domingo, 2 de fevereiro de 2020

Programa de Vouchers e Educação: Como buscar políticas públicas objetivas e contextualizadas?


Samara Oliveira Rocha
Graduanda de Psicologia - Univasf. 
Disciplina Educação e Políticas Públicas. 
Prof. Marcelo Ribeiro.



No Brasil, tem ocorrido a discussão sobre a implementação de um programa de vouchers na educação infantil como proposta para diminuir as desigualdades entre as classes sociais. Este programa é uma política de vale-Educação, no qual serão entregues tíquetes – semelhantes ao cartão Bolsa Família – para as famílias de baixa-renda poderem matricular seus filhos em escolas e creches privadas (Todos pela Educação, 2019) e foi implementado em outros países, como Chile e Austrália. No entanto, apesar do que é defendido pelo ministro da Economia Paulo Guedes, a utilização dessa política não tem respaldo empírico nem consenso teórico sobre sua efetividade para garantir uma educação de qualidade a todos no Brasil (veja: Cose, 2003; Hsieh & Urquiola, 2006), e vários órgãos públicos e instituições educacionais se mostram contrárias a esse programa.
Assim, vê-se que esse programa se trata de mais um exemplo de construções de políticas públicas educacionais que estão afastadas do contexto brasileiro e, também, do conhecimento produzido nas academias e institutos de pesquisas nacionais e internacionais. Porém, o objetivo desse texto não é discutir essa proposta, e sim utilizá-la como pano de fundo para suscitar reflexão sobre a prática dos profissionais educacionais que atuam nas escolas, que estão na universidade e, até mesmo, aqueles que elaboram políticas públicas no Brasil. 
O tema em questão é a Prática Baseada em Evidências, que se refere a uma abordagem que incorpora as evidências científicas, a competência e preparação do profissional e as preferências dos clientes para se alcançar a tomada de decisão sobre à assistência ou serviço prestado. Esta advém do campo da saúde, mas, recentemente, tem sido utilizada por governos de vários países como estratégia para a necessidade de tomar decisões e realizar ações no âmbito público, mostrando, inclusive, resultados promissores (Costa & Silva, 2016). Exemplo disso é que a utilização desse método nas políticas públicas de saúde dos países Timor-Leste, uma ilha no sudeste asiático, e México, teve reconhecimento internacional (saiba mais em: Fonseca & Almeida, 2015 e Gertler & Boyce, 2001). 
Essa abordagem aplicada as decisões políticas sociais, nomeada de Políticas Públicas Baseadas em Evidências (PPBE), tem o intuito de buscar diminuir a distância que comumente existe entre a expectativa do formulador de políticas públicas e as condições concretas no qual as ações serão executadas (Côrtes et al., 2018). A proposta é que as formulações dessas políticas se baseiem em dados de alta qualidade, produzidos de forma empírica, sobre o tema a que a política pública se refere; considerando também a competência profissional – tanto daquele que formula a política como daquele que irá aplicar; bem como as características da população e/ou contexto social a quem é direcionado; além disso, se deve reconhecer as limitações do sistema e garantir que se tenha incentivos fiscais e políticos para implementar e sustentá-la (Pedroso, 2019; Costa & Silva, 2018). 
Para deixar mais claro, vamos utilizar um exemplo de política formulada na nossa cidade. Em 2017, Petrolina implementou, na Educação Infantil, o mesmo material pedagógico utilizado na cidade de Sobral, que estava em primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) em 2017. Isso porque esse material foi um dos instrumentos que possibilitou a melhoria na educação dessa cidade e pesquisas, de várias áreas, apontam as potencialidades do material (Medeiros, 2019). No entanto, no ano da sua implementação, os bolsistas do projeto Cuidando do Mestre da Primeira Infância receberam queixas de professores dos Centros Municipais de Educação Infantil referentes a cansaço e frustração ocasionados pela pouca formação profissional que receberam para utilizar esse material, que é muito mais elaborado e exige mais investimento de tempo que o antigo. A partir disso, questiona-se: foi uma política baseada em evidências?
A resposta é não. Pesquisas e dados científicos não dão suporte o suficiente para a efetivação de uma política, apesar de realmente serem necessárias. Nesse caso, precisava se ter garantido uma capacitação de qualidade com os profissionais que iriam ter que manejar o material didático, para que estes se sentisse preparados para utilizar esse material. É importante ressaltar,  inclusive,  que o modelo de Sobral indica, inclusive, formação continuada com os professores da rede pública (veja: Medeiros, 2019). Neste sentido, não basta importar políticas públicas só porque funcionou em certos lugares, é necessário garantir que os profissionais estão preparados para implementar. O mesmo erro pode ser cometido se não houver uma exploração territorial do contexto no qual será aplicado essas políticas: os professores terão carga horária o suficiente para planejar suas atividades? E como ocorrerá a transição dos materiais para os alunos?
Voltando ao Programa do Vale-Educação (os vouchers), cabe analisar quais são as informações que o ministro Paulo Guedes está considerando para querer efetivar essa política. Um dos alertas feito pelo gerente de estratégia do Todos Pela Educação, Lucas Hoogerbrugge, é que a quantidade de escolas privadas voltadas para a primeira infância é baixa – a maioria das crianças de 0 a 5 anos estão no setor público; e que os pais podem não ter informações precisas para escolher as melhores escolas para seus filhos (Todos pela Educação, 2019). Além disso, também se deve colocar em pauta: como este programa será efetivado e regulado considerando as características municipais, estaduais, regionais da educação brasileira?
Questionamentos como esses recaí nas práticas profissionais daqueles atuantes na Educação – tanto os que estão na escola, como também os pesquisadores de diversas áreas e políticos –, principalmente porque são estes que irão produzir as evidências para serem utilizadas, analisar os dados para construir e implementar as políticas públicas e efetivá-las nos espaços educacionais. Portanto, esses profissionais devem começar a questionar o que funciona e por que funciona as políticas públicas de educação, para que se possa garantir efetividade naquilo que elas se propõem.

