quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Um olhar para a Psicologia na escola: desafios e políticas públicas da educação no contexto pandêmico.




Joquebede de Queiroz Santana

Roney da Silva Arrais

Discentes do curso de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco. 

Este texto é produto do processo vivido 

no âmbito da disciplina 

Educação e Políticas Públicas, 

do curso de Psicologia da Univasf, 

tendo como professor 

Marcelo Silva de Souza Ribeiro em setembro de 2022.


A pandemia de Covid-19 provocou uma série de intensas mudanças na população em diversos âmbitos, entre eles o educacional. Tais mudanças exigiram dos profissionais de Psicologia atenção a temáticas inesperadas e uma postura crítica e contextualizada a fim de enfrentar os desafios apresentados. Pois, nesse contexto, emergiram novas demandas, como a escolarização à distância e o confinamento, como resultado do distanciamento social, necessário para conter o aumento de casos da doença; observou-se também o aprofundamento das diferenças sociais, o aumento da fome nas camadas populares e adoecimentos e mortes por Covid-19 (Souza, Souza, Mathias & Almeida, 2022).

Com efeito, houve um significativo crescimento do sofrimento de membros da comunidade escolar, refletidos no aumento de relatos de ansiedade, depressão e automutilação dos alunos, bem como de estresse e sobrecarga dos docentes (Souza, Souza, Mathias & Almeida, 2022). Em contrapartida, percebe-se um reduzido quantitativo de Psicólogos no ambiente escolar, tornando a elucidação das problemáticas supracitadas ainda mais distante (Souza, Souza, Mathias & Almeida, 2022).

Esse novo cenário, marcado pela intensificação de dificuldades já existentes antes da situação de pandemia, contribui para que a escola fosse confrontada com suas limitações e, face a isso, surgiu a necessidade de realizar um número maior de encaminhamentos (Souza, Souza, Mathias & Almeida, 2022). A instituição passou a ter acesso, de maneira abrupta, à importância de estar integrada a seu território, com a finalidade de atender às necessidades de seus estudantes, as quais, sozinha, não conseguiria superar (Souza, Souza, Mathias & Almeida, 2022).

Ademais, o contexto pandemia tornou mais nítido a necessidade de que profissionais de Psicologia adotem um posicionamento historicizado, ético, crítico e humanizado diante das queixas escolares (Souza, Souza, Mathias & Almeida, 2022). Tal posicionamento deve direcionar seu olhar à relação que se estabelece entre os sujeitos (estudantes e suas famílias, professoras, gestoras e outros membros da comunidade escolar) e à realidade social, cultural e econômica da qual os indivíduos fazem parte (Souza, Souza, Mathias & Almeida, 2022). Tomando por base esse viés, podemos chegar a duas conclusões: os sujeitos são construídos através das interações com seu ambiente social e estão em constante transformação. Esta reforça a concepção pela qual a prática educacional se orienta na modernidade: a mudança. Educar pressupõe a formação do homem, o que, necessariamente, só se obtém através de mudanças, de maneira que tem-se por expectativas que as representações que os sujeitos possuem — tanto sobre si quanto sobre o mundo — sejam expandidas, se desloquem e se alterem (Souza, 2004).

Esse movimento permite vislumbrar possibilidades de mudanças para os sujeitos e reafirma a necessidade de compreender os múltiplos fatores envolvidos em processos de aprendizagem, tendo em vista que os desafios encontrados nos processos de escolarização estão também permeados por inúmeros fatores de ordem social e política, destaca-se a imprescindibilidade de atuação junto à e na gestão em Educação, participando e integrando suas instâncias centrais e decisórias (Souza, Souza, Mathias & Almeida, 2022). Assim, depreende-se que participar da construção, implementação, orientação e acompanhamento de políticas públicas e diretrizes e da elaboração de materiais de orientação fornece bases para que as decisões tomadas pelos órgãos de instância superior estejam de acordo com a realidade presente na escola e possam trazer ganhos significativos e efetivos para as pessoas que fazem parte dessa realidade (Souza, Souza, Mathias & Almeida, 2022).

