quarta-feira, 20 de março de 2019

A FORMAÇÃO DO (A) PSICÓLOGO (A) ENQUANTO APRENDIZ DE LÍDER-EDUCADOR (A): Contribuições de Paulo Freire em tempos de mordaça.



Clara Maria Miranda de Sousa[1]

Falar em liderança e de seu processo de formação faz recordar o papel que muitos exercem nos vários espaços sociais em que se encontram. Parte-se então do questionamento: O líder já nasce líder? Assim, experimentando os momentos de formação, vou compreendendo que a realidade suscita ser líder, como também ser- educador e explorarei um pouco mais tratando do líder-educador, compreendendo que esse papel vai para além dos bancos escolares, se experimenta na vida e no labor do dia a dia junto as outras pessoas, vivendo junto e com elas as desilusões, as alegrias, os momentos obscuros e animando-as a retomarem o curso das problemáticas, propondo novas maneiras de resolução as demandas histórico-sócio-político-econômico-cultural. 
Esse ensaio parte da disciplina Educação e Políticas Públicas referente à Ênfase em Educação do Curso de Psicologia da Universidade Federal Valem do São Francisco, ministrada pelo Prof. Marcelo Ribeiro. Ao longo de todo o processo da disciplina fomos mobilizados a pensar como lideranças envolvidas com a realidade, do que passou, do que estamos a viver e o que ainda está por vir, relacionado à educação em nosso país e o papel do(a) psicólogo(a)  enquanto ser-político. Escolhi, então, abordar nesse espaço, sobre o processo de formação do líder-educador à luz de Paulo Freire, seja ele ou ela professor ou professora, psicólogo ou psicóloga, animador ou animadora na comunidade. 
Paulo Freire tem sido o grande teórico que discute a facilitação das pessoas no processo de conscientização de maneira coletiva. Construiu assim, um pensamento em que geração após geração influencia a construção de uma visão crítica da realidade.  Arrisco-me aqui a referenciar o livro Pedagogia do Oprimido, enquanto um verdadeiro manual de liderança para as várias instâncias sociais. Em que denomina as práticas educativas pelos círculos de cultura como processo de humanização do homem e da mulher. 
O homem enquanto ser de práxisé o ser que reflete o seu fazer, levando a transformar a sua ação por meio de uma revolução que inicia em si mesmo (FREIRE, 2003). Dessa forma, o homem problematiza a si mesmo em contato com o outro e tal busca de humanização leva-o ao movimento incessante de busca, diante das constatações dolorosas da desumanização. 
Dentro de cada educador tem um líder, sem a liderança não há organização na luta. Em sua obra Pedagogia da Autonomia, ainda nos aspectos introdutórios Paulo Freire (2015) indica que temos uma vocação imbricada na nossa existência, que é chamada por ele como a de “Ser Mais”. Ele explana que vivenciamos o limiar entre o ser e o ser mais, sendo a segunda o processo de crescimento humano, que se reconhece de modo autêntico, enveredando pela busca por contribuir de maneira revolucionária com a construção de uma sociedade que seja humanizada em que todos cabem, que são respeitados pelo o que são e possibilita espaços de revelação do outro enquanto poder-ser.  
Acredito que a revolução por transformar a realidade começa no interior de cada pessoa e vai tomando forma quando outros vão se juntando e fortalecendo o que antes era utopia, moldando para a concretude e a possibilidade de ser real. Com isso, em aspectos “freireanos”, o homem e a mulher são os únicos seres que se revelam enquanto projeto, pois carregam consciência e são capazes de decidirem. É, pois, a formação uma das maneiras de germinar lideranças-educadores revolucionárias que tenham encontro com as massas de maneira amorosa, humilde e corajosa (FREIRE, 2003). 
