sábado, 24 de agosto de 2019

O pobre e a elite na mesma escola? Uma análise de como a cultura separa saberes

Por Marta Regina Gelain Maciel 
(Graduanda de Psicologia / Univasf)

Chegou então o comentado período das “ênfases”! E agora? Escolha entre Saúde ou Educação! Troca-se ideias aqui e acolá e percebe-se que ambas andam juntas sim, com intuito de cuidar de seres humanos que necessitam de tal cuidado e de escuta. No entanto, encontra-se na ênfase “educação” temas que necessitavam ser aprofundados, como por exemplo: relações parentais, educação e afetividade - seja na família ou escola - teorias de apegos, política, sim política dialogada, dentre outros. No decorrer da disciplina, visitas foram efetuadas. Professores, coordenadores, assistentes e diretores sempre receptivos, e em todas as instituições, esses representantes demonstraram prazer de estar lado a lado com “gente”. Foram dias de muito aprendizado, seja em escolas com orçamentos contados, com professores adoecidos, mas vê-se também esperança no futuro dos alunos, na educação do Brasil.                                                    No entanto, foi na “sala 15”, em um minigrupo com duas garotas baianas, uma pernambucana, uma carioca, esta catarinense que aqui escreve, e claro, um mestre baiano, que formou-se um “baita” grupo de sabedoria, empatia, troca de informações, carinho e algumas vezes lágrimas disfarçadas, decorrentes das palavras do mestre que nos fazia refletir. Reflexões como: “temos que seguir em frente”, “não é possível só a lástima”, entre outras, que, dá mais ciência que é possível continuar cada um fazendo sua parte, mostrando que, talvez, com passos um pouco mais lentos, cautelosos por conta dos novos olhares que insistem em voltar no tempo, e dos quadros sombrios da educação pública no Brasil, deve-se seguir em frente, lutando.                                                                              Surgiram tantos assuntos angustiantes, sim, houve muitos, e sei que no decorrer do tempo é preciso pesquisá-los e aprofundá-los mais para entender e aplicar, fazer algo a respeito, tamanho o sentido e importância que fazem na vida das pessoas. Voltando ao assunto angustiante, num debate, eis que surge Pierre Bourdieu e Rui Barbosa, depara-se com algo que nunca havia parado-se para refletir: há dois tipos de escola no Brasil - uma pensada para a ralé e a outra para a elite-, e elas são “pensadas“ de maneiras diferentes. Até as mães de meninos da periferia possuem visão diferente sobre tais escolas, por exemplo, quando comentam que, lá seus filhos podem ocupar-se, seja para não se drogarem, não serem mortos pelo tráfico e receberem até lanche. Enfim, qualquer “coisa” para eles, que não têm quase nada, já é suficiente.                                
Bernardo Toro é um educador Colombiano que aponta que a educação na América Latina é dividida, pois “já separamos as crianças na escola automaticamente”. Há um sistema para os que podem pagar, e um diferente para os que não podem, “fazendo com que as diferenças sejam gritantes entre os que estudam em cada um deles”, e o problema, segundo ele, é que aceita-se isso como normal. O educador também cita que isto relaciona-se com a crise de cidadania, sociedade movida por interesses, e não de direita e esquerda. Considera-se então que o aluno da elite nasceu em outra cultura, seus pais possuem bons contatos (definidos pela própria cultura dominante), praticam esportes, cursos, intercâmbios, enfim, muitas atividades que acabam se tornando valorizadas na cultura econômica.                                                                                                   Mediante pontuações de Toro numa visita ao Brasil, onde trouxe sua contribuição, parte-se então para uma análise sobre as funções da escola pública atual. Como os professores, com as condições de trabalho que possuem, desde a falta de material até a pouca estrutura pedagógica, lutam para manter motivado um aluno que tem nas mídias -  os “memes” - que são mais atrativos que uma explanação da disciplina? Que tem uma sociedade de consumo que “joga” informações de uma felicidade gerada pelas aquisições? E os grupos de referências desses alunos que o acabam influenciando?                                                           É fato que existem escolas para formar os filhos dos “ricos”, escolas  focadas na aprendizagem, com tecnologias, viagens culturais e outro fatores que os diferenciam daqueles que estudam na escola que acolhe socialmente.  Por outro lado, considera-se que esse “acolher socialmente”, também é respeitar as diferenças psicológicas de ritmos de aprendizagem das crianças, diferenças sociais, culturais, convivência de alunos, olhando de maneira inclusiva.                                    Essa escola deixa então de lado o domínio extremo do conteúdo, para também valorizar as relações humanas que permeiam nessa escola pública,  onde há respeito às diferenças, com desenvolvimento também cognitivo, moral e  afetivo desses alunos. No entanto, Libâneo (2012) pontuaque é preciso considerar todos os aspectos das diferenças sociais, dificuldades de aprendizagem, os determinantes sociais, compartilhamento de valores sociais, mas por outro lado a escola não deveria abrir mão de ser o maior lugar de acesso a conhecimento, ciência, cultura, para ser uma escola com apenas sentido de convivência, compartilhamento cultural e tais práticas sociais. 
                  Retornando então ao dilema, pontua-se o que traz a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, de 1990, art.1, letra e) sobre fortalecer autoridades públicas, professores, órgãos do governo, setor privado, comunidades locais, famílias, grupos religiosos para que os alunos tenham necessidades básicas de educação atendidas. A Declaração Mundial tem sua proposta original encolhida para que haja atendimento das necessidades imediatas e mais elementares das pessoas, conforme esclarece Torres (2001 apud Libâneo 2012) p.18.  
            
