quarta-feira, 20 de março de 2019

PANORAMA DA PEDAGOGIA WALDORF NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA



                                                                                        
                                                                                                            Lorena Francisca de Oliveira[1]

            A educação no Brasil sofre os efeitos da herança histórica de desigualdades, da lógica dominante de mercado e da recente mudança no panorama de governo. Diante disso se faz necessário a busca de recursos alterativos que minimizem esses sintomas e que contra-argumentem com o discurso bancário (FREIRE, 2005), meritocrático e normativo de ensino, não só no aspecto macro, por meio das políticas públicas, mas também das micropolíticas dos contextos escolares. Um modo de fazer isso é através de projetos e metodologias pedagógicas comprometidas com outros modos de educar, uma delas e sobre a qual será tratado nesse ensaio, é a pedagogia Waldorf, um modelo pedagógico que propõe uma perspectiva mais abrangente de contato consigo e com o mundo, na relação ensino-aprendizagem.
            A pedagogia Waldorf surge em 1919, a partir de fundamentos teóricos, de natureza filosófica e antropológica, desenvolvidos pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925), responsáveis por uma ampliação na visão de educação e antes de tudo, de ser humano. Tudo começa na cidade de Sttutgart na Alemanha, quando Emil Molt, um entusiasta das ideias de Steiner e dono da fábrica de cigarros Waldorf-Astória, propõe a ele a criação de uma escola para os filhos dos funcionários da fábrica (ZIEGLER & LIMA, 2018). Desde a criação da primeira escola, houve uma expansão que já conta com mais 100.00 delas no mundo, e 73 só no Brasil, segundo a Sociedade Antroposófica Brasileira e a Federação das Escolas Waldorf do Brasil, respectivamente.
            Ainda segundo Ziegler & Lima (2018), essa proposta é fundada a partir dos pressupostos da Antroposofia, cuja etimologia grega significa conhecimento do ser humano a partir do conhecimento da natureza e do universo. Uma perspectiva teórica elaborada por Steiner, que reúne suas ideias sobre o conhecimento e os modos de se chegar até ele, pautadas no que chama de filosofia da liberdade, pois, para ele, a liberdade é um “processo de autodeterminação da consciência, à atividade pensante”. Trata-se de uma proposta de resgate à autonomia, de experimentação do mundo e da própria vontade de conhecê-lo, de tal modo que seja dispensada a exigência externa de aquisição de conteúdos e de desenvolvimento de habilidade, e colocada em seu lugar a autônoma compreensão cognitiva dos fenômenos. (BACK JUNIOR, 2013)
            O ideal de liberdade da pedagogia Waldorf dialoga com aquela defendida por Paulo Freire, pois apesar de abordarem diferentes aspectos, a libertação da opressão em Freire e a individualidade em Steiner, ambos partem dos princípios de uma educação libertadora, com incentivo ao desenvolvimento de autonomia nos processos educativos (BACK JUNIOR, 2012). Na contrapartida, de acordo com Monteiro, Castro e Herneck (2018), a última publicação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), sobre a educação infantil, apesar de apontar para direitos e objetivos de aprendizagem por meio de uma aplicação e avaliação processual, não apresenta condições para transpô-los à realidade das crianças, pois desconsidera os dilemas contextuais das escolas, as singularidades dos alunos, e a necessidade de potencializar as relações professor-aluno, professor-família, como corresponsáveis pelo processo de ensino-aprendizagem. Desse modo, a pedagogia Waldorf se propõe a preencher essas lacunas que o modelo pedagógico tradicional não tem conseguido superar.
            Segundo Barz e Randoll (2015), na europa, as escolas orientadas pela pedagogia steineriana, são consideradas escolas para a elite, uma alternativa às escolas públicas, pois não contam com financiamento completo do governo, e em específico, na Alemanha que possui mais de 200 dessas instituições, a proporção de pais com formação acadêmica é alta. No Brasil, uma pesquisa realizada com 11 dessas escolas do Sul e Sudeste do país (AZEVEDO & MARCONDES, 2016), avaliou o perfil das famílias dos alunos, e concluiu que o nível socioeconômico dos pais é predominantemente médio ou alto, e os valores cobrados pelas escolas que variam conforme o nível de ensino, tem valores que podem chegar a 1.350,00 para a educação infantil e 2.800,00 para o ensino médio, Semelhante ao estudo anterior, a maioria dos pais também tem ensino superior.
            Apesar da predominância apresentada da rede privada nas escolas Waldorf, no Brasil há iniciativas que fomentam a expansão do modelo também para famílias menos favorecidas socioeconomocamente, em especial para a rede pública de ensino. Uma delas é o Programa Escolas Transformadoras, mantida por uma organização internacional de empreendedores sociais de diferentes países, que em parceria com uma organização sem fins lucrativos brasileira, financia no país escolas steinerianas e de outras pedagogias alternativas. Nesse sentido, há também a atuação do Instituto Ruth Salles que incentiva a criação dessas instituições, especialmente na rede pública, através de divulgação da pedagogia e de assessoria à organizações e governos, e que atualmente idealiza uma pesquisa sobre a implementação das escolas Waldorf públicas que já funcionam no país, como forma de divulgar e incentivar a criação de novas escolas públicas com esse perfil.
            Desse modo, no centenário da pedagogia Waldorf no mundo, os desafios para a sua expansão no Brasil, em especial no sistema público de educação, apontando para a necessidade de mais pesquisas na área e apoio às iniciativas organizacionais que sustentam o modelo em instituições brasileiras. Modelos como esses representam uma tentativa de superar dificuldades da educação que atravessam gerações e não têm apresentado perspectivas de avanço dentro da pedagogia tradicional. Sendo assim, enquanto houverem brechas a educação libertária se fará presente, em busca de um desenvolvimento que vá além da transmissão de normas e conteúdos.


