quarta-feira, 20 de março de 2019

ANÁLISE DO SISTEMA DE COTAS COMO INSTRUMENTO DE COMPENSAÇÃO DE VULNERABILIDADE




Rebeca Cavalcanti Nunes Amorim[1]
                        
A partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), o sentido de igualdade, antes baseado na ideia de que as normas deveriam ser aplicadas da mesma forma para toda a população – fosse rico ou pobre, branco ou preto, do Nordeste ou Sudeste – transformou-se na ideia de igualdade material. Esse novo princípio pressupõe 
“(...) uma igualdade proporcional porque não se pode tratar igualmente situações provenientes de fatos desiguais. O raciocínio que orienta a compreensão do princípio da isonomia tem sentido objetivo: aquinhoar igualmente os iguais e desigualmente as situações desiguais” (BULOS, 2008, p. 79 apud MELERO, MARTINS, JUNKES & ROSSI, 2017).
Por muito tempo, o acesso à universidade federal foi privilégio de jovens provenientes das classes média e alta que, de modo geral, concluíram a educação básica em instituições privadas. Desse modo, a visão elitista acerca do ensino superior no Brasil reafirma as desigualdades sociais historicamente impostas (MELERO, MARTINS, JUNKES & ROSSI, 2017). De encontro a essa ótica, aLei Nº 12.711, promulgada em 29 de agosto de 2012,prevêa implantação da política de cotas, que reserva vagas em instituições federais de ensino superior para estudantes egressos de escolas públicas (BRASIL, 2012).  A lei tem por objetivo proporcionar ao cidadão em estado de vulnerabilidade social, econômica e histórica as condições necessárias para que alcance, de fato, a igualdade em meio às desigualdades construídas em sociedade.
Nessa perspectiva, a Lei Nº 12.711determina que 50% das vagas ofertadas pelas universidades federais e Institutos Federais de Ciência e Tecnologia devem ser destinadas a alunos que tenham cursado integralmente o ensino médio público.Dentro dessa porcentagem, metade das vagas são atribuídas a estudantes com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita. Além disso, as vagas reservadas a afrodescendentes, indígenas e seus descendentes – cotas étnicas – também estão inseridas nesse percentual, devendo ser distribuídas de acordo com o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (BRASIL,2012).
Nesse sentido, tal ação governamental pode ser considerada um importante marco na história da educação de nível superior do Brasil, tendo em vista que possibilita o acesso das camadas sociais menos favorecidas a essa categoria de ensino.Isso se tornou possível a partir da expansão do ensino superior entre 2003 e 2015, que proporcionou a criação de novas universidades federais, bem como a construção de novos campiuniversitários e de Institutos Federais de Ciência e Tecnologia. Desse modo, houve também o aumento na quantidade de estudantes que ingressam o ensino superior federal, que passaram de 100 mil para 230 mil anualmente. Esses dados vão de encontro ao mito de que a política de cotas prejudica os não cotistas, tendo em vista que, mesmo com metade das vagas sendo destinadas às cotas, houve o aumento de 15 mil vagas para ampla concorrência (RIBEIRO, 2018). 
Muitos dos posicionamentos contrários à política de cotas se mostram como formas de conservar a estrutura de segregação e opressão social. Tendo em vista que o conhecimento é ferramenta essencial para a detenção de poder, não interessa à elite opressora proporcionar o acesso das camadas menos favorecidas à educação. Como justificativa à desigualdade de oportunidades, os opressores perpetuam o discurso de que conquistaram sua posição e direitos sociais com seu próprio esforço, sendo os oprimidos considerados “invejosos” que não os tem por serem “incapazes e preguiçosos” (FREIRE, 1987).
Para Freire (1987), superar a relação de opressão “implica no reconhecimento crítico, na ‘razão dessa situação’, para que, através de uma ação transformadora que incida sobre ela, se instaure uma outra, que possibilite a busca do ser mais”. Nessa perspectiva, a lei de cotas pode ser entendida como uma ação transformadora que possibilitará o acesso à educação que, por sua vez, é uma prática de libertação.
Dessa forma, indo de encontro à lógica de opressão, a lei Nº 12.711 prevê a redução das diferenças sociais, permitindo que a parcela da população historicamente menos privilegiadas possa, de fato, concorrer de forma mais igual às vagas nas universidades federais no Brasil. Assim, a lei de cotas não se caracteriza como uma política protecionista, mas como um mecanismo de inclusão social por meio da educação.

Referências
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: . Acesso em: 10 mar. 2019

BRASIL. Lei 12711/2012. Disponível em . Acesso em: 10 mar. 2019

MELERO, C.; MARTINS, C. B.; JUNKES, D. & ROSSI, E. A Lei Nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, como política que favorece a busca da igualdade material.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005, 42.ª edição.

KRAWCZYK, N. Escola pública: tempos difíceis, mas não impossíveis. Uberlândia, MG: Navegando, 2018.


[1]Estudante da disciplina Educação e Políticas Públicas (2018.2), da ênfase de Educação, do curso de Psicologia da Univasf (Prof. Marcelo Ribeiro).

Nenhum comentário:

Postar um comentário