quarta-feira, 20 de março de 2019

RELAÇÃO DA FICÇÃO COM A TEORIA E REALIDADE DA APRENDIZAGEM NO BRASIL: CAMINHOS POSSÍVEIS



Juliane Cavalcante Nunes[1]

Apresentação
O ensaio que estou prestes a dividir com você, caro leitor, é recheado com diversos modos de pensar, diversos olhares sob o mesmo objeto, porém eles conversam entre si e as conclusões visam ser interessantes. Então, almejando credibilidade, logo de início trarei um pouco de história, depois teoria, depois fantasia e depois uma mistura dos dois. Aproveitem a leitura.

Um pouco de história.
A educação no Brasil atualmente, tem se modelado de forma heterogênea, por conta dos métodos que vêm se diversificando a cada dia, e sendo reformulados para uma tentativa de se adaptar, não necessariamente ao contexto do aluno, mas às debilidades oferecidas pelo sistema educacional, como forma de cobrir ou driblar essas faltas. O que é preocupante, tendo em vista que o futuro cognitivo e também formativo do aluno depende dessa base. Logo se o sistema se apresenta defeituoso, o aluno ficará com prejuízos.
Assim, partiremos para um pouco de história. A escolarização, da forma que conhecemos, chega ao Brasil através dos Jesuítas, e desde aí ela já tem uma forma autoritária. Em 1599, se promulga o Ratio Studiorum, que padroniza um método que sistematiza o ensino, utilizando-se de um único currículo, que dividia em graus e em conteúdos. O sistema deveria ser efetivado de forma integral, havia um currículo em comum e já se gestava a ideia de redes conectando os colégios,  da forma como temos hoje (Almeida, 2014). O objetivo das redes, permanece até hoje como uma aquisição positiva. Para além disso de lá para cá, era de se esperar que muita coisa houvesse mudado, tendo em vista que 420 anos se passaram. Contudo, o que se nota, é que esse modelo de educação, com o currículo em comum, a divisão em graus e a forma como se passa os conteúdos, a urgência para que a cada final de ano todos os conteúdos tenham sido ensinados (sem a menor preocupação de que de fato tenham sido aprendidos), permanece vigente na maioria da escolas.
É interessante se pensar sobre o aspecto histórico dessa construção escolar, para entendermos o modelo atual e as suas tentativas de mudança. Por que o novo tanto nos assusta? Sabemos que é necessário implantarmos um novo modelo de educação para que ele consiga abranger a todos, um modelo que não privilegie apenas uma forma de aprendizado. Com essa afirmação não quero menosprezar aos que aprendem de forma tradicional, mas quero dirigir o meu olhar para a grande multidão que sofre para aprender com esse modelo, mas de certa forma aprende,  e à outra multidão que não aprende com esse modelo.
Tendo em vista essa reflexão, podemos pensar ainda, que sim, muitas coisas mudaram! Afinal, não temos tantos modelos diversos que vêm sendo experimentados nas escolas? Como por exemplo o construtivismo de Paulo Freire, O modelo cognitivo, a educação à distância. Assim com apenas esses modelos eu derrubaria toda a minha conjectura de que a educação atual se norteia por um modelo arcaico. Porém, se pensarmos um pouco sobre quantas escolas conhecemos atualmente que seguem esses modelos, e quantas escolas (principalmente públicas) que seguem o modelo tradicional, veriamos que está havendo uma mudança porém ela está andando a passos lentos.
Depois Teoria.
Desse modo, ainda há muito o que pensarmos sobre a forma que esses modelos alternativos estão sendo aplicados. Por exemplo, a teoria nos traz muito sobre o que deveria ser feito, como podemos observar no livro “Pedagogia do oprimido”, de Paulo Freire, onde ele traz, teoricamente, como o mecanismo escolar deveria funcionar para, fazer do aluno o protagonista da sua luta e da luta de um outro. Dessa forma a escola deveria fornecer bases para que o indivíduo seguisse rumo a uma mudança de vida, de pensamento e de paradigmas.
Com todo esse ideal, ele gera a ideia do construtivismo, onde o aprendizado é construído na interação e relação, saudável entre professor e aluno. O conteúdo deve começar a ser moldado a partir da realidade da comunidade e deve instigar os alunos a quererem saber mais. Para tanto, logo no primeiro capítulo do seu livro “A pedagogia do oprimido” Freire (1970), traz a ideia de que o homem desalienado sabe que sabe muito pouco e que há muito mais a saber, e que não conseguirá saber tudo, mas o quanto puder aprender vai ajudar no seu processo de crescimento.
Depois fantasia.
