quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Onde cabe o psicólogo na escola do mundo pós pandemia?



BARBARA RODRIGUES CAZÉ

 CAIO RICARDO SANTOS ALMEIDA


Discentes do curso de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco. Trabalho fruto da disciplina Educação e Políticas Públicas .


“Alunos estão deprimidos, ansiosos, em luto e faltam psicólogos”. Esse é um trecho do relato de uma professora de uma escola municipal localizada na Zona Oeste de São Paulo. Em matéria realizada pela BBC News Brasil, a professora relata as dificuldades de lidar com alunos no cenário escolar pós pandemia, considerando os sintomas que aparentam estarem relacionados a transtornos de ansiedade e depressão. A implementação das medidas de isolamento social resultaram em transformações em diversos âmbitos da sociedade, a exemplo dos contextos escolares. Considerando que a população mundial, e principalmente a brasileira, nunca vivenciou períodos de isolamento social para conter avanços de doenças em uma escala tão gigantesca em termos de quantidade de pessoas a serem isoladas e tempo de duração, debates que avaliem os impactos dessas medidas são essenciais. Na mesma matéria da BBC News, discute-se a respeito de um mapeamento estadual realizado em parceria com o Instituto Ayrton Senna que identificou que 69% dos estudantes da rede estadual paulista relataram ter sintomas ligados à depressão e à ansiedade. Esses e outros dados revelam a necessidade de compreender e defender o espaço do psicólogo frente às questões escolares.

A psicologia se faz a partir de princípios que já permeavam sua prática antes da pandemia, assim, as repercussões do isolamento social só evidenciaram ainda mais a importância desses princípios. Esses preceitos envolvem a ideia de mutabilidade do sujeito e a importância do trabalho coletivo na superação de desafios, além da crítica à perspectiva individualizante no contexto escolar (Souza, Mathias & Almeida, 2022).

No que se refere à noção de mutabilidade, quando compreendemos que o sujeito tem possibilidades de transformação dentro do espaço no qual está inserido, assumimos que existem ações que podem ser pensadas para potencializar seu desenvolvimento, ou seja, nós não desistimos do aluno. Outro aspecto importante que ficou evidente durante a pandemia é que a superação de desafios se dá a partir de um trabalho coletivo. Para tanto, faz-se necessário reconhecer as potencialidades e necessidades de cada membro da comunidade escolar e o psicólogo tem uma papel fundamental nesse mapeamento. A atuação do psicólogo deve dispor de intervenções amplas e contextualizadas, que envolvam todos os sujeitos que estão inseridos no contexto de ensino aprendizagem. Nesse sentido, deve contemplar a família e a comunidade escolar, indo além dos professores e considerando também todo o

quadro de funcionários da escola, uma vez que o aprender se dá também fora da sala de aula. Para tanto, é crucial que o psicólogo esteja inserido na realidade escolar para compreender os contextos envolvidos, só assim será possível a elaboração de intervenções que conversem com as necessidades escolares (Ronchi, Iglesias & Avellar, 2018). Por fim, no que se refere à perspectiva individualizante no contexto escolar, garantir a subjetividade dos sujeitos é um eminente desafio do psicólogo, uma vez que tal objetivo pode facilmente ser confundido com uma perspectiva clínica, que não corresponde mais com as atribuições incumbidas à psicologia no espaço da escola. Uma atuação baseada em diagnósticos e na responsabilização dos estudantes pelo seu desempenho podem representar uma visão reducionista do indivíduo, excluindo a avaliação de outros fatores que podem influenciar nas experiências dos alunos (Dias, Patias & Abaid, 2014). Para garantir a manutenção da subjetividade nesse processo, é fundamental conhecer as necessidades que surgem, considerando as condições sociais e políticas que fazem parte do contexto do sujeito, uma vez que cada um possui uma história, cultura e especificidades singulares.

Nesse contexto, sugere-se a criação de espaços de acolhimento e escuta para a identificação das necessidades e desafios da escola, o que pode também fortalecer vínculos na comunidade escolar (Souza, Mathias & Almeida, 2022), sendo o psicólogo uma figura com repertório para mediar esse processo. Esses espaços de escuta favorecem a compreensão do sofrimento na escola, além de promoverem espaços de planejamento coletivo de ações contextualizadas que contemplem as particularidades de cada realidade.

Pensando nas contribuições do psicólogo no contexto escolar, a Lei 13.935/2019 prevê a presença de serviços de Psicologia (e também de Serviço Social) nas redes públicas de Educação Básica. Assim, temos que a escola sozinha não possui todos os recursos necessários para suprir as demandas que emergem no cotidiano escolar, sendo crucial a estruturação de um trabalho em rede, um plano ou programa que inclua a saúde mental na agenda. Entretanto essa lei ainda não está em plena execução, é preciso garantir fundos de investimento nessa área, para abertura de concursos e remuneração dos profissionais, pois sem financiamento a lei perde seu propósito. Somado a isso, é preciso construir programas para escolas que estruturam e delimitam as atribuições do psicólogo escolar.

Embora a atuação do psicólogo promova benefícios evidentes para o contexto escolar, talvez seja necessário refletir sobre nosso papel de conquista dos profissionais da educação que já compõem esses espaços de forma mais intrínseca. A classe dos psicólogos precisa também do apoio dos profissionais da educação, que devem reivindicar juntos por uma escola multidisciplinar, comprometida com o direito à educação e com o desenvolvimento integral do sujeito.

REFERÊNCIAS

Carrança, T. (2022). Crise de saúde mental nas escolas: “Alunos estão deprimidos, ansiosos, em luto e faltam psicólogos”. BBC News Brasil em São Paulo. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62613309>

Dias, A. C. G; Patias, N. D; Abaid, J. L W. (2014). Psicologia Escolar e possibilidades na atuação do psicólogo: algumas reflexões. Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo: Volume 18, Número 1

Ronchi, J. P.; Iglesias, A.; Avellar, L. Z. (2018). Interface entre educação e saúde: revisão sobre o psicólogo na escola. Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, Volume 22, Número 3

Souza, B. P; Souza, J. R. T .L.; Mathias, M.; Almeida, V.A.F. (2022). Queixas escolares e atuação das/os psicólogas/os em tempos de pandemia: vamos construir parâmetros?

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