Referências
Boyce, S. P., & Gertler, P. (2001). An Experiment in Incentive-Based Welfare: The Impact of PROGESA on Health in Mexico. Working Paper. https://www.povertyactionlab.org/evaluation/impact-progresa-health-mexico
Côrtes, P. de R., Oliveira, A. M. de A., Lara, F. T. de R. (2018). Políticas públicas baseadas em evidências comportamentais: reflexões a partir do Projeto de Lei 488/2017 do Senado. Revista Brasileira de Políticas Públicas, 8(2), 429-454. https://doi.org/10.5102/rbpp.v8i2.5327.
Cosse, Gustavo. (2003). Voucher educacional: nova e discutível panacéia para a América Latina. Cadernos de Pesquisa, (118), 207-246. https://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742003000100009.
Costa, C. G. F., & Silva, E. V. (2016). O que Realmente Importa no Processo de Tomada de Decisão Considerando Políticas Públicas Baseadas em Evidência. Revista Administração em Diálogo, 18(2), 124-143. http://dx.doi.org/10.20946/rad.v18i2.20315.
Fonseca, L. E., & Almeida, C. (2015). Cooperação internacional e formulação de políticas de saúde em situação pós-conflito: o caso do Timor-Leste. História, Ciências, Saúde-Manguinhos22(1),115-141. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702015000100007.
Hsieh, C., & Urquiola, M. (2006). The effects of generalized school choice on achievement and stratification: Evidence from Chile's voucher program. Journal of Public Economics, 90(8-9), 1477-1503. https://doi.org/10.1016/j.jpubeco.2005.11.002.
Medeiros, K. (2019). Na onda de Sobral: A experiência de Sobral na Educação. ECOA.https://www.uol.com.br/ecoa/reportagens-especiais/a-experiencia-de-sobral-em-educacao/#na-onda-de-sobral.
Pedroso, R. T., Juhásová, M. B., & Hamann, E. M. (2019). A ciência baseada em evidências nas políticas públicas para reinvenção da prevenção ao uso de álcool e outras drogas. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 23https://dx.doi.org/10.1590/interface.170566
Todos pela Educação. (2019). Política de vouchers na educação não responde às necessidades brasileirashttps://www.todospelaeducacao.org.br/conteudo/Politica-de-vouchers-na-Educacao-nao-responde-as-necessidade-brasileiras.

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