Mario César Pedrôso Lira
O cabelo
grisalho é uma coroa de experiência...
Provérbios
16:31
O conflito entre indivíduos de
gerações diferentes, se dá, entre outras coisas, por uma interpretação parcial da palavra: “experiência”. De acordo
a o entendimento comum, “experiente”, é o indivíduo maduro, do ponto de vista
etário, como propõe o autor de Provérbios. Assim, a experiência é mais
atribuída ao sexagenário, que ao adulto
jovem de vinte anos de idade. Atribui-se experiência, ao senhor ou senhora que
viveu mais tempo que a um jovem ou uma jovem que se contrapõe em uma situação
comum. A conclusão desta interpretação é, portanto: Quem viveu mais, é mais
experiente, quem viveu menos, é menos experiente.
É claro, que há outros usos para o termo
“experiência”. Como propõe Carmem Cavaco, “O
conceito de experiência apresenta-se muito impreciso, uma vez que engloba uma
grande diversidade de significados.”
No entanto, é objetivo deste texto refletir
sobre o uso da palavra experiência no
contexto da simples passagem de tempo, e
mais à frente, criar uma conexão com a expressão: Epistemologia da prática.
Citando Barbotin (2004), Mauro
Martins Amatuzzi, descreve experiência como “o
contato com o real.” Esse contato
pode se dar a partir dos variados sentidos, físico-tátil, visual, auditivo,
gustativo, olfativo, emocional ou reflexivo. Amatuzzi ainda afirma que não é o simples contato com o real que produz
experiência. De acordo com o autor, esse contato deve produzir significados. Assim,
podemos interpretar que a experiência surge de um contato além da
superficialidade com um objeto ou situação, e essa relação relevante, produz
resultados significativos. É possível ainda interpretar que a esse “contato com
o real”, deve ser reiterado, repetido, para que o significado seja realmente
perceptível.
Indo mais além, e experimentando os
termos em questão para um reflexão mais apurada, citamos Paulo Freire, que em
seu livro Educação como prática da Liberdade, propõe que os contatos são
próprios dos animais. Segundo Freire (1967), “os contatos implicam em
respostas singulares, reflexas e não reflexivas e culturalmente
inconsequentes. Deles resulta a acomodação, não a integração.” Como
solução, Freire então propõe as relações como um contraponto aos contatos. “A partir da relações do homem com a realidade,
resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação
e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a realidade.”
Parece assim, que a experiência
significativa, surge muito mais da relação como real, que do contato com o
real. Relacionar-se portanto, com que quer que seja, produz um aquilo que
chamamos de experiência, já que “relação é a vinculação de alguma ordem
entre pessoas, fatos ou coisas.” ( Google)
Usando e adaptando o exemplo
apresentado por Carmem Cavaco, citando a “atividade”
como sendo uma compreensão experiencial, podemos entender melhor o sentido da experiência
significativa: “a aprendizagem dos
enunciados não é equivalente à aprendizagem da atividade, uma pessoa pode
explicar todos os enunciados para nadar corretamente mas não saber nadar”. (Charlot,
2002, p. 80 Citada por Cavaco.).
Percebemos então, que a ausência de
relação com a realidade não propicia experiência significativa, ainda que os anos
tenham passado . Questionando essa associação automática entre a idade e a
experiência, Walter Benjamin declarou: “Em
nossa luta por responsabilidade, nós lutamos contra alguém que é mascarado. A
máscara do “adulto” é chamada “experiência”. Ela é sem expressão, impenetrável
e sempre a mesma. O “adulto” sempre já experienciou tudo: a juventude, os
ideais, as esperanças e as mulheres.” ( Citado por João Gabriel Lima e Luis
Antonio Baptista)
Nem a velhice, ( ou o passar os anos),
nem muito menos a juventude, são elementos produtores de experiência. Os contatos
e relações, em maiores ou menores níveis, com objetos e situações, são
provavelmente, aquilo que causa de fato
uma experiência significativa.
No poema Instantes, atribuído a Jorge
Luís Borges, há uma declaração de frustração, por ter vivido e não
experimentado diversas situações da vida:
... Se eu pudesse
voltar a viver, começaria a andar descalço no
começo da primavera e continuaria assim até o
fim do
outono. Daria mais voltas na minha rua,
contemplaria mais
amanheceres e brincaria com mais crianças, se
tivesse outra
vida pela frente. Mas, já viram, tenho 85 anos e
sei que
estou morrendo.
Assim, a questão
sobre experiência, não é saber quem viveu mais, mas quem experimentou mais,
interagiu mais, refletiu mais, observou mais, se relacionou mais.
