segunda-feira, 1 de novembro de 2021

ATIVIDADE DOCENTE E MANEJO DO LUTO JUNTO AOS ALUNOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA

 


Figura 1 – luto por Covid-19                                                                                    

FONTE: página da internet (Governo do MS)


Amauri Plácido da Silva Neto 

                   Ely Vieira Santos


Graduandos em Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco


Manejo do luto em estudantes

 

Buscamos, com este trabalho, entender de que forma se dá o manejo das vivências de luto por parte dos docentes da Educação Básica em escolas públicas situadas nos municípios de Juazeiro-BA e Petrolina-PE, sobretudo a partir do contexto de pandemia da Covid-19, em que muitos estudantes perderam familiares e amigos. Essas perdas certamente impactam os jovens, afetando seu desempenho escolar e  relações em geral. Infelizmente, nem toda instituição escolar dispõe de uma rede de apoio e acolhimento adequada para amparar esses jovens, orientando-os durante o necessário e doloroso processo de luto, importante para a elaboração das perdas e ressignificação de suas histórias. 


O luto como expressão necessária da dor

            Para além das intervenções imediatas, a literatura científica alerta para a necessidade de estratégias de longo prazo que visem a fornecer auxílio especializado durante a vivência do luto de forma que ele não ultrapasse a barreira natural e torne-se um processo patológico (ESTRELA et al., 2021). Os alunos de escola pública, por exemplo, público-alvo do projeto em questão, não vivem em ambientes em que é normal falar sobre a morte e, aliadas as dificuldadas já existentes no campo da educação, a saúde se apresenta como um setor também carente de recursos, o que amplia o desafio de docentes e gestores, sobretudo no novo contexto, pois a  pandemia de Covid-19 trouxe mudanças drásticas nas circunstâncias que cercam a morte e o luto, deixando, só no Brasil, centenas de milhares de pessoas em condições adversas para a elaboração da perda de seus entes queridos e em risco de desenvolverem formas mais persistentes de sofrimento mental (DANTAS et al, 2020).

                                

Entrevistamos onze docentes de escolas públicas de Juazeiro-BA e Petrolina-PE. A maioria deles (90,9%) declarou que tiveram alunos que perderem parentes/amigos por Covid-19. Como sugestões de formas para melhor intervir com esses alunos, alguns docentes deram respostas como “muito acolhimento”, “diálogo”, “apenas condolências” etc; outros responderam “com uma conversa, porém fica difícil esse acolhimento”, “infelizmente, não posso acompanhá-lo individualmente, em virtude do formato das aulas, mas sugeri a direção para que desse especial atenção para o caso” etc. 

Quando pedimos para os docentes avalariarem o impacto dessas perdas nas vidas dos alunos, houve afirmativas como “irreparável”, “afetou psicologiamente e como consequência o rendimento escolar”, “perda significativa e com sequelas duradouras” etc. E perguntados sobre se o ambiente escolar estaria preparado para acolher esses jovens, a maioria (90,9%) dos docentes entendia que não. Justificando essa resposta, eles disseram coisas do tipo: “o conhecimento para abordar tal assunto é superficial”, “não tem profissional adequado”, “há pouco debate sobre o assunto” etc; o único docente que  respondeu sim apontou que “a escola tem todo um aparato para receber as crianças”. 

Perguntados sobre o que poderia ser feito para melhor acolher os alunos no ambiente escolar, houve respostas como “escuta e acolhimento”, “psicologia nas escolas”, “debate sobre o tema”, “políticas públicas para a compreensão do processo de luto” etc. E, por fim, quando questionamos se as escolas onde esses docentes trabalhavam estavam desenvolvendo ou já desenvolveram ações voltadas para professores visando o entendimento do luto, a maioria (54,5%) respondeu que não sabia, seguido de 45,5%, que responderam não.

            Ao fim do nosso questionário, deixamos em aberto uma questão para que os docentes sinalizassem o interesse em participar de uma formação voltada ao acolhimento de alunos enlutados, e 81,8% responderam que sim, o que mostra que muitos estão abertos ao diálogo e preocupados em adquirir novos repertórios para melhor atender seus alunos, respeitando suas histórias e perdas pessoais. 

 

Considerações finais

Vivenciar o luto é uma etapa importante para a preservação da saúde e diminuição do sofrimento. No caso dos estudantes, acompanhar esse processo exige esforço de toda a comunidade escolar, sobretudo no sentido de oferecimento de condições adequadas para a atuação de profissionais psicólogos e assistentes sociais. O serviço de psicologia nas escolas deve ser repensado, sobretudo porque muitas vezes esses profissionais são reduzidos ao viés clínico, sem considerar que a atuação deles é bem mais ampla. As perdas pela Covid-19, aliadas aos novos desafios enfrentados pelos docentes no manejo das vivências de luto junto a alunos de escolas públicas, exige que haja um trabalho multidisciplinar para acompanhamento e acolhimento desses jovens, e que seja dado cada vez mais espaço ao serviço de psicologia nessas escolas, para que o aluno sinta que existe espaço para sua dor. 


Esse texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Tópicos Especiais em Psicologia - Interfaces Saúde e Educação, do curso de Psicologia da Univasf, tendo como professores Virgínia de Oliveira Alves Passos e Marcelo Silva de Souza Ribeiro em Outubro de 2021.


Para Saber Mais:

 

DANTAS, C.R.; AZEVEDO, R.C.S.; VIEIRA, L.C.; CÔRTES, M.T.F.; FEDERMANN, A.L.P.; CUCCO, L.C.; RODRIGUES, L.R.; DOMINGUES, J.F.R.; DANTAS, J.E.; PORTELLA, I.P.; & CASSORLA, R.M.S. O luto nos tempos da COVID-19: desafios do cuidado durante a pandemia. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental 2020;23(3):509-533. Disponível em: < https://doi.org/10.1590/1415-4714.2020v23n3p509.5>. Acesso em 10 out. 2021.

 

ESTRELA, F. M.; SILVA, A. F. d.; OLIVEIRA, A. C. B. d.; MAGALHÃES, J. R. F. d.; SOARES, C. F. S. E.; PEIXOTO, T. M., & OLIVEIRA, M. A. S. Enfrentamento do luto por perda familiar pela covid-19: estratégias de curto e longo prazo. Pers Bioet. 2020;25(1):e2513.  Disponível em: <https://doi.org/10.5294/pebi.2021.25.1.3>. Acesso em 11 out. 2021.

 

ODANDO, M. Luto compartilhado por famílias que perderam alguém para a Covid e as etapas de “superação”. Governo do Mato Grosso do Sul. Disponível em: < http://www.ms.gov.br/luto-compartilhado-por-familias-que-perderam-alguem-para-a-covid-e-as-etapas-de-superacao/>. Acesso em 14 out. 2021. 

 

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