sexta-feira, 9 de agosto de 2019

PSICOLOGIA E CIÊNCIA EM DISCUSSÃO – 4 A pluralidade científica e os sentidos de experiência*


  
Prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro
Colegiado de Psicologia – Univasf.

No nosso terceiro texto (“As evidências científicas em questão”) frisamos que a própria ideia do que vem a ser científico remete a uma significativa celeuma na história da ciência justamente porque se dá via um campo de acentuadas disputas paradigmáticas. Uma dessas disputas tem a ver com a interpretação dada para o sentido de “experiência”. Esta palavra parece ser um divisor de águas no entendimento sobre o que é científico.
De modo bem geral, a palavra experiência em sua origem latina e mais ainda grega, remete aos processos do conhecer e se bifurca, na modernidade, basicamente numa vertente mais objetivista e numa outra mais intencional do experimentar (AMATUZZI, 2007).  A primeira inaugura toda a tradição científica objetivista (com seus desdobramentos positivistas e experimentais no campo da Psicologia, por exemplo). A segunda tem uma de suas origens na Fenomenologia e assume a ideia de experimentação do ponto de vista intencional, vivido, portanto, fenomenológico - uma formulação de ciência ainda que distante da objetivista, mas não abrindo mão de seus próprios rigores (MACEDO; GALEFFI; PIMENTEL, 2009).
No clássico livro de Chalmers (1993), “O que é ciência afinal?”, é apresentado de modo didático os cânones científicos (normas e preceitos gerais que fundam o conhecimento científico) numa perspectiva histórica, ou seja, evidenciando desenvolvimentos e mudanças a respeito de compreensões sobre o que vem a ser a ciência, mas ao mesmo tempo mostrando como o conhecimento científico guarda especificidades de modo a se distinguir, por exemplo, do senso comum (distinção não pressupõe necessariamente hierarquização). Isto implica dizer que a despeito das possíveis diferenças do que é a ciência há aspectos que a caracteriza. A produção do conhecimento científico do ponto de vista fenomenológico, resgatando aquele sentido de experiência, demanda rigores próprios que, sem estes, podem inviabilizar a sua consistência, coerência e credibilidade. Um exemplo seria um estudo dito fenomenológico que toma a experiência como algo central, mas que perde a dimensão da intencionalidade e cai no nível objetivista, ou quando não elabora as implicações experienciais dos envolvidos na pesquisa (se nos referimos às Ciências Humanas).
Sendo assim, seria um erro dizer que determinada abordagem psicológica não é científica simplesmente porque está alicerçada em um outro paradigma. Isto poderia ser danoso à medida que descamba para uma espécie de intolerância científica, algo do tipo epistemicídio (poderemos abordar esse ponto em próximos textos). Coerente, então, seria dizer que determinada abordagem psicológica produz uma outra forma de conceber o que é ciência e daí, sim, se estabelecer críticas, debates etc. 


Referências
AMATUZZI, M.. Experiência: um termo chave para a Psicologia. Memorandum, 13, 08­ - 15, 2007.

CHALMERS, Alan F.. O que é ciência afinal?São Paulo: Editora Brasiliense, 1993.

MACEDO, Roberto Sidnei.; GALEFFI, D.; PIMENTEL, A. Um outro Rigor: sobre a questão da qualidade na pesquisa qualitativa. Salvador: Edufba, 2009.



* Obs.Trata-se de um quarto texto, de uma série, que visa abordar a o papel e o lugar da ciência hoje e suas relações com a Psicologia. 


Prof. Marcelo Silva de Souza Ribeiro
Colegiado de Psicologia – Univasf.

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