segunda-feira, 9 de maio de 2022

A INFLUÊNCIA DOS PAPÉIS DE GÊNERO NA PROBLEMÁTICA DO FRACASSO ESCOLAR

https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000375599


Daniel Ataualpa Pacheco
Mariana de Souza Barbosa


Graduandos em Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco


 Introdução

 

De acordo com Patto (1990) o fracasso escolar se estabelece por diversos fenômenos educacionais, assim como: dificuldades na leitura, escrita, matemática, baixo rendimento, reprovação, repetência, evasão, analfabetismo, entre outros. Facci, Leonardo e Ribeiro (2014 p.5) afirmam que o motivo mais apontado pelos educadores como responsável pelo fracasso escolar é o “aluno-problema”, que é apontado como “portador de distúrbios psicopedagógicos que podem ser de ordem cognitiva ou comportamental''.

 

Porém, entendemos que o fracasso escolar é um fenômeno multifatorial e deve ser olhado por vários ângulos que não somente o do sujeito e da família, mas também de uma ótica que vise as relações e o contexto social em que este indivíduo está inserido. Assim, o fracasso escolar não deve ser naturalizado, mas sim analisado dentro de um contexto social, político e econômico. 

 

De acordo com o Censo Escolar de 2018, existe atualmente, um grande número de crianças frequentando a escola, visto que foram efetuadas 27,2 milhões de matrículas no ensino fundamental (INEP, 2018). Contudo, o fato de que quase todas as crianças de seis a catorze anos estarem na escola , não significa que a aprendizagem e o desenvolvimento se traduzem em oportunidade igual de escolarização para todos. Podemos pensar que vários fatores envolvem a incapacidade do aluno de receber a mesma escolarização que o seu colega de classe, um desses fatores agravantes de maior impacto é o nível socioeconômico. O Censo Escolar no ano de 2015 apontou uma média de 3 milhões de jovens e crianças entre 4 e 17 anos fora da escola e no mesmo ano 1,6 milhões de alunas e alunos que apareciam matriculados no Censo de 2014 abandonaram a escola, sendo denominados pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC) como "invisíveis" (Tokarnia, 2016). Foi observado que o perfil que aparecia em maior escala dos estudantes era de sexo masculino, negros e de escolas urbanas, o que possibilita também pensar que genêro, e cor/raça também são elementos bastante significativos (Alves e Soares, 2013).

 

Trata-se de uma discussão que é consolidada pela área da Psicologia Escolar e Educacional Brasileira: diante do fracasso escolar, o psicólogo é chamado para contribuir por meio do encaminhamento de alunos por parte da escola para os serviços de saúde, justificando a ideia de que as escolas são as principais fontes de encaminhamento para os serviços de saúde, demonstrando uma transferência do conhecimento e responsabilização sobre os processos de aprendizagem para os profissionais de saúde.

 

Ainda que seja um tema que necessita de mais pesquisas e, portanto, mais explicações, a queixa escolar se estabelece também como uma manifestação de um entender sob as linhas do masculino e feminino acerca do contexto escolar. As crenças  que permeiam sobre o que é ser menino e o que é ser menina, idealizadas pelos professores, acabam inviabilizando o desempenho e a disciplina das alunas e alunos.

 

A relação entre queixa escolar e gênero

 

Carvalho (2003, 2004) e Carvalho, Senkevics e Loges (2014) em seus estudos, abordaram a relação entre gênero e fracasso escolar, onde analisaram as causas da prevalência dessa condição em meninos. Um dos pressupostos mais frequentes utilizado para explicar essa questão é o trabalho infantil majoritário em crianças do sexo masculino. Porém, essa justificativa não seria pertinente, já que em compensação, as meninas trabalham mais em serviços domésticos ou cuidando de irmãos mais novos (Carvalho, 2003). O estereótipo de meninas tranquilas e dóceis e meninos indisciplinados e desorganizados também não explicaria essa diferença. Sem chegar a conclusões definitivas, Carvalho (2003, 2004) e Carvalho, Senkevics e Loges (2014) apontam para um imaginário de masculinidade em que o menino que vai bem na escola ou que é elogiado pela professora “acaba sendo desprezado pelos seus colegas, chamado de ‘bicha’ ou de ‘mulherzinha’, e acaba tendo que recorrer ao mau desempenho escolar e à indisciplina para afirmar a sua masculinidade” (Carvalho, 2003, p.191).

