quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Compreendendo os sentidos e os significados de eleitores ao escolherem o projeto e a experiência Bolsonaro





Marcelo Ribeiro


O intuito desse escrito visa dois propósitos: um tem a ver com os esclarecimentos, sob o meu ponto de vista, do que está acontecendo com o Brasil no processo eleitoral para presidente da república. O outro é mais egoísta. Uma necessidade mesmo que sinto de organizar minhas ideias e melhor compreender os acontecimentos que assolam a sociedade brasileira.

É claro que este escrito tem a ver com as questões políticas, especificamente com a iminente vitória de Bolsonaro como próximo presidente do Brasil e do que tudo isso representa. Sendo mais específico, este escrito visa compreender algumas possíveis razões que levam pessoas a votarem no projeto que o Bolsonaro representa e a experiência que isso enseja. No fundo, eu sinto muita dificuldade e até mesmo uma indigestão, as vezes até uma dor, ao ver pessoas que conheço e mesmo pessoas que não conheço, mas que tenho algumas informações sobre elas, dizerem que vão votar em Bolsonaro. Foi isso que me fez produzir este escrito na tentativa de buscar compreensões, no esforço de olhar a partir dessas pessoas e apreender o que movem a apoiar esse projeto e viver essa experiência. Uma tentativa de sair do meu centralismo e compreender, via as perspectivas dos outros, seus sentidos e significados.

Antes, contudo, é importante situar e mesmo explicitar minha posição em relação ao projeto e a experiência Bolsonaro. Aliás, considero obtuso o projeto de Bolsonaro. Parece-me ainda confuso e cheio de contradições, pois há elementos de políticas protecionistas (Bolsonaro é militar da reserva das forças armadas e com vínculos fortes a esse grupo), ele é de direita e se aproxima com a solução via privatizações  (um dos seus consultores e cotado ministro da economia é Paulo Guedes – banqueiro e considerado heterodoxo até mesmo pelos colegas liberais), é apoiado por grupos conservadores, de ultradireita (além de uma boa parte dos grupos evangélicos o apoiarem), mas também tem sua sustentação política formada por linhagens fisiológicas (apesar do seu partido, o Partido Social Liberal (PSL) ser um partido novo, boa parte dos seus membros são oriundos do Partido Progressista (PP), partido com maior quantidade de políticos envolvidos em casos de corrupção). Então é difícil saber qual o projeto político de Bolsonaro. Ele mesmo contribui para isso, pois não expressa muita coisa objetiva em relação as suas principais políticas, como a economia, educação, etc.

Além de explicitar esse meu entendimento é importante também dizer que corroboro com o fato de Bolsonaro reunir características que o situariam, pelo menos até o momento, no perfil ideológico fascista. Bem, mas a questão que quero colocar em pauta é, a despeito disso tudo, o que faz com que as pessoas se identifiquem com a proposta desse candidato? Como as pessoas o veem? Por que elas querem votar nele? O que Bolsonaro representa? O que seria a experiência Bolsonaro?

Antes de apresentar, mesmo que em linhas gerais, os grupos e as produções dos respectivos sentidos e significados daqueles que se identificam com esse projeto e aderem a experiência Bolsonaro, penso ser necessário contextualizar minimamente o cenário Global e nacional sob alguns aspectos.

O reaparecimento de grupos neofascistas/nenazistas não é um predicado brasileiro. Governos conservadores, ultraliberais e com tendências autoritárias estão presentes em vários outros países, como é o caso recente da vitória de Donald Trump, nos E.UA. de Antonio Tajani, presidente do parlamento europeu e mesmo o fortalecimento de partidos de extrema direita pelo mundo a fora.

Certa vez o pensador francês, Michel Serres, disse que há uma espécie de pêndulo na história humana, sempre oscilando entre segurança e liberdade. Talvez estejamos inclinados para a segurança, justamente porque nos sentimos inseguros diante das instabilidades e liquidez do mundo globalizado, por causa dos processos migratórios em massa, em razão das inexoráveis catástrofes ambientais, etc.  Talvez essa insegurança leve a humanidade a buscar soluções autoritárias, mesmo sacrificando suas liberdades e lançando mão da violência, para, justamente, garantir a segurança. 
Em relação ao cenário brasileiro viemos, recentemente, de três governos petistas e meio (dois de Lula e um e meio de Dilma) e que, apesar dos acertos e avanços, houve desgastes e erros não devidamente corrigidos. Ademais, houve uma mudança nas cadeias produtivas internacionais e interesses do grande mercado global que afetou fortemente o Brasil. Isso tudo contribuiu para um acúmulo de 13 milhões de desempregados, muitos deles até desesperançados. Além disso há a questão da corrupção, sobretudo os escândalos da Lava Jato (operação encabeçada pelo juiz Sérgio Moro) que, para aquém de uma análise crítica, contribuiu para aprofundar a crise política e, consequentemente, econômica e social que o Brasil vivencia. Para dar o “tiro de misericórdia”, houve o golpe parlamentar que destituiu a presidenta Dilma Roussef, assumindo o seu vice, Michel Temer, com a promessa de “colocar o Brasil nos trilhos certos”. Depois de quase dois anos de governo Temer, a situação do Brasil piorou e isso também aprofundou a crise de modo a criar uma descrença nas soluções políticas, pelo menos nas soluções já conhecidas ou anunciadas.


