segunda-feira, 9 de maio de 2022

TikTokirização, Educação e Paulo Freire – Reflexões


 

Débora Cavalcante Rocha

Graduanda em Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco

 

As redes sociais chegaram para ficar. Às vezes, algumas são substituídas por outras, mais eficientes em roubar nosso tempo, mas, definitivamente, o mundo virtual se tornou uma extensão de nossas vidas. O metaverso, um tipo de mundo virtual que tenta replicar a realidade por meio de dispositivos digitais, já existe. Nós já fomos capturados para esse universo virtual, pelos entretenimentos que captam e capitalizam nossa atenção com o intuito de nos manter o maior tempo possível ali. Não há como retroceder, é o nosso admirável mundo agora.


Depois da pandemia, em que o mundo precisou se isolar, as pessoas deram um jeito de se manterem conectadas, ainda que virtualmente, com outras. Diversos profissionais, angustiados, sem clientes, sem público, tiveram que “se reinventar”. Os professores, obviamente, não ficaram de fora e foi lhes exigido que, às pressas, aprendessem a filmar, editar, usar diversos aplicativos e dançar. Ring light passou a ser ferramenta do professor. A pandemia tratou de enviar para o ciberespaço os que ainda restavam distantes. Ninguém ficou para trás.


É difícil escapar desse mundo novo, que realmente é sempre novo, renovando-se a cada instante em que a presença é onipresente e on não acompanha o off. Este mundo que seduz, com sua originalidade, recursos, entretenimentos, ao mesmo tempo obriga e cria necessidades. Quem sai de casa, hoje, sem o celular? Quem sai de casa sem o celular com alguns gês? Tudo virou urgente. Tudo é necessário. Se correr o bicho pega, se ficar, é ultrapassado, obsoleto. Para o bem ou para mal, a internet faz parte de nossas vidas agora. Tão necessária, hoje, quanto água e energia elétrica. Além disso, tem-se a impressão de que não fazer parte desse mundo on, é como não existir, logo, a maioria das pessoas, empresas, instituições, está não apenas em uma, mas em várias plataformas e redes.


A pandemia ratificou a importância da inserção das escolas no mundo virtual. Antes disso, no entanto, muitas dessas instituições permaneciam desligadas da realidade virtual que as crianças, adolescentes e jovens têm experimentado e na qual mostram-se perfeitamente integrados. Instituições escolares seguiam, portanto, narradoras e dissertadoras, o que significa, segundo Paulo Freire (1968), estar completamente alheias à experiência existencial dos educandos. Dessa forma, a pandemia escancarou a necessidade premente de um modelo mais modernizado e conectado com as novas tecnologias e redes. Entretanto, ao mesmo tempo foi possível reiterar a importância da interação presencial em todos os níveis educacionais, não apenas na educação básica. Os estudantes universitários têm relatado o quanto sentem falta das interações têt-a-têt, bem como descrevem várias dificuldades de um modelo educação exclusivamente on-line. No mundo inteiro, pais se mostraram frustrados e exaustos e isso, possivelmente, é resultado do distanciamento causado pela pandemia, necessário, obviamente, mas aparentemente bastante prejudicial, o que só poderá ser dimensionado melhor nos próximos anos.


De acordo com pesquisa do Cetic.br - Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, durante a pandemia, o uso da Internet cresceu e o número de usuários no Brasil chegou a 152 milhões. Um dos aplicativos que cresceu nesse período foi o TikTok, aplicativo de mídia para criar e compartilhar vídeos. Ele se tornou, nos últimos anos, uma das maiores plataformas de compartilhamento do mundo. É um dos aplicativos mais baixados em dezenas de países. O aplicativo foi projetado para tornar mais fácil, para qualquer pessoa, ser um criador de vídeo, compartilhar informações e encontrar um público. Lá as pessoas criam vídeos sobre tudo.

Sabe-se que a internet é um ambiente de facilidades e simplificações, porém nem sempre isso parece ser favorável, principalmente àqueles que estão em processo de escolarização, em que isso pode significar pular etapas importantes. Passamos dos blogs, cheios de textos e reflexões, deslocando-nos por uma rede social que prioriza imagens, com um pouquinho de texto, até chegar em uma rede que supervaloriza vídeos curtos prontos para viralizar.


Conforme Freire (1996), ensinar exige risco e aceitação do novo. Além disso, é preciso considerar a realidade dos educandos, pois como ele salienta: “se há uma prática exemplar como negação da experiência formadora é a que dificulta ou inibe a curiosidade do educando”. O TikTok, com toda sua popularidade tem atraído diversos profissionais, inclusive professores, que têm se empenhado reproduzir trends, com o objetivo de se aproximar dos estudantes, ao que têm sido chamado de tiktokirização da educação. No entanto, será esse o caminho? Como Freire sempre propunha uma reflexão crítica acerca de tudo, deixo aqui algumas questões: como recapturar a atenção das pessoas, inseridas nesse universo virtual, cheio de distrações interessantes, que precisam ser escolarizadas e educadas? Como a escola do presente, presencial, transportará seu público do metaverso para suas salas de concreto, sensaboronamente reais? Qual o papel do psicólogo escolar diante disso?


Esse texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas, do curso de Psicologia da Univasf, tendo como professor Marcelo Silva de Souza Ribeiro em abril de 2022.

Para saber mais:

https://cetic.br/pt/noticia/cresce-o-uso-de-internet-durante-a-pandemia-e-numero-de-usuarios-no-brasil-chega-a-152-milhoes-e-o-que-aponta-pesquisa-do-cetic-br/

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes Necessários à prática educativa/ Paulo Freire: Paz e Terra,1996

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17º ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987



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