O texto que ora discorro pode vir carregado de utopia, mas ao longo da vida fui aprendendo que só sonhando podemos construir belezas onde ninguém acredita que possa emergir a vida. Assim vou horas andarilha, ora errante, mas pensando em algo e ampliando a visão para estradas que tem força por dizer que esse lugar nos pertence e nos responsabilizamos por ele. Como também, escolho tratar o texto de maneira bem pessoal, utilizando da primeira pessoa visando o sentido de pertença na experiência de continuar a desafiar-me na formação em ser líder-educadora. 
Nessa seção introdutória apresentei alguns aspectos da contribuição de Paulo Freire na formação de lideranças-educadoras. No próximo tópico, trarei acerca da atualidade sócio-político de nosso país, em que tem atingido as várias instâncias em especial a educação e sinalizado para o fortalecimento formativo de novas lideranças-educadoras. Posteriormente trarei sobre ser aprendiz de liderança-educadora e a psicologia que se envolve na educação e vice versa. Por fim, trato das reverências conclusivas para continuarmos a nos encher de esperança pela participação ativa de tantos por meio da formação que visa estar junto e com as pessoas, pensando e escutando a cada uma. 
Das cinzas nascem novas lideranças-educadoras
            O nosso cenário atual tem sido de ataques ferrenhos a educação através do que popularmente estão chamando de Lei da Mordaça ou Escola Sem Partido. Enquanto papel político, o profissional da psicologia tem a possibilidade de contribuir para que as reflexões sejam ampliadas, pois onde está o humano lá estaremos também. 
            Paulo Freire (2011) nos mostra que para entender o mundo, temos que aprender a lê-lo. Ou seja, para que possamos decidir em vivenciar novas estratégias diante das dificuldades em que somos postos, temos que aprender a ler e reler as frestas que a história, a cultura, a sociedade vão nos indicando. Assim, em suas obras Paulo Freire mostra que dizer que a educação é neutra se mostra um verdadeiro mito, pois sabemos que muitos utilizam do conhecimento de maneira astuta para aprisionar e escravizar o outro. 
A formação que propõe a discussão política, as relações, a atualidade, se mostra ato político, pois cada um tem a possibilidade de compor de modos diversos o compromisso para com a libertação sua e de outros. Tal libertação se mostra enquanto prática dialógica, em que somos mobilizados a enquanto líder-educador a pensar junto as massas, não as negando o direito de escolher e estando com elas em todas as etapas. 
            Atualmente nosso país vivencia as discussões em torno da Lei da Mordaça ou também chamada de Escola Sem Partido, que visa levar a juventude a mecanização de seus saberes, tirando das bases curriculares componentes que o propiciam ao desenvolvimento do pensamento crítico como:  Filosofia, Sociologia, Artes e ainda Educação Física. Além de proibir o diálogo, instaurando um pensamento unificado. 
            Tal projeto de lei 867/15, tendo como autor o deputado Izalci (PSDB-DF), com a pretensão de inserir na Lei de Diretrizes e Bases da Educação o Programa Escola Sem Partido e estipulando a neutralidade política, ideológica e religiosa pelos educadores(as), vetando temas como sexualidade, religião e política nas escolas. Muitos pensadores de todo o Brasil tem se posicionado contra a iniciativa, mostrando que o profissional da educação tem condições de pensar criticamente sobre suas práticas e acerca das imensas discussões suscitadas dentro e fora da escola. 
Fico me perguntando o que escreveria ou diria Paulo Freire em meio a um cenário caótico como esse nosso. E penso que se alegraria com tantas maneiras de resistência que vão sendo resgatadas em todo o país, desde as pequenas até as grandes discussões por perceber a realidade, não reproduzindo uma educação dominante, mas confrontando para que a educação crítica seja capaz de inflamar e se encarnar em cada sala de aula, em cada lugar em que se experimente de maneira ética e estética uma formação de qualidade. 