Ainda, torna-se evidente a importância da articulação de ações coletivas que visem compreender e trabalhar as necessidades e potencialidades dos agentes da comunidade escolar, a fim de favorecer a aquisição de uma postura ativa por parte destes (Souza, Souza, Mathias & Almeida, 2022). A importância de se atentar a esses aspectos já havia sido apontada por Souza (2004), conforme o qual, para que o trabalho educacional possa cumprir efetivamente com seu papel, impõe-se a necessidade de conhecer os limites e as potencialidades dos sujeitos. Essa postura fornece outra medida para o trabalho, pois traz à tona elementos como falha, falta, imperfeições, que não significam precisamente a impossibilidade de se avançar, mas se tratam de condições inerentes à condição humana e que

podem funcionar como aliadas da ação, da potência, da transformação, do positivo (Souza, 2004).
Nessa perspectiva, através da criação de espaços coletivos de expressão, acolhimento, escuta e reflexão, torna-se possível contribuir com o reconhecimento das necessidades e dos desafios vividos na escola e com o fortalecimento de vínculos com a comunidade escolar (Souza, Souza, Mathias & Almeida, 2022). Entende-se que, dessa forma, as mudanças produzidas no ambiente escolar serão observadas em maior escala e poderão gerar efeitos mais profundos (Souza, Souza, Mathias & Almeida, 2022).

Em conformidade com Souza, Souza, Mathias & Almeida (2022), o serviço prestado por profissionais de Psicologia durante a pandemia é referenciado, sobretudo, como uma estratégia de cuidado e acolhimento à saúde mental dos estudantes e de profissionais da Educação.

Nesse sentido, percebe-se um significativo avanço na forma pela qual compreende-se o sujeito com problemas durante o processo de ensino aprendizagem e nas ações traçadas por Psicólogos para resolver esses problemas. Evidencia-se, por conseguinte, a impossibilidade — à vista de uma atuação ética — de formular estratégias de enfrentamento aos desafios impostos que segreguem o sujeito dos variados contextos com o qual ele interage, postura frequentemente empregada por psicólogos que, historicamente, serviu para perpetuar e atender a uma lógica neoliberal, onde os alunos e suas famílias eram os únicos responsáveis pelo "fracasso escolar".

A responsabilidade, em virtude desse processo, recaia apenas para o indivíduo por suas dificuldades. Ou seja, aspectos sociais, como baixa qualidade de ensino e insuficiência de políticas públicas que estabeleçam o efetivo direito à educação para todos, são desconsiderados e o sujeito, recortado de sua realidade (Benedetti, Bezerra, Telles & Lima, 2018).

A partir disso, pode-se pensar que, direta ou indiretamente, os processos supracitados se contrapõem à aprendizagem, pois fornecem posições pré-definidas e cristalizadas aos participantes do contexto escolar. Ao ocupar o papel de aluno que "não aprende", o indivíduo tem restringidas suas possibilidades de atuar ativamente no ambiente do qual faz parte, de transformá-lo e transformar a si mesmo através de novas experiências e da elaboração de novos significados e sentidos para suas representações.

Esse processo apresenta-se como duplamente danoso pois, ao mesmo tempo em que impele a aprendizagem efetiva, culpabiliza o sujeito por "não aprender". Pois, a partir de concepções individualizantes advindas do liberalismo e do capitalismo, cria-se a noção de que as pessoas,

dotadas apenas de "força de vontade", podem alcançar tudo aquilo que desejam — e, em caso de não alcançarem, seria exclusivamente por questões individuais, tais como incompetência ou ausência de empenho (Souza, 2004). Essa perspectiva isenta o Estado e as instituições de responsabilidades referentes à qualidade de vida e aos direitos sociais básicos, como o direito à Educação (Souza, 2004).

Face ao exposto, denota-se a responsabilidade de profissionais de Psicologia inseridos nesse contexto. A potência de uma atuação ética, comprometida com a realidade social e embasada em teorias e técnicas científicas por parte de Psicólogos junto à comunidade escolar revela-se como uma ferramenta indispensável para ultrapassar os inúmeros desafios impostos, assim como destacam Souza, Souza, Mathias & Almeida (2022).

Referências bibliográficas

Benedetti, M.; Bezerra, D.; Telles, M. C.; Lima, L. A. (2018). Medicalização e educação: análise de processos de atendimento em queixa escolar. Psicologia Escolar Educacional, 22 (1), pp. 73-81.
Osti, A.; Brenelli, R. P. (2013). Sentimentos de quem fracassa na escola: análise das representações de alunos com dificuldades de aprendizagem. Psico-USF, 18(3), pp. 417-426. Ramos, P. (2019). Psicologização escolar: o lugar da Psicologia e da Psicopedagogia. Revista AMAzônica, 24(2), pp. 152-168.

Souza, B. P.; Souza, J. R. T. L.; Mathias, M.; Almeida, V. A. F. (2022). Queixas escolares e atuação das/os psicólogas/os em tempos de pandemia: vamos construir parâmetros?
Souza, M. (2004). Fios e furos: a trama da subjetividade e a educação. Revista Brasileira de Educação, 26, pp. 119-132

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