 

            Atualmente, a primazia masculina está associada ao TDAH, transtorno do neurodesenvolvimento correlacionado à queixa escolar (Bonadio e Mori, 2013; Bianchi e Faraone, 2015; Janín, 2004). A literatura que trata do perfil desse polêmico diagnóstico verifica maior prevalência nos meninos e as proporções segundo o sexo variam entre: aproximadamente 2:1 (em estudos populacionais) e até 9:1 (em estudos clínicos) (Rohde e Halpern, 2004). Observa-se maior presença de sintomas hiperativos nos meninos, enquanto as meninas apresentam mais o tipo desatento (Siqueira e Gurgel-Giannetti, 2011; Rezende, 2013). Em função disso, a sintomatologia externalizante dos meninos causa mais encaminhamentos da escola e/ou mais preocupação dos pais pela tensão gerada na convivência familiar. 

 

            Fernandez (2006 apud Marangon) coloca em foco a questão do universo feminino prevalente no professorado e destaca que, no ensino fundamental, mais de 95% dos profissionais são mulheres. Segundo a autora, isso causaria dificuldades de identificação dos meninos com as professoras e seria um obstáculo para a significação prazerosa do conhecimento.

 

            De toda forma, a cultura também tem a sua parcela de influência na formação do indivíduo com modelos de masculinidade ligados à agressividade e aos riscos que vai impactar diretamente na questão do fracasso escolar. Já os modelos de feminilidade estão mais relacionados ao controle do peso, das unhas, do cabelo e dos cuidados ao corpo(Arbisio, 2007; Gutton, 2009). Podemos justificar esse fato às brincadeiras culturalmente ligadas aos papéis de gênero masculino onde estimulam armas, bonecos militares e carrinhos que acabam incitando uma postura mais agressiva, e ao universo feminino onde é imposto a brincadeira com bonecas de corpo estereotipicamente padrão que promovem o culto à vaidade, ao cuidado e aos bons modos.

 

Conclusão

 

O motivo de muitos estudantes não terem ainda se apropriado dos conteúdos básicos do ensino fundamental não cabe somente à vida particular do estudante, mas também da família, do professor, de fatores intraescolares e principalmente da organização da sociedade. Os alunos geralmente são encaminhados para profissionais da saúde como psicólogos, neurologistas, psiquiatras, entre outros, e dessa forma, é retirada do profissional da educação a responsabilidade de uma reflexão sobre sua prática.

 

Diante da problemática exposta, julga-se de caráter importante que seja feita uma revisão das políticas públicas para a educação básica e para os profissionais da saúde, no intuito de que os governantes precisam investir mais nas escolas em termos financeiros e de pessoal, para viabilizar o desenvolvimento de um trabalho que ajude os estudantes a se apropriarem do conhecimento, em razão, por exemplo, da formação dos professores no que diz respeito aos métodos de ensino, assim como a contribuição da Psicologia Escolar e Educacional para enfrentar os impasses entre criança - escola. Dessa forma, o psicólogo pode “ajudar a escola a remover obstáculos que se interpõem entre os sujeitos e o conhecimento e a formar cidadãos por meio da construção de práticas educativas que favoreçam processos de humanização e reapropriação da capacidade de pensamento crítico” (Tanamachi e Meira, 2003, p.43).

 

Em termos metodológicos, as rodas de conversa constituem instrumentos frutíferos não só para discutir temas como orientação sexual e sexismo, mas também se estabelece como uma estratégia pedagógica para desconstruir temas que são considerados pertinentes. 
A desconstrução de padrões impostos socialmente para o gênero masculino e feminino se fazem importantes para que se construa um desenvolvimento que influencie positivamente na aplicação escolar. 


Esse texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas, do curso de Psicologia da Univasf, tendo como professor Marcelo Silva de Souza Ribeiro em abril de 2022.



Para saber mais

 

ALVES, M. T. G.; SOARES, J. F. Contexto escolar e indicadores educacionais: condições desiguais para a efetivação de uma política de avaliação educacional. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 1, p. 177-194, mar. 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022013000100012&lng=en&nrm=iso Acesso em: 24 abr. 2019. https://doi.org/10.1590/S1517-97022013000100012 https://doi.org/https://doi.org/10.1590/S1517-97022013000100012 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022013000100012&lng=en&nrm=iso

ARBISIO, C. L'enfant de la période de latence. 2. ed. Paris: Dunod, 2007.

