quarta-feira, 20 de março de 2019

Políticas públicas brasileiras: um retrato da realidade


Edyenele Freire Guimarães[1]


Fazendo um panorama da educação brasileira nos últimos tempos é possível observar o esforço construído em prol da superação do quadro de analfabetismo que afligiu o Brasil. Juntamente com o processo de redemocratização, tivemos o desenvolvimento de pesquisas na área educacional que demarcaram a ocorrência de altos índices de defasagem escolar, escancarando ainda a desigualdade regional que coloca as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste com os piores índices educacionais do país.
No ano de 1996, diante das acaloradas discussões políticas foi promulgada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), representando um avanço significativo quanto a definição do papel do Estado e suas atribuições. A partir disso, surgiram também os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que ditaram as diretrizes para o ensino, formação de professores e educação especial nas escolas. 
Dessa forma, a escolarização passou a ser um direito de todos os brasileiros, compreendendo do ensino infantil ao médio, garantindo investimentos e expandindo o número de vagas ofertadas como formas de alcançar a universalização do ensino público, gratuito e de qualidade. É possível afirmar que a vigência de políticas públicas na área permitiu avanços importantes quanto ao acesso, no entanto é preciso um olhar crítico para soluções que se apresentam simplistas.
Um primeiro ponto a se destacar é a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, enquanto um equalizador que diminui as desigualdades existentes, atendendo a demandas regionais através de recursos complementares. No entanto há ainda uma carência em conhecer a realidade que se pretende mudar durante a formulação das políticas públicas educacionais para as quais esses recursos são destinados.
 As barreiras culturais, sociais e econômicas por vezes são desconsideradas como coloca Goldember (1993), dando as políticas um caráter utópico. O profissional que está exposto diariamente a esses contextos tem participação restrita, geralmente na sua implementação, sendo sujeitado a práticas que não correspondem a realidade local. 
Um exemplo disso são as escolas de lata, geralmente localizadas em comunidades rurais e periferias, sendo utilizadas como estratégias de prefeituras que alegando não possuir recursos para reformar e construir novas escolas, alugam contêineres para substituir as salas de aula convencionais. Essas estruturas apresentam ainda condições precárias de funcionamento, feitas de material inflamável, sem proteção térmica e ventilação. 
Situações como essa nos levam a um segundo questionamento acerca da qualidade da educação brasileira e dos péssimos níveis de desempenho registrados. Em uma palestra realizada para membros do conselho técnico da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviço e Turismo pelo presidente do Banco do Brasil, Rubens Novaes, o economista afirma que a má colocação do Brasil em rankings internacionais de educação se devem as crianças brasileiras vindas de famílias pobres e não a problemas do sistema de ensino no país. O mesmo afirma ainda que devido a desnutrição e a má formação neuronal as crianças já chegam a escola com problemas cerebrais que tornariam quase impossível o alcance de um desempenho satisfatório.
 No entanto, essas crianças, tidas como problemas no sistema educacional devido ao fracasso escolar, aprendem a viver fora dele em condições de muita dificuldade, sendo capazes inclusive de prover o seu sustento e o de sua família (situação ilegal, porém verdadeira). Como comprova Teresinha Carraher et al (1982) em um estudo realizado com adolescentes brasileiros no qual foi possível verificar que a dificuldade desses jovens na aprendizagem de matemática no ambiente escolar formal não se caracterizava como um desconhecimento das operações matemáticas uma vez que estes jovens conseguiam reproduzi-las de maneira informal no seu cotidiano de maneira assertiva.
Dessa forma podemos identificar que há uma falha que culpabiliza o aluno, especialmente na rede pública de ensino, e sua condição histórica, existindo uma isenção do papel da escola que, diante de tantas alternativas pedagógicas e metodológicas continua a apresentar um currículo inadequado e falho que não consegue chegar para essa população.  
Outra reflexão a ser feita é: quais os objetivos da educação fornecida no nosso país? A que/quem serve o nosso sistema educacional? Para sujeitos que estão mais próximos a linha da pobreza a educação surge como refúgio, sendo o seu meio de ascender socialmente e obter maior qualidade de vida. Para a sociedade em si é esperado que o ambiente escolar seja o local para desenvolvimento da cidadania, mas há ainda uma lógica perversa que molda estes sujeitos a partir de uma ótica mercadológica como mão-de-obra, focando na sua produtividade e utilidade política e econômica.
O atual ministro da educação, Ricardo Vélez Rodríguez,eleito pelo governo Bolsonaro, em uma de suas declarações afirmou que a educação no ensino superior deverá se restringir a uma elite intelectual, diferenciando-a ainda da elite econômica do país. Ora, quem fará parte desta elite se antes mesmo de chegar ao nível superior estes jovens, vulgo futuro do país, já foram excluídos do processo educacional mais básico?
É possível visualizar que existe no Brasil duas tendências quanto a formação, a primeira voltada para o nível superior e caracterizada por indivíduos das classes médias e superiores, e a formação técnica profissionalizante que absorve as classes trabalhadoras, constituindo a mão de obra do país. O discurso do ministro não só escancara essa realidade como a mantém. 
            Assim, os discursos aqui apresentados revelam a realidade de uma país elitista, marcado pela profunda desigualdade social e guiado por interesses políticos, ao passo que revela os interesses daqueles que atualmente ocupam o poder e mantém esse sistema. Deste modo, muitas das nossas políticas estão voltadas para o que Paulo Freire (1998) aponta como sendo uma falsa caridade, advinda daqueles que eventualmente estendem as mãos em atos de “generosidade”, mas mantém as condições de injustiça.
            Nesse sentido, a efetivação de políticas realmente funcionais só se dará através da constituição de sujeitos que se apropriem de sua condição enquanto oprimidos, e que estando munidos de uma atuação política libertadora não apenas passem para o outro polo, mas rompam com a dicotomia existente. 

Referências Bibliográficas

Carraher, T. N. et al (1982).Na vida dez, na escola zero: Os contextos culturais da aprendizagem de matemática.Caderno de pesquisa. São Paulo (42): 79-86.
GOLDEMBERG, José (1993) . O repensar da educação no Brasil. Estud. av. São Paulo, v. 7, n. 18, p. 65-137.
CARTA E EDUCAÇÃO – REPORTAGENS Disponível em:  Acesso em 11 de março de 2019.
FOLHA DE SÃO PAULO – MERCADO Disponível em:   Acesso em 11 de março de 2019.
FREIRE, P. (1998). Pedagogia do Oprimido. 25 ª ed. (1ª edición: 1970). Rio de Janeiro: Paz e Terra.



[1]Estudante da disciplina Educação e Políticas Públicas (2018.2), da ênfase de Educação, do curso de Psicologia da Univasf (Prof. Marcelo Ribeiro).


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