Referências:

AZEVEDO, L. M.; MARCONDES, F. O perfil das famílias que optam pela Educação Waldorf no Brasil, Paraná, 2016.

BACK JUNIOR, J.; STOLTZ, T.; VEIGA, M. Autoeducação e liberdade na Pedagogia Waldorf. Educação: Teoria e Prática, Rio Claro, v. 23, n.42, p. 161-175, jan/abr. 2013.

BACK JUNIOR, J. A Pedagogia Waldorf como educação para a liberdade: reflexões a partir de um possível diálogo entre Paulo Freire e Rudolf Steiner. 2012. 409 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2012.


Federação das Escolas Waldorf no Brasil. Disponível em:<http://www.fewb.org.br/Links-Uteis.php>. Acesso em 10 de Março de 2019

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005, 42.ª edição.

Instituto Ruth Salles:<http://www.institutoruthsalles.com.br/pedagogia-waldorf-na-rede-publica/> Acesso em 10 de Março de 2019

MONTEIRO, C. C.; CASTRO, L. O.; HERNEK, H. R. O silenciamento da educação infantil: proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Pedagogia em Ação, Belo Horizonte, v. 10, n. 1, set. 2018.

RANDOLL, D.; PETERS, J. Pesquisa empírica sobre a pedagogia Waldorf. Educar em Revista, Curitiba, n. 56, jun. 2015

Sociedade Antroposófica Brasileira:<http://www.sab.org.br/portal/> Acesso de 10 Março de 2019

ZIEGLER,S. S.;LIMA,G. F. C. Contribuições da Pedagogia Waldorf para uma educação ambiental crítica: o processo pedagógico na Escola Waldorf Rural Dendê da Serra em Uruçuca-BA. Rev. Eletrônica Mestr. Educ. Ambient, Rio Grande, v. 35, n. 1, p. 296-314, jan./abr. 2018.







[1]Estudante da disciplina Educação e Políticas Públicas (2018.2), da ênfase de Educação, do curso de Psicologia da Univasf (Prof. Marcelo Ribeiro).

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