BIANCHI, E.; FARAONE, S. A. El Trastorno por Déficit de Atención e Hiperactividad (TDA/H). Tecnologías, actores sociales e industria farmacéutica. Physis, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 75-98, mar. 2015. https://doi.org/10.1590/S0103-73312015000100006
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BONADIO, R. A. A.; MORI, N. N. R. Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: diagnóstico da prática pedagógica. Maringá: Eduem, 2013. 251 p.

CARVALHO, M. P. Sucesso e fracasso escolar: uma questão de gênero. Educação e Pesquisa, v. 29, n. 1, p. 185-193, jun. 2003. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022003000100013&lng=pt&tlng=pt Acesso em: 22 abr. 2019. https://doi.org/10.1590/S1517-97022003000100013
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CARVALHO, M. P. O fracasso escolar de meninos e meninas: articulações entre gênero e cor/raça. Cadernos Pagu, Campinas, n. 22, p. 247-290, jun. 2004. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332004000100010&lng=en&nrm=iso Acesso em: 17 abr. 2019. https://doi.org/10.1590/S0104-83332004000100010
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CARVALHO, M. P.; SENKEVICS, A. S.; LOGES, T. A. O sucesso escolar de meninas de camadas populares: qual o papel da socialização familiar? Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 40, n. 3, p. 717-734, set. 2014. https://doi.org/10.1590/s1517-97022014091637
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FACCI, Marilda Gonçalves Dias; LEONARDO, Nilza Sanches Tessaro; RIBEIRO, Maria Julia Lemes. A compreensão dos professores sobre as dificuldades no processo de escolarização: análise com pressupostos vigotskianos. Caderno de Pesquisa, v. 21, n. 1, p. 1-17, 2014. http://dx.doi.org/10.18764/2178-2229.v21.n1.p.42-58
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GUTTON, P. Le jeu chez l’enfant. Paris: Larousse, 2009.

INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Resumo técnico - Censo da educação básica 2018. Disponível em: Disponível em: http://portal.inep.gov.br/informacao-da-publicacao/-/asset_publisher/6JYIsGMAMkW1/document/id/6386080 Acesso em: 26 out. 2019.» http://portal.inep.gov.br/informacao-da-publicacao/-/asset_publisher/6JYIsGMAMkW1/document/id/6386080

JANÍN, B. Niños desatentos e hiperactivos: reflexiones críticas acerca del trastorno por déficit de atención con o sin hiperactividad. Buenos Aires: Novedades Educativas, 2004.

MARANGON, C. Alicia Fernandez: aprendizagem também é uma questão de gênero. Nova Escola, n. 207, nov. 2007. Disponível em: Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/867/alicia-fernandez-aprendizagem-tambem-e-uma-questao-de-genero Acesso em: 24 abr. 2019. https://novaescola.org.br/conteudo/867/alicia-fernandez-aprendizagem-tambem-e-uma-questao-de-genero

PATTO, Maria Helena Souza. A produção do Fracasso Escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Queiroz, 1990.

REZENDE, A. R. T. Dificuldades aritméticas em indivíduos com transtorno do déficit de atenção/hiperatividade: avaliação clínica e por neuroimagem funcional. 2013. Tese (Doutorado em Neurologia) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

SIQUEIRA, C. M.; GURGEL-GIANNETTI, J. Mau desempenho escolar: uma visão atual. Revista da Associação Médica Brasileira, São Paulo, v. 57, n. 1, p. 78-87, fev. 2011. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302011000100021&lng=en&nrm=iso Acesso em: 24 abr. 2019. https://doi.org/10.1590/S0104-42302011000100021
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TOKARNIA, M. Governo quer localizar 1,6 milhão de alunos que deixaram a escola em 2015. UOL, 6 maio 2016. Disponível em: Disponível em: https://educacao.uol.com.br/noticias/2016/05/06/governo-quer-localizar-16-milhao-de-alunos-que-deixaram-a-escola-em-2015.htm?cmpid=copiaecola Acesso em: 24 abr. 2019.https://educacao.uol.com.br/noticias/2016/05/06/governo-quer-localizar-16-milhao-de-alunos-que-deixaram-a-escola-em-2015.htm?cmpid=copiaecola

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