Os grupos de eleitores e seus sentidos e significados 

Em primeiro lugar é muito importante partir da perspectiva plural, ou seja, não existe apenas um sentido e um significado que norteiam as pessoas a apoiarem Bolsonaro. Então é importante abordar essas possíveis pluralidades, buscando compreendê-las, adentrando em suas perspectivas.

Há inúmeras análises que indicam que essa eleição está marcada por fortes componentes emocionais e que, no caso de Bolsonaro, são marcas já coladas de modo a criar uma forte representação, uma ancoragem densa (eu estou me remetendo a Teoria das Representações Sociais). São essas “marcas coladas”, essas “ancoragens densas”, que ajudam a buscar o olhar a partir dessas pessoas, a buscar seus sentidos e significados e, portanto, compreendê-las em suas pluralidades.

Tentando dividir em grandes grupos de sentidos e significados, um que destaco tem a ver com o sentido e o significado da esperança. Para muitas pessoas, Bolsonaro representa a esperança. Esperança de um novo na política porque não estaria corrompido, não dependeria dos partidos, falando o que pensa, sendo transparente e conseguindo dialogar com o povo. Sem dúvidas, Bolsonaro é um fenômeno (não um mito, mas um fenômeno a ser entendido), pois tem movido as massas para uma adesão, pelo menos em parte, espontânea, incluindo grupos sociais bastante diversificados (embora haja predominâncias de alguns marcadores sociais). Bolsonaro, nesse caso, é sentido e significado como o novo e com o que rompe com os velhos políticos e as políticas tradicionais (lembrando que não estou analisando as causas e nem desvelando as falácias desses sentidos e significados. Neste caso, por exemplo, de representar o novo é uma grande falácia já amplamente apresentado).

Um segundo grupo de sentido e significado, e aí mais vinculado as questões objetivas, aos anseios da sociedade, tem a ver com a questão da violência, incluindo aí a corrupção. Um dos temas diuturnamente abordados nas grandes mídias tem a sido a questão da violência, da insegurança pública, da corrupção e da impunidade. Bolsonaro se apresentaria como um candidato que traz propostas palatáveis para muitos brasileiros quando propõe, por exemplo, a chamada “excludente de ilicitude” para os policias terem mais autorização para matar em situações de confronto ou quando propõe porte de armas. São soluções que as pessoas conseguem entender e que tem apelos para respostas rápidas. Ele passa a imagem do durão e do implacável, contribuindo certamente para a produção de sentidos e significados que vão acabar ou minimizar com o problema da violência. Importante dizer que Bolsonaro também tem explorado as falhas nos supostos combate a violência. Tais falhas estariam sendo atribuídas as políticas frouxas, permissivas e norteadas pelos Direitos Humanos.

Um outro grupo de sentido e significado, e esse mais ligado aos marcadores sociais religiosos, sobretudo os evangélicos (ligados a corrente Neopentecostal, da Teologia da Prosperidade) e da igreja Católica mais conservadora, adere ao projeto bolsonarista via a política dos costumes. Uma contra-ação motivada na sociedade por grupos conservadores e potencializada por grupos dos meios de comunicação (aqui há um fenômeno interessante porque o maior conglomerado de comunicação, que é a Rede Globo, se posiciona relativamente fora do movimento conservador de costumes e mantem “guerra comercial” com a Rede Record, por exemplo, que tem como proprietário o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus). Assim, os sentidos e significados produzidos por pessoas ligadas a esses marcadores sociais enxergam em Bolsonaro uma alternativa contra o despudor e o esgarçamento da moral cristã, etc. Bolsonaro seria um político que assume explicitamente a posição conservadora (Importante observar que o Brasil é um país mais conservador do que liberal, em termos dos costumes).

Não poderia deixar de abordar aqueles que tem em Bolsonaro o sentido e significado do antipetismo. Desse grupo há que se distinguir os anti-petistas, que são alguns inconformados com a acessão do Partido dos Trabalhadores e com Lula, que é de origem sindical, pouco escolarizado e que cheira e tem jeito de gente do povo.  Há ainda os anti-petistas rancorosos que, por motivos variados, criaram mágoas, ranços e nutriram toda sorte de preconceitos com o vermelho do PT, com os partidos de esquerdas, etc. E existe, por fim, uma boa tarde de anti-petistas que são as pessoas que ficaram decepcionadas. Muitas delas até votaram no primeiro e segundo governos Lula, mas foram se distanciando e se frustrando com os desgastes do governo, mas também se aproximando das oposições e aderindo aos discursos críticos. 

