quarta-feira, 31 de julho de 2019

PSICOLOGIA E CIÊNCIA EM DISCUSSÃO - 3 As evidências científicas em questão



Prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro
Colegiado de Psicologia – Univasf.


Prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro
Colegiado de Psicologia – Univasf.


Relembrando a série dos nossos textos, o primeiro buscou provocar algumas reflexões sobre a importância da ciência, sobretudo no atual momento da humanidade. O segundo intentou uma crítica as possíveis “inquisições” em nome da própria ciência.  Neste terceiro texto buscaremos, de modo muito introdutório, elencar algumas possíveis articulações entre as narrativas das chamadas “evidências científicas” e todo um establishmenteconômico e ideologicamente colonizador.
Assumindo um entendimento radical (no sentido de raiz) de que a ciência é também da ordem histórica e enviesada ideologicamente, é possível, a partir daí, estabelecer algumas relações que aproximam, de maneira íntima, as duas revoluções que marcaram profundamente a história da humanidade: a revolução científica e a revolução industrial (antes dela a revolução burguesa). Curiosamente esses dois potentes movimentos surgem siameses e se entrelaçam de modo que um vai gerar dependência no outro. 
Para os analistas políticos há a alcunha da “sociedade da informação” para a contemporaneidade, que aponta o valor do conhecimento como um capital altamente valorizado. Assim, quem detém o conhecimento, detém o poder político e econômico. A questão, portanto, é defender e definir que tipo de conhecimento é válido e se este está circunscrito no conhecimento dito científico (importante frisar que a própria ideia do que vem a ser científico é uma significativa celeuma na história da Ciência e que será tratado num futuro texto dessa série).
Antes, contudo, de procedermos com nossas articulações nunca é demais lembrar que criticar as ciências (mesmo as narrativas das evidências científicas) não significa ser contra as mesmas. Inclusive, a própria narrativa das evidências científicas deve ser defendida (embora criticada e relativizada), uma vez que sugere que as produções possam ser demonstráveis, que tenham bases e que sejam referendadas por estudos diversos. E isto é muito importante na chamada “era da pós verdade”.
Retomando, gostaríamos de fazer menção a um manuscrito de Gert Biesta, professor da Universidade de Luxembugo, que, embora se situe no campo da Educação, pode ser interessante para a Psicologia. Chama-se “Why ‘what works’ won’t work: evidence-based practice and the democratic deficit in educational research”, e aborda a ideia da prática baseada em evidências como um modelo que não se encaixa bem na área das Ciências Humanas, pois toma os resultados da pesquisa (no caso da prática educacional) como definidores absolutos para a tomada de decisão na forma rotular de efetividade e eficácia, restringindo outras lógicas na tomada de decisões. Por fim, Biesta argumenta que precisamos expandir os pontos de vista sobre as relações entre pesquisa, política e prática, entendo aí dimensões da moral e da ética que escapam ao escopo das evidências científicas.
Seria possível acrescentar ainda às críticas de Biesta, a ideia de que uma ciência ingênua (porque se quer neutra ou dogmática) ficaria mais suscetível aos oportunismos e as dissimulações de organizações e corporações que visam maior controle produtivo e aumento de lucratividades (tudo em nome das evidências científicas que vira uma espécie de selo). Além disso, há a questão das padronizações dos procedimentos via as evidências científicas e a estandardização das avaliações, repercutindo em modelos globalizantes.
As narrativas das evidências científicas parecem servir para a produção de conhecimentos (e orientações de práticas) apropriados para um establishmentjustamente porque vem meramente técnica, supostamente neutra e esvaziada das dimensões moral, ética e política. Seria ainda possível acrescentar a exclusão da dimensão estética (que também será elaborada noutra oportunidade). Claro que não é problema em si da ciência viver essa relação promíscua com o capitalismo, mas a falta de críticas às narrativas das evidências científicas pode aprofundar os processos ideológicos de colonização do saber e do fazer humanos em nome de interesses econômicos e políticos ligados as corporações e a certas perspectivas culturais restritas. 



Obs.Trata-se de um terceiro texto, de uma série, que visa abordar a o papel e o lugar da ciência hoje e suas relações com a Psicologia. 
O segundo texto pode ser acessado em: https://mribeiro27.blogspot.com/2019/07/psicologia-e-ciencia-em-discussao-2.html

Referências
BIEST, Gert. Why ‘what works’ won’t work: evidence-based practice and the democratic deficit in educational research. EDUCATIONAL THEORYj Volume 57,  Number 1, 2007 .

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