Pode ser que soe, até mesmo fantasioso, principalmente com a fonte que citarei, mas é muito interessante ver esse ideal de construtivismo sendo colocado em prática no filme “Uma professora muito maluquinha”, que tem como base o livro de mesmo título, escrito por Ziraldo. O filme se passa na década de 40, numa pequena cidade. A professora Catarina ou “Cate”, como é chamada carinhosamente pelos alunos, dá aula em uma sala de 4ª série, e ela traz os conteúdos de forma dinâmica e lúdica, ela tem ideias, como: não fazer prova, porque ela confia no que os meninos dela aprenderam, não passar atividade para casa, “num tem não, tudo que eles tem que aprender aprendem aqui, quando é que eles vão brincar?”. E por fim, os seus métodos, que são os mais instigantes possíveis, já no primeiro dia de aula, ela pede para que os alunos escrevam o nome da pessoa que está do seu lado, “pois, qual é a graça de saber escrever o próprio nome”, e assim ela embaralha os nomes e pede para que eles coloquem em ordem alfabética, para que eles aprendam. Assim a cada dia ela surpreende a turma com algo novo, ela conta histórias para os meninos, ela dá gibis aos alunos para lhes instigar a vontade de ler, ela os leva para uma aula de campo para aprenderem geografia, ela ensina a tabuada com música, ela inventa uma máquina de ler, ela leva os meninos ao cinema e depois conversa com eles sobre o filme de Cleópatra e em resposta os meninos fazem uma peça com o tema, e apresentam na escola. Assim a classe vai crescendo, e não só em conteúdo, mas também pessoalmente, cada aluno tem uma conexão de amizade com ela, ela não é apenas uma professora, mas uma amiga.
Dessa forma, a magia e inovação está no ar e a felicidade do desejo de aprender começa a incomodar as demais professoras, que na minha leitura são o que atrapalham o ensino. Com a sua fidelidade ao tradicionalismo, elas acham que a professora Cate só faz baubúrdia, há também um certo sentimento de inveja, já que os alunos estão sempre felizes e sempre com vontade de ir à aula. Elas passam o tempo em levar reclamações ao padre, que é o inspetor do colégio, sobre os métodos nada tradicionais da professora Cate. Se esquecem de aprender com ela, de se tornarem melhores do que si mesmas, e pensam apenas em manter a escola nas normas e padrões, que como a gente já viu, foram instituídos há muito (mais de 500 anos).
Ao decorrer desse comportamento anti-prova da professora Cate, as professoras acabam por fazer um abaixo assinado, pedindo que a professora Cate, seja destituída do seu cargo, isso ocorre logo após a professora maluquinha, dizer que não faria as provas de final de ano com a sua classe. Nesse momento do filme, o único pensamento que vinha a minha mente era que de o velho sistema nunca daria lugar ao novo tão facilmente, porque o velho era conhecido era mais fácil, era tido como correto por muitos, e que uma mudança nele abalaria tanto a comunidade que seria melhor ensinar mal à ensinar com algo que te faça gostar daquilo, se eu não tive ninguém precisa ter. O que corrobora perfeitamente com a ideia de Almeida (2014), quando ele diz: “As escolas, na prática, mesmo que de forma dissimulada, não se comprometem em desenvolver a educação de qualidade ou a evolução do ser humano, mas sim o controle e o domínio cultural.”
Uma mistura dos dois.
Dessa maneira, voltamos as ideias de Freire. A educação como transmissora de cultura, e como ferramenta tanto de alienação, como de desalienação, porém ultimamente tem servido mais como o primeiro. E é exatamente isso que o filme “Uma professora muito maluquinha” quer trazer, que quando criança temos toda a vontade de aprender o saber, e quanto mais aprendemos mais crescemos, porém isso nos é retirado pela escola, o que acaba nos alienando, e nos fazendo submissos a uma educação bancária. Que, no filme é retratado através das personagens das demais professoras, que só querem impor aos seus alunos um conhecimento, no formato que vem do livro, que são recortes de uma realidade tão tão distante, assim as crianças permanecem a perguntar: “A gente já chegou? A gente tá chegando? A gente já chegou?...” Já que o caminho para eles acaba sendo longo e chato para se chegar tão tão longe, nessa estrada do saber.
Avançando mais nessa linha de pensamento, de caminhadas difíceis por caminhos tortuosos, podemos pensar um pouco sobre o filme “Sementes podres”, ele traz para a discussão os alunos “problemáticos” das escolas, aqueles com dificuldade de aprendizado, aqueles bagunceiros, aqueles “maloqueiros”. O filme tem como pano de fundo uma ONG, que tenta ajudar essas crianças nas férias, com um programa de reabilitação e reforço escolar. Porém, apenas o primeiro dia é obrigatório. sendo assim o programa geralmente não tem muita aderência. O diferencial do filme, se dá porque quem vai conduzir todo esse processo é um ex ladrão de rua (Wael), que armava com a sua madrasta para roubar. Tudo que a madrasta quer é que ele tenha oportunidades para não precisar roubar, e ela só o ajuda para que ele não vá para a cadeia. Entre passado e presente, muita coisa vai se entrelaçando, tanto na história de Wael, quanto na dos 6 meninos que ali estão.
