sábado, 21 de abril de 2018

VOCAÇÃO ONTOLÓGICA DO SER MAIS E A PEDAGOGIA DA AUTONOMIA: as crianças como seres criativos, críticos e capazes

Emily Ribeiro da Silva*

Por muito tempo as crianças foram consideradas como seres incapazes, acríticos e que não possuíam oportunidades de participação ativa diante dos processos cotidianos, como no ambiente escolar e familiar. Mesmo importantes contribuições em relação a Psicologia do Desenvolvimento, não deixam claros esse protagonismo da criança, como é o caso de Tomasello (2003), que enfatiza o papel ativo do adulto humano na instrução dos infantes, principalmente no que diz respeito a conhecimentos, conteúdos normativos e valorativos compartilhados socialmente, sendo um poderoso motor de transmissão cultural. Mas isto não significa que elas apreendam a cultura passivamente.
Ainda hoje, as crianças estão em posição socialmente subordinada em relação a outros grupos (SALLES, 2005), no entanto, a sua participação enquanto agentes ativos têm crescido de forma constante, assim, o contexto educacional também merece ser pensado a partir da perspectiva infantil, considerando seu papel ativo. Para Paulo Freire (1970), a educação deve tomar como referência a experiência de vida própria do sujeito, que o compreende como socialmente inserido em um meio construído historicamente. Diante disso, este ensaio debruça-se sobre as seguintes questões pautadas na perspectiva freiriana: Como se dá o processo de mudança na forma de lidar com a participação das crianças no contexto educacional? Como deve ocorrer a autonomia das crianças no âmbito da educação? Qual a relação entre autonomia e potencialidades do sujeito dentro da sala de aula? Qual o papel do psicólogo diante dessa problemática?
Primeiramente, há de se pontuar a inter-relação entre o processo de conscientização, o processo efetivo de libertação e o processo educacional do homem, segundo os ideais de Paulo Freire. Para ele, essa relação se pauta no fato de que alfabetizar é o mesmo que conscientizar e que, consequentemente, conscientizar é transformar. Assim, toda prática pedagógica é uma ação política e a conscientização se realiza por meio de uma educação libertadora (OLIVEIRA, 2007). No entanto, não se pode atribuir à educação a obrigatoriedade exclusiva de agente transformador da realidade social e nem perspectivar uma mudança total do sistema educativo sem que o processo de mudança também ocorra na sociedade que o circunscreve.
Paulo Freire ressalta a necessidade de conscientizar educadores e educandos, de que “ninguém educa ninguém, os homens aprendem comunitariamente” (Freire, 1970). Assim, na medida em que os saberes são compartilhados é que se constrói, de forma conjunta, um novo saber. E é justamente nesse processo que a autonomia do educando é formada. Para Freire (2002), “o educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e o conhecimento como processos de busca”. 
É compreendendo e respeitando o fato de que os educandos possuem um conhecimento prévio que, através de uma relação horizontal, pautada em constante diálogo, a educação para a liberdade (Paulo Freire, 2002) acontece. Os educadores, nesse sentido, fazem com o que os alunos tenham consciência de que são parte da humanidade e que podem, assim, transformarem a realidade. As crianças devem, então, serem vistas como sujeitos capazes e críticos, que possuem voz dentro do contexto educacional e que são capazes de construírem, elas próprias, o seu conhecimento.
Entendendo esse processo como potencializador, verifica-se que existe no ser humano uma vocação ontológica para o Ser Mais, uma característica que se constrói no espaço e tempo e que não está em um a priorihistórico (FERNANDES, 2017). A vocação ontológica do Ser Mais pode ser entendida também como uma vocação para a humanização, e isso acontece não só porque nós somos seres curiosos (FREIRE, 1993), mas também porque sonhamos e lutamos pela humanização e pelo mundo. Ora, se não é exatamente dessa forma que as crianças mostram sua criatividade para conseguirem o que querem: sonhando, com curiosidade e lutando. Assim, a educação (que ocorra de forma transformadora) instiga a realidade através da conscientização e isto torna os educandos ainda mais capazes. 
O papel da Psicologia diante disso é de também conscientizar, de forma crítica, sobre as técnicas e os modos de se possibilitar ações transformadoras. A luta por esta ética está no cotidiano prático da nossa profissão, principalmente diante da questão: formação científica versuscompromisso ético. Refere-se a romper com a opressão ainda presente nos mais variados níveis sociais e promover políticas públicas pautadas em práticas libertadoras. Essas ações, além de atos políticos, demonstram comprometimento e, na visão freiriana, tornam-se ato de amor, e, por consequência, um ato de coragem. Isto no sentido de expulsar o fantasma da opressão que durante tanto tempo esmagou os sonhos dos homens e mulheres, mas que através da educação libertadora, têm tornado as escolas espaços em que se respeita o ser humano enquanto pessoa.


Referências

AULER, D., & DELIZOICOV, D. (2006). Educação CTS: articulação entre pressupostos do educador Paulo Freire e referenciais ligados ao movimento CTS. Seminário Ibérico CTS no ensino das ciências: las relaciones CTS en la Educación Científica4, 1-7.
DE OLIVEIRA, P. C., & DE CARVALHO, P. (2007). A intencionalidade da consciência no processo educativo segundo Paulo Freire. Paidéia17(37).
dos Santos Paulo, F., & Zitkoski, J. J. A educação popular e a vocação ontológica do ser mais: um estudo da trajetória de Carlos Rodrigues Brandão na Universidade. Ciência em Movimento18(37), 47-54.
FERNANDES, R. R., & da SILVA, S. R. (2017). “Ser Mais” Na Obra De Paulo Freire: Relações Entre Ética, Humanismo E Técnica. Revista Científica Interdisciplinar INTERLOGOS2(1), 43-58.
FREIRE, P. (2002). Concientización: Teoría y práctica de una educación liberadora. Galerna.


Estudante da disciplina Educação e Políticas Públicas , da ênfase de Educação, do curso de Psicologia da Univasf (Prof. Marcelo Ribeiro).

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