sexta-feira, 10 de março de 2023

Diversidade de gênero e sexualidade nas escolas: reflexões sobre o papel de gestores e educadores na garantia de direitos




Ananda Fonseca Dias Coelho

Discente do curso de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco.


Este texto é produto do processo vivido no âmbito da 

disciplina Educação e Políticas Públicas, 

do curso de Psicologia da Univasf, 

tendo como professor Marcelo Silva de Souza Ribeiro 

em março de 2023



A heteronormatividade faz parte da ideologia propagada nos espaços de educação formal, um dos espaços em que podemos produzir transformações ou criar condições para que mudanças aconteçam e é necessário que sejam abordadas temáticas referentes ao direito à diversidade sexual e de gênero, com vistas ao enfrentamento do CIStema heterosexista e à diminuição do abismo existente entre a real efetivação e a produção dessas políticas, que estão presentes em documentos, resoluções, utilizadas para fins acadêmicos, mas muito longe de produzir transformações nas estruturas. 

Em 2009 foi criada uma ação pelo Ministério da Educação intitulada “Escola sem Homofobia”, com o objetivo de promover a formação de um coletivo gestor “[...] de políticas anti-homofobia nos estados e municípios que congregaria diferentes grupos sociais, prioritariamente pessoas que sejam sujeitas das populações LGBTTT” (Fernandes, 2011), cabendo a esse coletivo monitorar ou gerir as políticas anti-homofobia.

Um dos seus objetivos era também de produzir um material didático para distribuição nas escolas públicas, com apoio do MEC. O material foi intitulado de “Kit de Combate à Homofobia” e era composto de cartilhas, cartazes, folders e vídeos, com finalidade de modificar o panorama homofóbico existente nas escolas, para promover informação e espaços de discussões e formações sobre o tema. 

Esse material serviria para a formação de docentes, dando subsídios e instrumentos pedagógicos para trabalhar no ensino com a desconstrução de estereótipos relacionados à população BLGT. É preciso lembrar aqui que esse mesmo material foi rechaçado por opositores dessa política, que intitularam pejorativamente o material como “kit gay”. Em fala na Câmara de Deputados, o ex-presidente, então deputado Bolsonaro afirmou: “parlamentares, este ano está sendo distribuído um ‘kit gay’que estimula o homossexualismo e a promiscuidade. Temos de trazer esse tema aqui para dentro, votar essa questão, e não deixar que o governo leve esse tema para a garotada”. 

Como se não bastasse, o material que poderia se tornar um marco na educação brasileira foi vetado pela presidenta Dilma Rousseff posteriormente, após reunião com deputados da bancada religiosa e conservadora. Entendemos aqui que um governo dito progressista, em uma sociedade capitalista, estará sempre amarrado aos valores burgueses, comprometido com sua reprodução e manutenção. Entretanto, marcado por contradições e relações de poder quando lembramos que, por exemplo, o veto ao uso do material aconteceu no mesmo mês em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável para pessoas do mesmo sexo.

Quando pensamos em pautas relacionadas às minorias, frequentemente ouvimos sobre “empoderamento”. Aqui, falaremos de empoderamento enquanto um termo que se refere a uma “gama de atividades, da assertividade individual até a resistência, protesto e mobilização coletiva, que questionam as bases das relações de poder” (Berth, 2019). A ideia central ao utilizar esse termo sugere que pessoas LBTG e outras minorias contam com a possibilidade de conquistar empoderamento através de resistência, mobilizações e protestos visando a criação, implementação e manutenção efetiva das políticas públicas. No Brasil, onde concentra-se o maior número de mortes violentas entre pessoas travestis, transgêneros e homoafetivas no mundo é imperativa a necessidade de criar mecanismos que efetivem a garantia de direitos dessa população.

A educação de pessoas TLBG em espaços não formais é uma prática bem sucedida, pois proporcionam aos indivíduos a oportunidade de aprender sobre seus direitos de cidadania por meio de contextos não formais de educação, além de possibilitar a participação em processos escolarizáveis da educação formal. Entretanto, é importante destacar que a assimilação desse aprendizado é mais efetiva quando ocorre em ambientes onde as conexões afetivas são bem-sucedidas. (Torres, 2010)

Acredita-se que a educação de pessoas LGBT deve acontecer em espaços que buscam a promoção da cidadania, acolhimento e construção política. No entanto, na educação formal, existem espaços e mecanismos de segregação dessas pessoas. Nesse sentido, Torres (2010) destaca a importância de reconhecer que o ambiente escolar formal é afetado pela matriz heterossexista, que impede a integração da diversidade sexual na escola.

Essa realidade dificulta o acesso dessas pessoas à educação, o que torna necessárias políticas públicas que ofereçam atenção especial às pessoas BTLG. É importante promover espaços de acolhimento e inclusão que visem também ao combate ao preconceito. Somente assim será possível garantir a educação de qualidade para todos, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero.

Uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade da Universidade Federal de Goiás mapeou políticas públicas voltadas para população LBGT e através de questionários e entrevistas com gestoras públicas buscou compreender os caminhos das ações voltadas para essa população. Segundo parte dos seus resultados, a sensibilização dos profissionais da educação para o combate à TGBLfobia é um tema recorrente em planos, programas e documentos que estabelecem diretrizes e ações em relação a essa questão. Tanto em documentos de caráter geral, como o Plano Nacional LGBT e o Programa Nacional de Direitos Humanos 2 e 3, quanto em documentos específicos da área da educação, como aqueles relacionados à Conferência Nacional de Educação Básica e à Conferência Nacional de Educação, a preocupação com a conscientização dos profissionais da educação é evidente.

No entanto, apesar dessa preocupação, a quantidade de ações de qualificação de professoras mencionadas pelas gestoras que responderam à pesquisa é ainda muito pequena. Isso significa que há muito por fazer para garantir que a sensibilização em relação à TGBLfobia seja efetiva e atinja um número significativo de profissionais da educação. É preciso intensificar as iniciativas nesse sentido e garantir que todos os profissionais da educação estejam capacitados para combater a discriminação e o preconceito no ambiente escolar.

A sensibilização dos profissionais de educação e gestores é um dos principais desafios para a implementação de políticas públicas para a população TBGL na área de educação, pois acabam por atingir estudantes que não se conformam aos parâmetros da heterossexualidade compulsória, gerando consequências negativas no desenvolvimento dessas crianças e adolescentes e no seu futuro, como evasão escolar, desemprego e vulnerabilização. Infelizmente, muitas vezes, a discussão dessas questões é considerada secundária e não é dada a devida atenção. Isso leva muitas pessoas a não julgarem o tema relevante e, portanto, a evitá-lo, o que acaba por perpetuar a LGBTfobia de diversas formas. É importante que todos reconheçam seu papel como protagonistas ou cúmplices na reprodução do preconceito e trabalhem juntos para promover um ambiente escolar inclusivo e acolhedor para todos os estudantes.

No terceiro capítulo, em Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire escreve que “ensinar é uma especificidade humana” que “exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo” (p. 61). De acordo com o autor, a intervenção é não apenas o conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos, mas também o esforço de reprodução da ideologia dominante e o seu desmascaramento. Ambas as ações são necessárias e devem ser executadas pelo professor. A prática do professor não pode ser neutra e, portanto, exige uma definição. Além disso, a aula não deve ser reduzida ao ensino puro do conteúdo, mas também deve incluir a postura ética do professor, sobretudo perante as questões sociais, de gênero, sexualidade.

Mais adiante, Paulo Freire também afirma que “ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica”. É igualmente fundamental à prática educativa do professor saber que o poder da ideologia nos faz aceitar docilmente que o que vemos e ouvimos é a verdade absoluta e não distorcida. “A ideologia tem a enorme capacidade de nos ‘miopizar’ e aceitar o cínico discurso fatalista neoliberal”. Quando a discussão de temas relacionados à sexualidade e gênero são colocadas em segundo plano ou são feitas a partir de preconceitos, religião ou suposta moralidade, a educação libertadora perde lugar para o aprisionamento e opressão dos sujeitos. A docência é, inquestionavelmente, marcada por ideologias e precisa ser exercida de forma crítica. A necessidade dessa resistência, para Paulo Freire, “predispõe, de um lado, a uma atitude sempre aberta aos demais, aos dados da realidade; de outro, a uma desconfiança metódica que me defende de tornar-me absolutamente certo de certezas”. 

Por fim, sem a intenção de esgotar as contribuições de Paulo Freire para construção de uma educação libertadora que crie condições para a garantia de direitos básicos para pessoas LGBT, acredito na Educação como prática de liberdade e na Diversidade como promotora de TRANSformações e instrumento para desconstruir CIStemas.


 

Referências

Machado, D. F., Graupe, M. E., & Locks, G. A. (2020). Políticas Públicas LGBTTT e a Educação: avanços ou retrocessos?. Cadernos De Gênero E Diversidade, 6(2), 34–53. https://doi.org/10.9771/cgd.v6i2.34847

TORRES, Marco Antonio. A diversidade sexual na educação e os direitos de cidadania LGBT na escola. Belo Horizonte: Autêntica Editora; Ouro Preto, MG: UFOP, 2010.

BERTH, Joice. O que é empoderamento? São Pauloː Sueli Carneiro/ Pólen, 2019.

BRASIL, Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Brasil Sem Homofobia: Programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da cidadania homossexual. Brasília: Ministério da Saúde, 2004

BRASIL. Projeto de Lei n° 8.035/2010. Plano Nacional de Educação 2010-2020. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 2010.

BRASIL. Plano Nacional de Educação – PNE/Ministério da Educação. Brasília, DFː INEP, (2014-2024).

BRASIL. Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT. Presidência da República, Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH, Brasília, 2009.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Orientação Sexual. Brasília: MECSEF, 1997.

FERNANDES, Felipe Bruno Martins. A Agenda anti-homofobia na educação brasileira (2003-2010) [tese] / Felipe Bruno Martins Fernandes; orientadora, Miriam Pillar Grossi. - Florianópolis, SC, 2011.

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