segunda-feira, 9 de maio de 2022

LGBTfobia escolar e o governo Bolsonaro

 



Alexandre Cruz de Oliveira

Graduando em Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco

            No Brasil, as manifestações se iniciaram de maneira concreta na década de 70, no meio da ditadura militar e, dessa forma, sofrendo repressões dos próprios militares no poder. Desde então, muitas questões são levantadas, discutidas e trabalhadas na medida do possível. Inicialmente surgindo para o público como “movimento GLS”, o título é alterado visando se apropriar melhor das discussões de movimentos que já aconteciam no exterior.

            Sendo um grupo extremamente discriminado na sociedade brasileira, os debates promovidos demoraram bastante para encontrar apoio e liberdade, condenando a maioria das pessoas LGBT+ a uma vida secreta e oculta do mundo. Muitos se viam obrigados a manter casamentos de fachada enquanto viviam uma vida dupla. A própria sigla “GLS” possui uma designação para as pessoas que apoiavam as manifestações, o “S” de simpatizantes. Em outras palavras, só ser simpático à causa já colocava o indivíduo à margem social em algum grau.

            O Brasil é o país onde mais se mata pessoas LGBT+ nas Américas, além de ocupar o primeiro lugar de país onde mais se mata pessoas trans do mundo inteiro. Esse dado mostra a profundidade do problema da LGBTfobia no país e o quão necessária é uma mudança profunda na educação sobre gêneros e sexualidades. 

            Porém, não existem apenas derrotas nas políticas voltadas para o público LGBT+. Em maio de 2011 a união civil entre pessoas do mesmo gênero e sexo passou a ser um direito. Da mesma forma, em 2019, a LGBTfobia passa a ser considerada crime no Brasil, passível de penas de prisão 4. Além disso, muitas discussões têm sido levantadas sobre a temática nas mais diversas áreas, desde a exigência de maior representatividade de personagens LGBT+ nas mais diversas mídias à requisição da presença de pessoas LGBTQIAP+ na política, por exemplo.

            Apesar das muitas dificuldades, repressões e constantes lutas, os movimentos de igualdade entre gêneros e orientações sexuais têm conseguido cada vez mais espaço. Não é mais incomum em séries, filmes, novelas e mesmo quadrinhos e jogos que haja a presença de um casal entre duas mulheres, por exemplo, mesmo que tudo isso aconteça com uma constante oposição por parte daqueles que insistem em se manter com pensamentos da década de 40.

            Apesar de parecer contra intuitivo, não é por acaso que movimentos conservadores se levantam com intensidade no país. O primeiro reflexo disso se dá no golpe de 2018, com a retirada da ex-presidenta Dilma Rousseff em um movimento quase circense. Em seguida, Jair Bolsonaro assume o poder, após o fim do mandato de Michel Temer, sendo o presidente que atualmente está no poder.

            A atuação do presidente Jair Bolsonaro tem sido, no mínimo, polêmica. Muitas de suas medidas têm sido consideradas, senão bobas, completamente criminosas. Suas falas são quase sempre problemáticas em algum grau, cheia de xingamentos e falta de decoro. Mas o que importa para esta leitura e particular é a problemática voltada para os movimentos LGBTQIAP+ e a educação.

            Todo o processo eleitoral de Bolsonaro foi baseado em LGBTfobia e preconceito. Inicialmente, o atual presidente espalhou dezenas de notícias falsas sobre processos educacionais que visavam “travestilizar crianças” e como o plano de seu opositor do Partido dos Trabalhadores visava distribuir as “mamadeiras de piroca” assim que vencesse as eleições. Além disso, já eleito, Jair Bolsonaro constantemente ataca e evidencia seu preconceito, tentando incuti-lo em todos do país e reforçando em seus eleitores estas ideologias, ideologias essas que sempre estiveram ali esperando ser despertadas, tendo interesse especial na educação 6.

            É estranho pensar (e aqui eu peço a licença para quebrar a regra da escrita que, até o momento, seguia em terceira pessoa) que essas foram as motivações que sustentaram a eleição de uma pessoa à presidência de um país tão enorme como o nosso. É perturbador saber que houve uma maioria que o elegeu justamente por causa de seus preconceitos, ao mesmo tempo que me faz perceber o quão piegas e risível é (ao mesmo tempo que terrivelmente triste) ver que houveram pessoas que realmente acreditam nas notícias falsas como “mamadeira de piroca”. Como homem negro e gay, eu me sinto ainda mais motivado (mas também muito assustado) a continuar a luta constante.

            A LGBTfobia vem sendo impulsionada no governo Bolsonaro, sendo tratada como uma ideologia legítima e livre. Muitas pautas que antes estavam sendo observadas como alvos a serem atingidos estão completamente abandonadas, ao mesmo tempo que casos de violência cada vez mais aumentam, incluindo nas escolas.

Ally Alexandrino relata como sofreu violências escolares com regularidade em escolas que frequentou. Os casos eram tratados como de pouca relevância pelos professores e gestores, o que causava uma sensação de profundo abandono e impunidade no jovem. Ally fala, ainda, como passou a sofrer com crises de ansiedade e medo das reações das pessoas, com medo das agressões que eram verbais e físicas.

