quarta-feira, 20 de março de 2019

Como a cultura provoca desigualdade social por meio da escola


 
Raick Bastos Santana[1]


            Dentre as diversas relações possíveis entre escola e sociedade, Bourdieu nos alerta para o surgimento e manutenção das desigualdades sociais como produto dessa relação. Segundo esse autor, dentro do ambiente escolar os indivíduos aprendem a aceitar com naturalidade as ideias e representações impostas pela classe dominante.  Os processos e instrumentos utilizados para que essa dominação seja exercida e mantida são os conteúdos, programas, métodos de avaliação, relações pedagógicas, práticas linguísticas e temáticas abordadas. Assim, o ciclo de dominantes e dominados se mantém com o apoio do ambiente escolar legitimando esse processo (Bourdieu, 1989 citador por Ferreira, 2013). 
Para entender como Bourdieu chegou a essas análises e conclusões é fundamental compreender alguns dos principais conceitos elaborados na sua pesquisa. Sendo assim, é importante destacar que o sociólogo identifica a sociedade como uma estrutura estruturante, ou seja, as relações sociais ditam modelos de formas de agir e existir ao mesmo tempo que estão constantemente sendo reestruturadas pelos indivíduos. Outro conceito importante é o de campo, caracterizado como um espaço marcado pela dominação e pelos conflitos, como o campo jornalístico, literário, educacional e diversos outros. Para Bourdieu, esses campos possuem uma autonomia, com suas próprias regras e hierarquias (Bourdieu, 1989 citador por Ferreira, 2013).  
Segundo o sociólogo, a reprodução dos discursos dos dominantes acontece de forma sutil a partir da ação dos agentes e das instituições. Isso contribui para a preservação das funções sociais agindo como uma dominação simbólica exercida sobre os indivíduos e com a adesão deles. Quando os agentes põem em prática essa dominação simbólica para fazer com que os sujeitos aceitem com naturalidade as representações de como a sociedade deve ser, passa a existir a prática da violência simbólica. É através da transmissão da cultura escolar, com suas regras, valores e padrões de comportamento que a classe dominante exerce sua autoridade, com dominação e violência simbólicas (Bourdieu, 1989 citador por Ferreira, 2013). 
            Bourdieu destaca ainda três tipos de capitais que direcionam a forma como os indivíduos de comportam e exercem os seus papeis na sociedade: o cultural, o econômico e o social. O capital cultural corresponde ao conjunto de diplomas, nível de conhecimento geral, experiências com o teatro, artes, idiomas e boas maneiras. Nesse sentido, as referências culturais, os conhecimentos considerados legítimos e o domínio maior ou menor da língua culta, que algumas crianças aprendem no ambiente familiar, facilitariam o aprendizado escolar. Já o capital econômico está relacionado ao poder aquisitivo e acumulo de bens materiais. Por fim, o capital social se caracteriza pelas redes de relações sociais que os indivíduos possuem. Nesse contexto, estudantes de classe média ou alta burguesia, pela proximidade com a cultura “erudita”, maior suporte financeiro e rede de relações estratégicas, têm maiores chances de obterem sucesso escolar (Bourdieu, 1989 citador por Ferreira, 2013).
De acordo com Bourdieu (1989 citador por Ferreira, 2013), existem três conjuntos de de estratégias de investimento escolar de acordo com a classe social: popular, média e elite. O primeiro grupo (ou classe), pobre em capital econômico e cultural, tendeira a investir de modo moderado na educação. Uma explicação para isso é a percepção dessa classe de que as chances de sucesso são reduzidas por falta de recursos econômicos, sociais e culturais para levar ao sucesso escolar. Isso levaria a conclusão de que o retorno do investimento é incerto e a longo prazo, o risco seria alto.  Segundo Bourdieu, nessas famílias, de modo geral, a vida escolar dos filhos não seria acompanhada de modo sistemático e nem haveria uma cobrança intensa em relação ao sucesso escolar.
Por outro lado, as classes médias tenderiam a fazer um alto investimento na escolarização dos filhos. Isso se daria pelo fato desse grupo já ter recursos suficientes para tornar o investimento escolar menos arriscado. Além disso, é importante ressaltar a expectativa de futuro para essas pessoas. Já que grande parte veio das classes populares, a educação se torna um meio para avançar mais ainda a ascensão social em direção à elite. Sendo assim, a classe média tenderia a controlar a fecundidade para focar os recursos em um número reduzido de filhos e acompanhar sistematicamente o sucesso escolar (Bourdieu, 1989 citador por Ferreira, 2013).   
Por fim, segundo Bourdieu (Bourdieu, 1989 citador por Ferreira, 2013) a elite investe de forma pesada na escolarização dos filhos, mas de uma forma mais descontraída do que a classe média. Isso acontece pelo fato de o sucesso escolar já ser algo natural para essas pessoas. Os recursos de capitais culturais, sociais e econômicos tornariam o fracasso escolar muito improvável, além de estarem livres da luta por ascensão. A elite já ocupa papeis dominantes, por isso não precisam dos estudos dos filhos para garantir um futuro melhor.  
Sendo assim, a partir das análises feitas por Bourdieu é possível perceber que o ambiente escolar não representa necessariamente um ambiente de libertação e transformação social. É na escola que a educação, como um campo, legitima os princípios e vontades da classe dominante. A eficácia desse processo se dá por intervenções sutis que fazem com que os dominados não percebem a violência simbólica e por isso mesmo acabem concordando com a organização social estabelecida. Representações socias dadas como natural impedem que as classes populares percebam a educação como possibilidade de ascensão, achando arriscado investir em algo incerto com possível ganho a longo prazo.   
Entretanto, mesmo percebendo a escola como espaço legitimador de desigualdades, ainda é possível identificar a educação como um meio de se conscientizar sobre os processos de dominação e violência simbólicas. Cada campo tem um conjunto de discursos que busca naturalizar as relações desiguais para facilitar a dominação. Nesse sentido, ao mesmo tempo que a pesquisa de Bourdieu parece provocar uma descrença sobre as possibilidades da educação, ela fornece um conjunto de conhecimentos para conscientização e buscar por libertação no sentido de não naturalizar as relações como são apresentadas. 

REFERÊNCIAS
FERREIRA, W. Bourdieu e Educação: concepção crítica para pensar as desigualdades socioeducacionais no Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 46-59, jun. 2013. 
            


[1]Estudante da disciplina Educação e Políticas Públicas (2018.2), da ênfase de Educação, do curso de Psicologia da Univasf (Prof. Marcelo Ribeiro).

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