usuário, partindo do acolhimento e não da exclusão como estratégia interventiva. O tráfico e a violência só existem porque há a proibição legal, necessitamos de regulamentações e educação sobre o uso e seus reais efeitos e malefícios. Educação para transformar, recriar e reinventar, ampliar e acolher, responsabilizar e compreender.

Nenhum comentário:

Postar um comentário