sexta-feira, 10 de março de 2023

Educação enquanto produto político

Breno

Discente do curso de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco.


Este texto é produto do processo vivido no âmbito da 

disciplina Educação e Políticas Públicas, 

do curso de Psicologia da Univasf, 

tendo como professor Marcelo Silva de Souza Ribeiro 

em março de 2023


A educação como esfera política pode ser entendida como um processo multideterminado e determinante, que sofre influência de diferentes instâncias, partindo desde políticas públicas empregadas até a cultura organizacional presente em cada instituição de ensino (Cruces, 2019). Além disso, dentre as multideterminações citadas, observa-se a educação como produto cultural que acompanha as mudanças presentes na sociedade e os discursos populares, tornando-se um fenômeno complexo, carregado de símbolos, representações sociais, normas e instituições. (Nasciutti, 1996) Dessa forma, entende-se a educação como um fenômeno diverso, resultante de um processo de construção sócio-histórica e de uma rede de relações que são mediadas pelos valores culturais presentes na sociedade e por como o governo rege essas interações. (Cruces, 2019)

A partir desse ponto, fica evidente a necessidade de entender a educação como diversa, mutável e influenciável, produzindo sentido, mudanças e discursos e sendo modificada em nível micro-organizacional, por as relações construídas no cotidiano de cada instituição, e no nível macro, por as mudanças que acompanham a sociedade e as medidas tomadas por cada governo no âmbito da educação. Exemplo disso, está nas diversas mudanças empregadas entre os governos nos últimos anos que acompanhavam diferentes discursos ideológicos, como a aplicação da PEC 55 que limitou por 20 anos o investimento em saúde e educação, ou a construção do Novo Ensino Médio, em que, ambas as propostas eram reflexo de uma

ideologia neoliberal que direcionavam os governos atuais e produziram efeitos nocivos como os diversos contingenciamentos e cortes no investimento a educação entre os anos de 2016 e 2022, gerando cortes no setor de assistência estudantil, iniciação científica entre outros efeitos.

Em contraponto a essa ideia também observa-se experiências diferentes empregadas na educação como a homologação da lei de cotas que possuía como projeto o remanejamento de vagas relacionadas à educação superior com o objetivo de garantir um acesso democrático à educação e também a superação de uma desigualdade social histórica no país. (Senkevics & ello, 2019). Outro ponto de exemplo é a proposta instituída em Sobral e posteriormente reproduzida no estado do Ceará, em que, a aplicação de uma nova cultura organizacional com foco na educação produziu efeitos produtivos na aprendizagem dos alunos relativos à alfabetização e habilidades matemáticas. Dessa forma, observa-se nos exemplos citados, mudanças em níveis micro e macro que produziram efeitos a curto e médio prazo na educação, que demonstram a maleabilidade ideológica da educação e as consequências de tais mudanças. Entretanto, é necessário ressaltar que apesar de maleável os efeitos diretos das políticas públicas empregadas e das mudanças em cada modelo de ensino possuem uma temporalidade diferente, assim, algumas medidas produzem efeitos imediatos enquanto outras só se tornam observáveis depois de um período. Diante disso, percebe-se então a necessidade de avaliar qualquer proposta de política pública relacionada à educação ou modelo de ensino proposto através de um recorte sócio-histórico do momento.

Além dessa ideia, é necessário pensar o trajeto histórico percorrido pela educação, esta que durante os anos sofreu influência direta do sistema capitalista, cumprindo a partir da Segunda Revolução Industrial o objetivo de formação de uma mão obra para atender as demandas da Indústria, dessa forma, a partir desse momento a escola assume o papel de preparação do indivíduo para o mercado de trabalho, ou seja, a doutrinar esse sujeito que passa a atender a um modelo específico de horário e um conjunto de normas, abrindo mão de sua cultura para reproduzir o modelo atribuído pela indústria. (Silva & Gasparin, 2006) Assim, observa-se então a necessidade de repensar a educação como um fenômeno que atende as necessidades deum setorespecífico,sendoestesetornamaioriadasvezesosetorindustrial,favorecendo então a manutenção de desigualdades e também de controle dos corpos.

Um outro fato que exemplifica tal afirmação é o modelo de educação adotado durante a ditadura militar no país, em que, possuía momentos para jurar a bandeira e cantar os hinos nacionais, do soldado e da bandeira, normas instituídas nas forças armadas, apresentadas com a justificativa de “culto a pátria,” reproduzidas nas escolas através das disciplinas de moral e

cívica que visavam uma educação que atende-se ao modelo social que o governo militar impunha aos brasileiros. (Júnior & Estrada, 2022.). Dessa forma, observa-se modelos de educação que a prioridade não é o bem-estar e a formação de um sujeito pensante que busque atuar na sociedade para promover avanços, mas sim a manutenção de valores e desigualdades sociais que privilegiam uma classe dominante e o controle dos corpos presentes no ambiente escolar, tornando evidente a proposta de educação como um projeto pautado em um ciclo de opressões e na não superação deste ciclo.

A partir dessa proposição observa-se um ponto de análise das políticas de precarização da educação pública e os efeitos de tais medidas, como o grau de evasão escolar e o analfabetismo, mas também, possíveis caminhos de enfrentamento para este modelo de exclusão historicamente estabelecido, tendo como ponto de partida uma educação que vise inicialmente a superação das desigualdades citadas anteriormente e a garantia de direitos dessa população violentada, através do acesso à educação, do desenvolvimento de políticas que visem a permanência desses sujeitos em todos os níveis de educação e o aperfeiçoamento do processo de ensino e aprendizagem.

Dito isso, visto o caráter mutável da educação e ao entendê-la como produto sócio-histórico, destaca-se a importância da participação popular para o desenvolvimento de uma educação contextualizada e política que atenda as demandas da sociedade. Visto que, enquanto produto cultural a educação também é influenciada pelos discursos e lutas sociais, percebendo-se ao longo dos anos avanços conquistados por meio de um calendário de lutas como por exemplo, a já citada Lei de Cotas, a conquista da carteira estudantil e a garantia da educação enquanto direito básico na Constituição de 1988 (Oliveira, 1999)

Referências bibliográficas:

Cruces, A. V. V. (2019) Avaliação das dificuldades de aprendizagem a partir da
teoria sócio-histórica: reflexões sobre patologização e medicalização da educação.
Educação & Linguagem22(2), 149-169.
Nasciutti, J. C. R. (1996). A instituição como via de acesso à comunidade. In R. H. F.
Campos (Org.), Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia (pp. 81-99). Petrópolis: Vozes.
da Silva, M. C. A., & Gasparin, J. L. (2006). A segunda revolução industrial e suas influências sobre a educação escolar brasileira. 
VII seminário de estudos e pesquisas1, 1-20. Marrach, S. A. (1996). Neoliberalismo e educação. Infância, Educação e Neoliberalismo. São Paulo: Cortez, 42-56.

Junior, A. L., & Estrada, A. A. (2022). A influência ideológica da ditadura militar na reforma da educação (1964-1971): uma análise da educação moral e cívica sob o aspecto da violência simbólica. Educação, Ciência e Cultura27(2).
Senkevics, A. S., & Mello, U. M. (2019). O perfil discente das universidades federais mudou pós-Lei de Cotas?. Cadernos de Pesquisa, 49(172), 184-208.

Oliveira, R. P. D. (1999). O Direito à Educação na Constituição Federal de 1988 e seu restabelecimento pelo sistema de Justiça. Revista brasileira de educação, (11), 61-74.

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