Aprender a liderar-educar: a psicologia na educação e a educação na psicologia
            Ao longo de toda formação em psicologia, nos voltamos a indagar em torno do humano. Mas o que percebo é que sairemos com mais conhecimentos a buscar e só compreenderemos muitos dos aspectos teóricos que passamos a estudar, na e com a vida. Os segredos a se desvendarem serão descortinados na prática da vida, junto com as pessoas. 
Desse modo, percebo que as crises nos propõem transformar, nos sinalizam para novidades e causa aflição em pensar no projeto de futuro, já que é algo que não é palpável. Conforme isso, vemos que refletir enquanto aprendiz de líder-educadora tem levado a pensar em como revolucionar, nos tornando um pouco mais diferentes. Nas palavras de Freire “revolução tem que ser libertadora ou não é revolução” (2003, p. 76). Enquanto estudantes de psicologia é a esperança da revolução dialógica, que pela oportunidade em que podemos dar nos vários espaços, para a fala, intuímos o privilégio de que muitos se sintam escutados. 
            Na escola de hoje, como vimos na seção anterior o poder opressor busca enfraquecer os oprimidos, escravizando-os e instaurando a desumanização. Por intermédio da psicologia envolvida da educação e a educação abraçando a psicologia percebo como bálsamo para amenizar as dores em que tantos sentem e a possibilidade de potencializar e vencer seus medos, no enfrentamento das desigualdades propagadas pela sociedade da exclusão. Nosso cenário indica, tantos estudantes mutilados pelo preconceito, envolvido de descrença de um mundo melhor, de uma vida mais digna como também belezas e alegrias nos espaços educativos. Assim, a psicologia em meios educativos vem propiciar a esperança de se esperançar, como nos mostra Freire (2015) dando força a tantos que estão desacreditados de si mesmos. 
            O psicólogo é o profissional da escuta, assim o líder-educador abre-se para estar com o outro, escutando-o e compreendendo-o. O estudante de psicologia deve ter essa abertura para os enfrentamentos cotidianos em propor novidades em que todas as pessoas se sintam escutadas e renasçam dos desencantamentos que os poderes opressores mostram introjetando valores, gostos e hábitos invasores afirmando-os como bons, saudáveis e superiores. 
            O desafio é não nos calar mediante uma geração que tanto deseja aprisionar o projeto dos sonhos por uma sociedade menos desigual e com mais oportunidades. Temos em nossas mãos a grande responsabilidade de propiciar o diálogo autêntico, a serviço da libertação, reconhecendo como transformadores sociais não sendo estático, mas estando em movimento por humanização. 

Reverências conclusivas
            Concluo essa breve discussão reverenciando a tantos líderes-educadores que emergem da luta e se põe na prática cotidiana por qualificar o cenário educacional utilizando do pouco e fazendo tantas vezes muito, para que milhares de pessoas cheguem a almejar novas conquistas, exercendo a cidadania de maneira responsável, não extraindo mais do que se precisa, mas pensando no outro enquanto co-participante da transformação social. 
            Outra reverência lanço para a formação que pensa na vida, provocando novos jeitos de ver o humano. Tivemos nesse componente curricular a oportunidade de sermos aprendizes de líder-educador, tomando consciência das imensas possibilidades que temos em nossas mãos para propagar a possibilidade de cada um a construir sua própria história, tendo a liberdade de escolher e decidir. 
            E por fim, reverencio a tantos jovens ou adultos, estudantes de psicologia que se permitem moldar com a realidade, escutando com sensibilidade as mazelas do mundo e levando-os a reflexão para que continuem a ter força de refazer tantos cenários cinzentos da nossa sociedade. 
            Cada um de nós é capaz de pisar firme os cenários das desesperanças, compreendendo que a história pode ser refeita, através da participação coletiva por uma liderança-educadora que o leve a viver a valentia da luta, a consciência de sua subjetividade, a responsabilidade por seus atos, ao exercício da compreensão, da tolerância e da paciência, se posicionando sempre como aprendiz. 

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2003. 
_______________. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 51. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. 
_______________. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 2011. 


[1]Estudante da disciplina Educação e Políticas Públicas (2018.2), da ênfase de Educação, do curso de Psicologia da Univasf (Prof. Marcelo Ribeiro).

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