Um outro grupo, embora não tão numeroso, mas qualitativamente representativo, seria uma espécie de misto entre ultradireitistas e neonazistas. Tal grupo expressa cada vez mais abertamente posições de intolerância, soluções aos problemas sociais via a violência e escárnio as instituições democráticas. Isso sem falar da adesão escancarada ao homofobismo, ao racismo e ao machismo. Esse grupo (mas não só o grupo em tela, mas boa parte dos posicionamentos dos demais grupos apoiadores de Bolsonaro) tem como inspiração as ideias de Olavo de Carvalho, um dos principais pensadores da linha conservadora no Brasil. O sentido e significado, para esse grupo misto, é que Bolsonaro representa o seu verdadeiro e ariano líder.

Certamente Bolsonaro não foi o candidato querido do centro e do centro direita do Brasil. Havia uma grande aposta no candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Geraldo Alckmin e esso porque ele seria o mais estável para os interesses do mercado e ainda jogando dentro do campo democrático. Contudo, o fenômeno Bolsonaro arrastou milhões de eleitores de Alckman, que teve um resultado pífio no primeiro turno (4,76%). O sentido e o significado desses eleitores talvez coincidam com aquilo que apontei de Bolsonaro em representar o novo (e não mais Alckmin) e também por representar uma maior possibilidade de lograr vitória. Ainda sobre esse grupo é destacável dizer que muitos têm uma posição consciente de sua condição social e defendem seus interesses, vendo, portanto, em Bolsonaro seu legítimo representante.

Por fim, há o grupo de pessoas que seguiram a manada. Muitos jovens, de classes baixas e que não teria muito o que se identificar com as falas e gestos de Bolsonaro, mas que aderiram pelo calor das emoções propagandeada pela campanha bem-sucedida das mídias sociais de Bolsonaro. Mister destacar nessas campanhas e para esses jovens o apelo aos discursos bélicos e mesmo a espiral do silêncio que aponta para intenção de vitória. 

Importante apreender desses sentidos e significados, e com isso as compreensões a respeito dos eleitores, é que a grande maioria de brasileiras e brasileiros que apoiam Bolsonaro não são monstras e monstros, não são nazistas e nem pessoas perversas. São pessoas comuns como qualquer outra.  Para a grande maioria dos eleitores de Bolsonaro o sentido e significado é de esperança, de renovação, de apostar verdadeiramente em um Brasil menos violento, menos corrupto, com uma economia melhor, com mais empregos. É bem verdade que não parece haver representações de igualdade, de inclusão social, de estado de direito ou mesmo de direitos humanos em um primeiro plano. É como se essas coisas ficassem muito abstratas e pouco importantes diante de situações mais prementes, como a violência urbana e o desemprego. Bolsonaro parece ter tido a capacidade de aproveitar a oportunidade e criar os discursos, as narrativas, e gestos necessários para essas marcas coladas, essas representações fortemente ancoradas.

Por outro lado, se os bolsonaristas (mesmo que momentâneos, porque esse fenômono pode ser uma onda) são pessoas comuns, amigas e amigos, parentes, educados, genuinamente interessados pelo Brasil, por outro lado se identificam e reforçam a representações que apontam para um mundo mais violento, intolerante e autoritário. Sobre isso uma das mais importantes filósofas da contemporaneidade, Hannah Arendt, se debruçou sobre a questão da banalização do mal. Arendt ficou intrigada como as “pessoas de bem” foram capazes de cometer barbaridades em relação ao extermínio em massa na segunda guerra mundial. Há, portanto, um perigo sério nesse momento histórico d=que o Brasil vivencia. Tenho conversando com alguns eleitores de Bolsonaro, pessoas que amo muito, por sinal, e elas asseveram que isso não vai acontecer e que, se Bolsonaro “pisar na bola”, também cairá fora. Particularmente, sobretudo por conta de experiências históricas, não vejo assim. 

Este escrito, portanto, como anunciado lançou alguns olhares para as pessoas que apoiam o projeto e a experiência Bolsonaro buscando compreender seus sentidos e significados. Isso foi empreendido não para, simplesmente, contemplar, mas avançar processos educativos, desenvolver autocríticas e estabelecer diálogos. Afinal, o processo eleitoral é só uma batalha num campo de luta que tende a se esticar e com as portas do imponderável abertas.

Petrolina-PE, 17 de outubro de 2018





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