Desse modo, a visão ampliada de         educação converteu-    se em uma   visão   encolhida, ou   seja: a) de  educação   para   todos,   para educação dos  mais  pobres; b) de  necessidades  básicas,          para     necessidades mínimas; c) da atenção à  aprendizagem,  para  a  melhoria e a  avaliação dos   resultados  do  rendimento           escolar; d) da melhoria das  condições de aprendizagem, para a   melhoria das            condições  internas da instituição escolar.  (organização escolar)                      

Além desse encolhimento, também há sim um interesse econômico, como o que traz Libâneo (2012) sobre desenvolvimento das pessoas na educação saúde, saneamento, alimentação, políticas sociais elaboradas para instrumentalizar a economia, ou seja, mais pessoas para a “força do mercado”, e como consequência acabaria com a cultura dos direitos universais a bens e serviços básicos. Uma política pensada em uma lógica neoliberal de que a inclusão das populações excluídas e marginalizadas receberiam o básico, mas sem investimentos pedagógicos suficientes, o que continuariam gerando analfabetos funcionais, abandono escolar e repetências.                                                  Afinal, para a elite. Isso seria caridade? Esta é confortável, pois aplaca a consciência cristã. Para estes, a justiça social permitiria a ascensão de classes, deixando-os desconfortáveis. E é muito menos ameaçador que a elite fique onde está, que olhe de onde está. Retornando à escola, fica claro esta passa a ser vista com função principal de escola acolhedora, e segundo Libâneo (2012) “ocorre uma inversão das funções da escola: o direito ao conhecimento e à aprendizagem é substituído pelas aprendizagens mínimas para a sobrevivência”. 
Os psicólogos, futuros profissionais de relações humanas,são seres políticos, e se os fazeres e gestos destes direcionam a tomar posições, se, mediante  disciplina  tão reflexiva, sair-se-á daqui  para praticar políticas inclusivas (que se contrapõem às políticas que excluem), haverá assim,envolvimento,  através da reflexão e consciência, em um papel que convida a trazer um movimento, uma ação à respeito de uma educação para o pobre que deixa de  ser vista como aquisição cultural, saberes, linguagem, aprimoramento para dar abrigo e comida. Há de se considerar, se está sendo proporcionado condições para que a escola ofereça qualidade e eficácia nos processos de ensino e aprendizagem, que resultem em melhor aprendizagem dos alunos, um trabalho em conjunto com pesquisadores, gestores, pedagogos, professores, no intuito de “chegar” numa educação (e já não diz-se utópica), mas que não distinga as pessoas por serem diferentes culturalmente, mas as torne semelhantes no reconhecimento humano.                                                                                                                      De agora em diante, promete-se usar menos o termo “educação utópica”, e segue-se tentando encontrar outro, talvez “esperançoso”, mas sempre no sentido de luta. Como dizia Paulo Freire, “preferindo uma liberdade arriscada”. Afinal, são tempos de mordaça, que necessitam de reflexão, resultando em engajamento, que é o ponto principal na luta pela libertação.                                              Se nessa sociedade, os bem sucedidos  geralmente  são os que tem mais “acessos”, cita-se Ferrari (2008), que traz que os próprios estudantes mais pobres acabam encarando a trajetória dos bem-sucedidos como resultante de um esforço recompensado. Como então valorizar aquele filho do pobre, que quer estudar, sabe das suas capacidades, mas a própria escola acaba definindo como “superior” o que traz a cultura dominante e acaba agravando as dificuldades destes que desejam galgar degraus na vida? Se a própria escola o vê assim, resta citar novamente Paulo Freire que na sua sabedoria traz do parto doloroso que é a libertação, para ele “o homem que nasce desse parto é um homem novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos.”  
E por fim, retorna-se a Bernardo Toro, esse colombiano que pontua que “a política não é a ciência do poder, é a ciência de criar convergência de interesses”, ou seja, é a partir dessa divergência, que grupos organizados conseguiriam se desenvolver, (Paulo Freire os chamaria de “conscientes”). A partir de uma educação que ajudará este aluno a ser um receptor crítico, principalmente dos meios de comunicação, esse aluno não se deixará manipular, seja como pessoa, como consumidor e principalmente como cidadão. A organização torna as pessoas difíceis de serem enganadas, compradas, afinal somente com tal organização, torna-se potência.

REFERÊNCIAS
FERRARI, M. Pierre Bourdieu, o investigador da desigualdade. Outubro/2008. https://novaescola.org.br/conteudo/1826/pierre-bourdieu-o-investigador-da-desigualdade
LIBÂNEO. J.C. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.38, n.1, p.13-28, 2012.
Educação e trabalho - Um país é sério na educação quando mantém um sistema educativo para ricos e pobres de igual qualidade, disponível em ttps://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-emprego/noticia/2015/11/um-pais-e-serio-na-educacao-quando-mantem-um-sistema-educativo-para-ricos-e-pobres-de-igual-qualidade-4911526.html
Educação só será de  qualidade quando pobres e elite estudarem na mesma escola. Disponível em https://www.sul21.com.br/areazero/2015/11/educacao-so-sera-de-qualidade-quando-pobres-e-elite-estudarem-na-mesma-escola-diz-bernardo-toro/

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