É interessante ver como o Wael faz para chamar a atenção deles logo no primeiro dia de aula, eles estão fazendo uma espécie de greve de silêncio, pois não queriam está ali. Assim ele começa a com um diálogo entre ele e um menino imaginário e o expulsa da sala, logo após ele finge atender uma ligação, sai da sala e fica espreitando atrás da porta para ver se eles vão falar. Eles discutem sobre o porquê o menino teria sido expulso. Assim a sua estratégia é conhecer a turma de forma indireta. Depois ele começa a contar uma história de assassinato e assim que ele vai chegando a quem foi o assassino, ele finge receber outra chamada sai da sala para ouvir a discussão deles sobre quem é o assassino. Desse modo os meninos discutem e quando estão em certo ponto ele entra novamente na sala e pede para ouvir deles quem eles acham que é o assassino, daí alguns começam a falar. Já é um avanço muito grande, ele precisa que seja bom para que os meninos voltem, pois se não voltarem o dono da ONG o denunciará, pois quase foi roubado por ele no início do filme.
Nesse caminho a narrativa vai se desenrolando e ele inventa a cada dia maneiras de surpreender e ensinar aos meninos, sobre a vida, sobre os sentimentos, sobre conteúdos, sobre estratégias, enfim ele ensina muito em cada dia. Ele os inspira, e os ajuda a resolverem problemas reais do seu dia a dia, problemas que antecedem e tem uma ligação com o fato de aqueles adolescentes estarem ali. E é justamente isso que a educação representa para mim, um suporte para a vida, um local onde se aprende a contar para os pais que se sofre abuso sexual, um logar com o qual se pode contar para denunciar um traficante que te obriga a vender droga, um local em se aprende que mesmo você tendo um QI maior do que o de todos ali, sempre existirá uma área em que outra possa te superar e é isso que nos faz humanos.
Pode até parecer utópico, surrealista e fantasioso, mas a educação tem esse poder. E é por isso que escrevo esse ensaio, porque muito poder vem sendo desperdiçado, sem querer parecer um livro de auto ajuda agora, e correndo até o risco de soar meio clichê, mas sim, a educação pode despertar em nós o melhor de cada um, pode apontar onde podemos melhorar, pode nos estimular o máximo a sermos o melhor que podemos ser, por completo. Saber matemática, física, química, biologia, português, geografia, história ou artes é sim muito importante e isso merece ser aprendido, nos faz crescer muito, mas gostar disso, aprender a dizer não, aprender a conviver com o diferente e respeitá-lo, aprender as regras sociais e a sua importância (ou desimportância) ou aprender como elas foram moldadas e como moldá-las para um muito mais equitativo, faz toda a diferença, nos faz expandir como o universo, em uma explosão de cores, luzes e até sons, nos faz querer descobrir mais sobre cada pedacinho interno e externo do mundo e de si. Esse é o papel da educação.
Mas como colocar toda essa magia em prática? Não existem mais varinhas de condão, nem tudo se resolverá em um bibiti bobiti bu! Na verdade, até mesmo esses filmes mágicos estão sendo repaginados hoje, e têm demonstrado que as atitudes podem mudar o curso que a história vem tomando. Não podemos apagar o que já fizemos até agora, mas podemos inovar a cada instante. Seria necessária uma reestruturação de mundo? Externo e interno de cada ser, e pra ser bem realista, já que estamos falando de magia e mundo real, muita gente não vai se convencer disso, mas os que se convencerem podem contagiar cada aluno seu, transformando devagarzinho uma geração, em uma geração de seres que sabem estar expandido e sabem a importância de conhecer.
Por fim, ainda há uma distância entre a teoria real de Paulo Freire, a teoria misto fantasia com realidade de Ziraldo e de “sementes podres”, e a realidade concreta que vive e respira para além dos muros das teorias, cabe a nós sonhadores profissionais construir a ponte do saber entre esses mundos paralelos.

Referências:

ALMEIDA, W. R. A. A educação jesuítica no Brasil e o seu legado para a educação da atualidade. Revista Grifos, Unochapecó, N 36/37, p. 117-126, 2014.

FREIRE, P. A pedagogia do oprimido. 11. ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1970.

SEMENTES podres. Direção de Kheiron. Filme original da Netflix, 2018. Duração 110 min.
Disponível na Netflix.

UMA professora muito maluquinha. Direção de André Alves Pinto e César Rodrigues. São João del Rey (MG): Globo Filmes, 2011. Duração 90 min. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sGbQ_g4YrDo





[1]Estudante da disciplina Educação e Políticas Públicas (2018.2), da ênfase de Educação, do curso de Psicologia da Univasf (Prof. Marcelo Ribeiro).

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