quarta-feira, 20 de março de 2019

PEDAGOGIA DO OPRIMIDO, CONCEPÇÃO DA EDUCAÇÃO BANCÁRIA E POLÍTICAS PÚBLICAS COM BASE NA EDUCAÇÃO PROBLEMATIZADORA


Vanessa Melo da Silva[1]

Durante as discursões que houveram em aula, as conversas sobre o livro Pedagogia do Oprimido (Freire, 1998) me chamou a atenção porque é notório suas críticas relacionado a educação, quem já passou pelo ensino fundamental e médio identifica facilmente o que o autor se propõem a passar, falar e refletir. É preciso que discursões como essa saia do meio acadêmico e seja disseminada para as demais pessoas de forma simples e clara, para que possa chegar de um jeito que nos leve a ter uma criticidade em torno do nosso dia a dia.

No segundo capítulo do livro, Paulo Freire mostra a concepção bancária da educação que ainda prevalece na maioria das escolas do Brasil, sendo um sistema que é antigo, pois desde a criação das escolas o intuito era educar, mas não o suficiente para se ter um pensamento mais amplo e de sentido do conhecimento.

Nesse contexto, a relação entre educador-educando é fundamentalmente de um sujeito (narrador) que está caracterizado na figura do professor e objetos depositantes, os ouvintes, caracterizado na figura do aluno. Ou seja, a voz do professor naquela sala é a lei e tudo que ele fala é a verdade e não deve ser questionado. Isso acaba deixando várias possibilidades para trás e petrificando o modo de aprender, acarretando em algo sem vida. 

Com isso as palavras ficam ocas, o modo verbal de transmitir conhecimento acaba sendo alienada e alienante, como o que só saísse da boca do educador fossem apenas ondas sonoras desnecessárias. Sua figura de autoridade vem como forma de medo e não respeito, e consequentemente, sua fala são de coisas retalhadas e desconexas da nossa realidade, como por exemplo, as partes do nosso corpo em biologia, ali parece que é algo distante e na verdade estamos falando de processos que acontecem no nosso próprio corpo. 

Como consequência, o educando é conduzido a uma memorização mecânica do conteúdo, segundo a concepção bancária, são vistos como vasos para serem preenchidos docilmente e de preferência o maior número de coisas possível, o educador que consegue isso é considerado o melhor em sua área. Transformando as palavras em sonoridade e não em sua força transformadora, tornando a educação em um ato de depositar, acarretando em uma noção de que os educadores são os depositários e os educandos os depositantes. 

A única margem de ação dos depositantes é receber, guardar e arquivar, não tendo criatividade, transformação e saber. Ainda tem o pensamento de que o saber é uma doação daqueles que se julgam mais sábios e de conhecer mais, acreditam que o pensamento do outro é mais limitado, não sabem nada. Tal ponto de vista é fundada na ideologia de opressão, uma absolutização da ignorância, que constitui uma alienação da ignorância e se encontra sempre no outro. Desse modo, as posições se mantém sempre fixas e invariáveis, sempre como figura de superioridade, apenas ele sabe desconsiderando a educação e o conhecimento como processo de busca. 

O educador é aquele que sempre sabe, pensa, diz a palavra, disciplina, prescreve sua opção de atuação e escolhe o conteúdo, já o educando, é um mero objeto. Sua visão de homem é que são seres de adaptação e ajustamento, quanto mais esse sistema é colocado, quanto mais se tem o ensino como simples forma de arquivamento, menos vão ser desenvolvidos o pensamento crítico e menos vão ter transformadores do mundo. Minimizando o poder criador, a criticidade, sem uma educação estimulante do pensar autentico, satisfaz os interesses dos opressores e estimula a ingenuidade. 

Para Foucault, o enunciado pode ser transmitido de acordo com interesses ou desejos, ele é sempre relacional, não se tratando de um aparecimento individual ou autoral, mas do jogo de posições que o sujeito pode ocupar. Não é necessário que haja um sujeito consciente que diz algo, e sim um jogo de relações que demarca quem pode falar. (Foucault, 2010).

Os opressores estão mais interessados em implantar um pensamento nas bases para não serem questionados, “é transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime” (Freire, 1998). Pois, melhores adaptados a situação, melhor o domínio, implementando uma lógica “seres para o outro” pensando que os oprimidos sempre estiveram “fora de”, no entanto eles sempre estiveram “dentro de” e a solução é que se possa compreender que somos “seres para si”. É perigoso para a educação bancária haver essa conscientização dos educandos, a autenticidade é perigosa. 