Na Escola Estadual Hilda Miranda Nascimento, dois alunos menores de idade são obrigados a assinarem um documento que os proibia de interagirem entre eles mesmos em sala de aula. O motivo: os alunos haviam se abraçado. Naturalmente, o problema estava no fato de serem alunos do mesmo sexo, o que teria incomodado a gestão escolar.

Em Betim, após anunciar aos colegas sobre a própria sexualidade, um jovem recebeu um vídeo dos colegas que se diziam homofóbicos de maneira orgulhosa. No vídeo, os adolescentes afirmam categoricamente que a orientação sexual do rapaz era uma doença e que este deveria procurar a “cura”, indicando ainda rezas e bíblia como meios de se libertar da própria sexualidade. O Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual LGBTI de Betim ainda afirma que deve-se focar grande parte da educação na propagação do respeito à diversidade sexual, já que a educação se mostra como uma poderosa ferramenta para a compreensão.

Muito mais ainda poderia ser dito sobre a temática, como a homofobia que era e ainda é endossada nas escolas; como, apesar dos esforços das escolas, a educação precisa ser reforçada em casa (o que é muito difícil de acontecer, uma vez que os próprios pais são aqueles que ensinam o preconceito); ou mesmo discorrer sobre como o trabalho presidencial tem sido focado, em grande parte de seus esforços, em destruir a possibilidade de uma vida segura para pessoas LGBT+.

No entanto, (e aqui eu peço a licença para voltar a falar em primeira pessoa) tudo isso é notícia, é história. Acredito que já ficou claro como o governo Bolsonaro é um retrocesso em todas as demandas do público LGBT+, ao qual faço parte. Estamos vivenciando uma época ímpar em todo o período de lutas. Se por um lado, a violência e ódio de Jair Bolsonaro incentiva diariamente situações LGBTfóbicas, por outro, por estarmos constantemente conectados e as ações preconceituosas não passam mais invisíveis. 

Acima de tudo, é importante observar, como, desde sempre, a comunidade LGBTQIAP+ se mantém firme em sua luta. O movimento se refaz, se transforma e busca acolher. Não é um movimento perfeito, mas é notável a busca pela ampliação da aceitação e cuidado.

 

 

Este texto é produto do processo vivido no âmbito da disciplina Educação e Políticas Públicas, do curso de Psicologia da Univasf, tendo como professor Marcelo Silva de Souza Ribeiro em abril de 2022. 

 

 

Para saber mais:

 

A LGBTFobia no Brasil: os números, a violência e a criminalização. Recuperado em 11 de abril, 2022 de https://www.fundobrasil.org.br/blog/a-lgbtfobia-no-brasil-os-numeros-a-violencia-e-a-criminalizacao/

 

Bohnenberger, P. (2021). Conselho denuncia homofobia sofrida por aluno de escola em Betim, na Grande BH. Recuperado em 11 de abril, 2022 de https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2021/05/04/conselho-denuncia-homofobia-sofrida-por-aluno-de-escola-em-betim-na-grande-bh.ghtml

 

Brasil, L. M. (2021). Menino que usa saia na escola não tem futuro, ataca Bolsonaro. Recuperado em 11 de abril, 2022 de https://www.otempo.com.br/politica/governo/menino-que-usa-saia-na-escola-nao-tem-futuro-ataca-bolsonaro-1.2549666

 

Cardoso, P. (2021). Brasil é o país que mais mata pessoas da comunidade LGBTQIA+ no mundo. Recuperado em 11 de abril, 2022 de https://www.anf.org.br/brasil-e-o-pais-que-mais-mata-pessoas-da-comunidade-lgbtqia-no-mundo/

 

Carvalho, K. (2021). Jovem denuncia homofobia em escola e pede justiça: “Outro pode não aguentar”. Recuperado em 11 de abril, 2022 de https://observatoriog.bol.uol.com.br/noticias/comportamento/jovem-denuncia-homofobia-em-escola-e-pede-justica-outro-pode-nao-aguentar

 

Cetrone, C. (2021). LGBTfobia não é combatida, mas impulsionada no Brasil de Bolsonaro. Recuperado em 11 de abril, 2022 de https://queer.ig.com.br/2021-05-17/lgbtfobia-nao-e-combatida--mas-impulsionada-no-brasil-de-bolsonaro.html

 

Do “Brasil Sem Homofobia” ao governo anti-LGBT de Jair Bolsonaro. (2021). Recuperado em 11 de abril, 2022 de http://sindpdce.org.br/2021/06/28/do-brasil-sem-homofobia-ao-governo-anti-lgbt-de-jair-bolsonaro/

 

Faria, F. (2018)Casamento gay não é lei, mas é direito garantido pela Justiça; entenda. Recuperado em 11 de abril, 2022 de https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/11/casamento-gay-nao-e-lei-mas-e-direito-garantido-pela-justica-entenda.shtml

 

Ferraz, T. (2017). Movimento LGBT: a importância da sua história e do seu dia. Recuperado em 11 de abril, 2022 de https://www.politize.com.br/lgbt-historia-movimento/

 

Oliveira, S. (2022). Alunos denunciam caso de homofobia em escola estadual na Serra. Recuperado em 11 de abril, 2022 de https://www.seculodiario.com.br/direitos/alunos-denunciam-caso-de-homofobia-em-escola-da-serra

 

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