sexta-feira, 19 de maio de 2017

Ser criança é coisa séria

Disciplina: Educação e Políticas Públicas

Por: Maria Clara F. R. Cavalcanti

O período da infância contemplado pela Educação Infantil (0 a 6 anos) durante muito tempo na história das Políticas Públicas brasileiras não recebeu o espaço devido quando levamos em consideração a importância dele para o desenvolvimento infantil e o quanto as aquisições ao longo do mesmo podem ser decisivas para o desenrolar de toda a vida do sujeito, inclusive para romper ciclos que os colocam em situações de vida de escassez e pobreza. Felizmente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) aprovada em 1996, traz a obrigatoriedade da presença da Educação Infantil no currículo da educação básica, ou seja, chama para o Estado a responsabilidade de fornecer aos cidadãos esse espaço educativo para as crianças de 0 a 6 anos.
Faz-se necessário salientar o adjetivo educativo utilizado para caracterizar esses espaços, visto que eles não devem funcionar como “depósitos de crianças”, ou como um local que substitua as funções parentais, nem muito menos como um espaço meramente “higienizador” ou “hospitalar”. Nesse sentido, o ambiente da Educação Infantil deve promover o cuidado e a educação, para que todas as necessidades biopsicossociais das crianças sejam atendidas, visto que são sujeitos de direitos e dependem dos cuidados dos adultos para sobreviverem, e para que possam ser devidamente estimuladas no intuito de que todo o potencial de desenvolvimento seja atingido. Ou seja, não devemos restringir esse espaço nem ao caráter assistencialista, nem ao caráter instrucional/conteudista, mas sim ampliar os contextos e formas de atuação com essas crianças para que todas as dimensões (cultural, intelectual, emocional, social...) que as constituem possam ser abrangidas.
Para que se cumpra o que é proposto para a Educação Infantil brasileira e essas dimensões sejam de fato contempladas, a LDB salienta algo fundamental, que é a necessidade de uma formação adequada por parte dos profissionais que atuarão com essas crianças, tanto inicial quanto contínua. Só a partir dessa formação bem estruturada eles poderão reconhecer as peculiaridades de cada período dentro dessa faixa de 0 a 6 anos, assim como o quão fundamental é dar a assistência apropriada em cada um deles para que a criança tenha um desenvolvimento pleno e sem grandes atropelos.
Com isso, esses profissionais poderão ter conhecimento também do quanto as diferentes situações socioeconômicas influenciam no desenvolvimento das crianças e como o espaço da creche/pré-escola pode ser organizado para que os impactos negativos sejam amenizados e inclusive sirva de instrumento para a criação de estratégias pela criança que futuramente a tirarão daquele ciclo de vulnerabilidade em que se encontra, visto que os primeiros anos de escolarização são fundamentais para um processo de alfabetização bem sucedido, o que impacta positivamente na conclusão do Ensino Fundamental por exemplo, e assim sucessivamente.
Assim, apenas com essa formação adequada ao público com o qual irão trabalhar, os profissionais conseguirão sair da dicotomia do educar ou cuidar, visto que, como foi colocado, ambos são necessários, e então, superarão os extremos, tanto de um ambiente que se preocupa em atender apenas às necessidades fisiológicas básicas da criança, quanto de outro que dá ênfase apenas ao ensino e à dimensão intelectual da mesma, esquecendo-se da importância do brincar trazida por Vygotsky e Piaget, por exemplo, para o desenvolvimento infantil, tornando os procedimentos da Educação Infantil demasiadamente mecanizados.

Tanto a inclusão da Educação Infantil no ciclo básico da educação brasileira, quanto apontar a necessidade de formação adequada dos profissionais que lidarão diretamente com as crianças para atuar nessa área pela LDB, foram passos importantíssimos para que a Constituição Brasileira de 1988, e o Estatuto da Criança e do Adolescente, realmente fossem contemplados – no sentido de que, a partir dessa lei, as crianças sejam tratadas com seriedade e respeito no que se refere à educação e aos cuidados básicos, visto que são, assim como os demais cidadãos, sujeitos de direitos. Porém, é sabido que muito ainda é preciso avançar no sentido do cumprimento da lei, visto que a maioria das creches e pré-escolas ainda possui profissionais com formação completamente deficiente (quando se tem alguma), assim como há um acesso restrito a tais espaços, como assinala por exemplo uma pesquisa de 2015 divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios [PNAD] 2015 – aspectos dos cuidados das crianças de menos de 4 anos de idade), que aponta que cerca de 75% das crianças com menos de 4 anos de idade estão fora da escola. Além disso, as políticas públicas para esse setor devem ter em mente não apenas as crianças, mas também suas famílias, justamente pelo impacto que elas têm no desenvolvimento e educação desses meninos e meninas desde o período da primeira infância. No mais, os avanços até aqui, ainda que lentos e graduais, não devem ser desconsiderados, e, diante da situação política brasileira atual, devemos lutar ao menos para que os passos dados até aqui não sejam retrocedidos, já que por enquanto torna-se cada vez mais delicado falarmos em “ampliações” ou avanços consideráveis no que diz respeito às leis e ações concretas para o suporte ideal para as crianças de 0 a 6 anos no âmbito da educação.

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