O pensamento nessa educação é o homem no mundo, e não do homem com o mundo e com os outros, tornando-os apenas espectadores, recebendo os depósitos que o mundo lhe oferece, como se o homem fosse uma presa que só repete e não recria. Ao educador, cabe disciplinar, encher de conteúdos para imitar o mundo, para que possam ser passivos e adaptados. Quanto mais encaixados, mais vão servir para os opressores. 

Alguns métodos que Paulo Freire questiona são as aulas verbalistas, avaliação do “conhecimento”, critérios de promoção, controle da leitura, distância entre educador e educando e as indicações bibliográficas. Em relação a distância que se tem, o educador não entende que é melhor buscar ser com os outros, consequentemente, evita e até teme se comunicar. Prefere que haja uma sobreposição, isso é uma prática da dominação que transforma os educandos em objetos. 

Os opressores tratam as pessoas como coisas, são movidos pelo desejo de ver a vida sendo encarada como mecânica, gosta do sentimento de posse como forma de controle do pensar e da ação, ajustando as pessoas ao seu mundo, inibindo o poder de criar e atuar. A educação como prática de dominação precisa manter a ingenuidade, para doutrinar e conseguir ter uma acomodação do educando ao mundo da opressão. 

Porque ainda existe? 

Colocando dessa maneira parece ilógico continuar com esse tipo de educação, parece que é obvio que ocorra uma mudança significativa desse sistema, mas a resolução é mais complicada do que parece. Primeiro porque foram anos nessa perspectiva e sempre foi de bom funcionamento para os opressores, que sempre arranjam uma maneira de contornar a situação, e esses mecanismos muitas vezes são guiados por alguma moral ou projetos que fazem parecer ser o bem comum da sociedade. Então algumas pessoas, seja educando ou educador, não percebem que executam a educação bancária. 

Alguns argumentos encontrados para embasar e justificar que esse pensamento de Paulo Freire não se adequa aos princípios da população, são prejudiciais e carregam impressões de que há um autoritarismo, as pessoas que seguem essa linha de pensamento são doutrinadoras. 

Na prática, a coisa funciona assim: o professor 

questiona os alunos sobre o seu dia a dia, apresenta uma explicação ideológica para os problemas e insatisfações relatados, e depois discute com eles o que acharam desse conteúdo. Se os alunos discordarem da explicação, o professor argumenta em favor do seu próprio ponto de vista ideológico. Ao fim do diálogo, o professor conclui que os alunos que ele conseguiu convencer estão agora “conscientes” da sua “verdadeira” condição de oprimidos e explorados pela sociedade de classes. (Filho,2013) 

Essa afirmação carrega a ideia de educação que é rejeitada no livro “Pedagogia do Oprimido”, a figura do professor é de uma autoridade impositiva, apesar de ter uma interação de perguntar como foi o dia, o intuito não era de uma escuta e criação de sentido, era para exercer uma figura de quem 
sabe mais e o aluno não, que ele é um vazo que precisa ser preenchido de acordo com suas vontades. Para entender como isso não faz sentido é importante descobrir o que Pulo Freire está falando sobre a educação problematizadora. 

A Educação Problematizadora 

O educador nessa visão é humanista, é orientado para que juntos, educador e educando, possam chegar ao pensar autêntico, é uma relação de troca, não fazendo sentido ser uma doação, pois cada um tem seu potencial. Para isso, deve ter também uma profunda crença nos homens e seu poder criador, pois o pensar só tem sentido se for uma fonte geradora de ação sobre o mundo. 

Essa intercomunicação gera a interação entre educador e educando de forma que sejam companheiros, em uma relação que o saber passe de um para o outro e vice versa. Dessa forma, estariam trabalhando para um serviço de libertação e não de desumanização e opressão. 

A educação não deve ser um deposito de conteúdos que não geram criação de sentido, é necessário haver a problematização do homem nas suas relações com o mundo, que exista um conhecimento dos saberes em seu sentido amplo e que haja a essência da consciência, que significa ser a intencionalidade. 