E mais que isso, a questão relevante é: o que
foi experimentado? Afinal, a experiência surge como resultado de relações
específicas com o objeto ou situação experimentada. Assim, como firma Jorge
Bondía, “A experiência é o que nos
passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que
acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo
tempo, quase nada nos acontece.”
Epistemologia da Prática.
O termo epistemologia, deriva do
termo grego Epsteme, “Conhecimento real e
verdadeiro, de caráter científico, que se opõe a opiniões insensatas e sem
fundamento, muito empregado na filosofia grega ou no platonismo”
Silas Borges
Monteiro, citando Heidegger nos informa : O verbo que lhe corresponde
é epistasthai, colocar-se diante de alguma coisa, ali permanecer e
deparar-se, a fim de que ela se mostre em sua visão. Epistasis significa também
permanecer diante de algo, dar atenção a alguma coisa.
Se unirmos os conceitos semântico e filológico, teríamos
então a interpretação do termo epistemologia como sendo: A aquisição do
conhecimento a partir da atenta observação. Esta atenta observação, nos remete
ao contato ou relação com o real que Barbotin e Freire defendem como
elementos propiciadores da experiência. Ou seja, epistemologia, se aproxima do conceito de experiência que
tratamos anteriormente, uma experiência que produz resultados significativos,
não superficiais, científicos e não somente empíricos.
Tardif, citado ainda por Silas Borges Monteiro, conceitua Epistemologia da
prática como sendo “o estudo do conjunto
de saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho
cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas”
Vale ressaltar que
essa observação, estudo, busca pelo conhecimento, enfim, essa epistemologia,
deve servir para prover uma prática, uma ação, um resultado. Afinal, espera-se
da experiência ou da ciência,
resultados: “a produção de uma ciência da prática, no caso da Educação, que tenha
sentido na transformação social.” (Cavaco)
Sobre a relação entre experiência e Epistemologia da prática,
é importante refletir sobre o que propõe
Paulo Freire em sua obra: Virtudes do Educador, como uma maneira direcionada de
conduzir um comportamento profissional coerente: “Outra virtude é a de viver intensamente a relação profunda entre a
prática e a teoria, não como superposição, mas como unidade contraditória.
Viver esta relação de tal maneira que a prática não possa prescindir da teoria.
Temos que pensar a prática para, teoricamente, melhorar a prática... Não há
como negar o papel fundamental da teoria, entretanto, a teoria deixa de ter
qualquer repercussão se não existir uma prática que a motive.” ( Freire)
Epistemologia sendo
então a busca pelo conhecimento, a observação crítica, o método apurado, é
portanto, a relação experiencial com o objeto do estudo, com aquilo que se quer
demonstrar, com aquilo que se quer apontar.
“A experiência, a possibilidade de
que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto
que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar
para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e
escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos
detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade,
suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os
olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão,
escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e
dar-se tempo e espaço.” ( Lorrosa)
Assim, entendemos a
relação próxima, dos termos: Experiência
e Epistemologia da prática. Pois, do
ponto de vista etimológico e semântico, os conceitos se aproximam quase
familiarmente. Numa tentativa, talvez didática e simplista, mas próxima de uma
elucidação sobre a relação entre os termos, poderíamos apresentar, e assim
concluir nossa reflexão, dizendo que Epistemologia da Prática é a Experiência
da Experiência.
Sendo nesta
declaração o primeiro termo referindo-se
a epistemologia, a avaliação, a prova, a verificação em busca de respostas. E o
segundo termo experiência, referindo-se à
prática, a relação com o real, o “pôr a mão na massa”, que propicia uma experiência
significativa.
Referências:
1. Experiência: um termo chave para a Psicologia,p.9,Mauro Martins Amatuzzi
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Brasil
2. Educação como prática da liberdade, Paulo
Freire 1967,. P.42, Ed. Paz e terra.
5. Considerações acerca do conceito de
Epistemologia da Prática, Silas Borges Monteiro. pp. 61-64
6. Experiência e formação experiencial:
a especificidade dos adquiridos experienciais, Carmem Cavaco, p. 222 – 226
7. Virtudes do Educador, Paulo Freire, 1982, p. 6, Ed. Vereda
8. Notas sobre a experiência e o saber
de experiência* Revista Brasileira de Educação P. 21, Jorge Larrosa Bondia, Traduzido por João Wanderley
Geraldi
9. ITINERÁRIO DO CONCEITO DE EXPERIÊNCIA
NA OBRA DE WALTER BENJAMIN, Princípios , Revista de filosofia, p.p. 452-453
João Gabriel Lima e Luis Antonio Baptista.