Então a educação problematizadora acredita que o indivíduo tem o conhecimento e a capacidade de ser reflexivo, de dialogar com o outro. A educação problematizadora serve à libertação que só será possível através da superação. A primeira vista esses conceitos parecem simples, mas a partir desses pressupostos de diálogo, construção de conhecimento e relação teoria-prática é possível fazer diversas possibilidades de melhorar a educação. 

Políticas públicas 

Dentre as diversas possibilidades de introduzir um pensamento crítico e reflexivo, formar os professores é um passo muito importante. Pensando nisso, quando Paulo Freire dirigiu a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, investiu na formação permanente dos educadores, essa formação é entendida como uma problematização que possibilita a reflexão crítica sobre a prática, que ajuda a compreender as diversas relações e determinações. A formação permanente serviu como princípio para programas, políticas e práticas de formação de educadores, para assumirem compromisso ético e romper com o mito da neutralidade da educação e com a suposta vida harmônica de uma sociedade. Pensando nas possibilidades do futuro ser criado e recriado a partir do coletivo (Saul e Saul, 2016).

Também foi implementado o projeto de transdisciplinaridade, que significa uma construção de uma escola mais participativa e decisiva, sendo o educador capaz de elaborar estratégias para inserir a escola na comunidade. O objetivo é experimentar e vivenciar a realidade cotidiana do aluno, professor e do povo, integrando seus saberes, conhecimento em um trabalho coletivo e solidário, dando mais autonomia a escola e se adequando de forma efetiva a sua própria realidade. Para que isso seja possível é necessário um estudo do cotidiano no local, como é organizado, conhecer a história da comunidade, dos alunos e professores, em seguida problematizar e ter formas de como melhorar (Gadotti, 2003) .

Esses dois programas implementado por Paulo Freire serve de base para possibilidades de atuação e de política pública que podemos realizar. Sempre ficando alerta, todos precisam se ajudar de forma coletiva para que os modos de opressão sejam enfraquecidos. Tais propostas devem ser repassadas de forma clara e que cheguem ao entendimento de todos, para que não se caia no erro e acusações infundadas. 

Considerações finais 

Durante as aulas, foi possível identificar esse poder da intercomunicação, as coisas parecem fluir de maneira mais natural e as reflexões ajudaram a ter bases de criticidade perante alguns sistemas que rodeiam a nossa sociedade. Mas é um trajeto bastante desafiador quando se tem uma sala de aula superlotada e que as condições naquele local são mais precárias, levando a compreender que as estruturas também são um modo de opressão, as condições e o investimento na educação são deixadas de lado justamente por medo que os oprimidos comecem a agir de forma contrária aos seus pensamentos. 

Algumas perguntas ficam no ar, por exemplo, a quem nos referimos como opressores? Como conseguiram fazer com que as pessoas seguissem seus discursos? Todas as escolas são assim? 
Esses e outros pontos são importantes e necessários para uma reflexão do nosso contexto, mas são profundos e mais extensos a nível de discursão, teria que achar os arquivos e especificar em recortes, pois não é uma coisa que nasceu de um dia para o outro, são pequenas ações que em conjunto formam tais problemas. Falar sobre não é o intuito desse ensaio, mas questões de extrema relevância para um melhor conhecimento e criticidade que Paulo Freire defende.

Referências

FILHO, Luis Lopes Diniz. (2013). Paulo Freire e a “educação bancária” ideologizada. Copyright © 2019, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados. Leia mais em:https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/paulo-freire-e-a-educacao-bancaria- ideologizada-1m9so0wm12r2m2wau4ghfvedh/ 
FOUCAULT, M. (2010). A Arqueologia do Saber. Tradução Luiz Felipe Baeta Neves. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,. Título original: L’Archéologie du savoir 
FREIRE, P. (1998). Pedagogia do Oprimido. 25 a ed. (1a edición: 1970). Rio de Janeiro: Paz e Terra. GADOTTI, M. (2003). Teoria, método e experiências Freireanas. Site: Fóruns EJA Brasil, 
url:http://www.paulofreire.org/frontera_p.htm acessado em: 13/03/2019 
SAUL, A. M.; SAUL, A. (2016). Contribuições de Paulo Freire para a formação de educadores: fundamentos e práticas de um paradigma contra-hegemônico. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 61, p. 19-35, jul./set. 



[1]Estudante da disciplina Educação e Políticas Públicas (2018.2), da ênfase de Educação, do curso de Psicologia da Univasf (Prof. Marcelo Ribeiro).

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